quinta-feira, 7 de fevereiro de 2013

O Voo


O Voo
(Flight, 2012)
Drama - 138 min.

Direção: Robert Zemeckis
Roteiro: John Gatins

com: Denzel Washington, Kelly Reilly, Don Cheadle, Bruce Greenwood, John Goodman

Esse é o retorno de Robert Zemeckis aos filmes live action nos moldes que conhecemos, depois de alguns trabalhos usando o motion capture (a saber, Expresso Polar, Beowulf e Os Fantasmas de Scrooge) e também mais um trabalho de qualidade de seu protagonista Denzel Washington, daqueles poucos atores capazes de convencer o público de que é crível em todos os tipos possíveis.

Ele vive Whip Whitaker, um piloto de avião alcoólatra (e que também tem problemas com outras drogas) que após uma noitada de "sexo, drogas e rock'n'roll" salva miraculosamente um avião condenado evitando que quase toda a tripulação e passageiros morram. Porém, seu passado de vícios surge durante as investigações sobre o acidente e coloca em risco toda a aura de mito que foi criada a seu redor.

Zemeckis tem um mérito inquestionável em O Voo: consegue criar uma sequência de ação fabulosa, superior inclusive a que o próprio diretor havia conseguido realizar em O Naufrago, sua última produção antes dos filmes "animados" e que apresenta de maneira bastante clara o quão complexa foi a situação enfrentada por Whit e tripulação no fatídico Voo. São quinze minutos de bom uso de efeitos visuais, montagem ágil que cria muita tensão, encaixando pequenos desafios para os personagens resolverem dentro da cena, o que exemplifica de forma clara a magnitude do ato de salvamento do personagem de Washington.


A apresentação de Whit é outro ponto positivo, pois é inteligente ao conseguir resumir a essência daquele homem em poucos minutos. Acordando por causa de um telefonema indesejado ao lado de uma bela mulher, logo grita com quem o ousou acordar (sua ex), e discutindo por dinheiro logo percebemos que aquele homem não é um herói, mas - sendo gentil - uma figura trágica. Refém de seus vícios, como podemos acompanhar durante todo o filme.

É uma narrativa até bastante óbvia sobre a relação de um homem e seu vicio não apresentando nada de novo, embora tenha Denzel Washington correto. Como na maioria dos casos, o viciado não aceita que tem um problema e que precisa ser tratado e age como se magicamente seus problemas pudessem ser resolvidos.

O filme tenta fazer um paralelo entre Whit e a bela Nicole (Kelly Reilly), uma mulher igualmente perdida em meio ao vicio e a dificuldade de manter-se de pé. Zemeckis parece - a principio - apostar demais nessa historia, já que dá a ela importância durante o início da trama. No entanto, a partir da metade da projeção, Nicole vai perdendo importância e mesmo com seu óbvio envolvimento com o personagem de Washington, o impacto de sua personagem no início de O Voo já não existe mais.


O filme traz diversas figuras conhecidas como coadjuvantes. Don Cheadle como o advogado que defende Whit mesmo sabendo de seus muitos problemas é a ancora de realidade para o personageml, enquanto seu amigo vivido pelo ator Bruce Greenwood é a ancora emocional que o mantém são diante de diversos problemas psicológicos óbvios que o personagem apresenta, além de uma óbvia dificuldade em vencer o vício. O vício tem aqui uma personificação: Harling Mays, interpretado com extremo bom humor por um divertido John Goodman é o alicerce lisérgico do personagem de Washington. Amigo, fornecedor e responsável por mantê-lo no mundo da diversão desmedida.

Zemeckis não se arrisca e encaixa cada personagem como uma função estereotipada para funcionar como escada para a redenção de seu personagem, e mesmo assim Denzel defende com dignidade seu protagonista. E isso até mesmo na pavorosa sequência de julgamento em que Zemeckis - seguindo o pior da cartilha do sentimentalismo hollywoodiano - redime seu personagem de forma patética, jogando por terra sua sequência anterior em que reforçava a dificuldade que Whit enfrentava para manter-se sóbrio e são.

Os últimos minutos de O Voo são trágicos, apesar de bem intencionados. Tudo soa forçado, feito as pressas, com um receio de que talvez o filme ficasse longo demais e que ninguém quisesse acompanhar mais da tragédia de seu protagonista, um homem derrotado por sua própria arrogância em assumir que tinha um problema.


E é triste notar que um mesmo filme consiga entregar uma sequência sutil e inteligente como a que acompanhar Whit em uma reunião de viciados (estilo AA) e inventa uma desculpa qualquer para ir embora assim que um homem discursa sobre o fato de mentir para si mesmo sobre sua condição de doente e uma tão óbvia e pavorosa como a de redenção ou mesmo o encerramento cheio de sacarose.

Mesmo com Washington se esforçando, O Voo é um ensaio de tragédia. Redime seu "herói" de forma tacanha, ignorando minutos preciosos destinados a fortalecer o caráter duro e complexo de seu protagonista e mesmo com uma brilhante sequência de ação e duas outras fortes em termos emocionais, Zemeckis erra a mão e faz seu avião (com o perdão do trocadilho infeliz) desabar.

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