quarta-feira, 1 de maio de 2013

Somos tão Jovens


Somos Tão Jovens
(Somos tão Jovens, 2013)
Drama - 104 min.

Direção: Antonio Carlos da Fontoura
Roteiro: Marcos Bernstein

com: Thiago Mendonça, Laila Zaid, Sandra Corveloni, Marcos Brêda, Bianca Comparato

Vamos começar logo deixando uma coisa bastante clara, já que infelizmente a interpretação de texto é um problema crônico: essa análise é do filme Somos tão Jovens e não da banda Legião Urbana, Aborto Elétrico, Renato Russo, Dado Villa-Lobos, Marcelo Bonfá entre outros. As eventuais críticas são destinadas à representação que o filme faz desses personagens e eventos, por isso, não venham com "você não gosta da banda", "você não entende nada de Legião" entre outras coisas.

Dito isso, vamos ao filme. Somos tão Jovens não pretende ser uma biografia de seu protagonista (por mais absurdo que isso pareça), mas um filme "jovem" e divertido sobre esse personagem tão idolatrado e com uma legião (trocadilho inevitável) de fãs de todas as idades, credos e classes sociais. Impossível não pensar no quanto essa ideia pode ser bem sucedida.

Por isso, não existe aqui um aprofundamento psicológico, ou mesmo uma vontade de se ater rigorosamente aos fatos. Como exemplo disso a relação - que movimenta a trama - entre o jovem Renato e sua amiga Ana Cláudia, personagem que de fato nunca existiu na realidade. Ora, se você faz uma cinebiografia, o mínimo que se espera é que ela seja honesta com o biografado. A garota - e isso não é invenção minha, mas declarações dos próprios envolvidos - , é uma mistura de uma serie de amigas do cantor. Seria a vida adolescente de Renato tão chata assim a ponto de se precisar misturar uma serie de pessoas em uma única criatura para que ela funcionasse na tela? E mais, a personagem é fundamental a trama, que literalmente faz a mesma funcionar. Por isso, vale de novo o registro: apesar de essa ser a história de Renato Russo, ela não é de fato uma história 100% verídica.



Por mais que os personagens estejam ali, e a formação do Aborto Elétrico e Legião Urbana, relação com outras bandas e artistas que vieram a se formar no rock nacional (casos de Dinho Ouro Preto e Herbert Vianna que surgem aqui num misto de imitação e caricatura bastante perigosa) seja retratada, falta uma profundidade naquelas relações. Por outro lado, é saudável que diante da expectativa de um eventual endeusamento de Renato e demais membros das bandas brasilienses, o mesmo não tem medo de apontá-los como garotos em busca de diversão e seus lugares ao sol.

Vivendo em sua cidade sem opções resta a essa galera beber, fumar e farrear. E no meio dessa farra, as amizades e bandas são formadas. Renato é um sujeito estranho naquele meio, inocente em sua revolta adolescente contra o sistema, que faz o filho de bancário que em sua primeira banda tinha como componente o filho de um adido político sul-africano e um baterista que "esperava sua bateria chegar da Inglaterra", montar uma banda punk. Nada mais contraditório, nesse retrato do adolescente médio, esse poço sem fim de entusiasmo e contradição.

Antonio Carlos Fontoura tem um mérito inegável aqui: não cria o mito Renato Russo, mas o garoto ingênuo, cheio de tiques de "rainha do drama" e contraditório. Isso é ampliado pelo bom desempenho de Thiago Mendonça que faz de Renato esse garoto levemente arrogante, com uma noção inata de sua capacidade e que tem uma seria dificuldade em se relacionar com as pessoas e o mundo a sua volta. Seus poucos amigos, no entanto, são fiéis e formam um clã unido entre os abastados de Brasília.



Estou tentando aqui fugir do lugar comum e não acusar os personagens de "burgueses sem religião" (outro trocadilho inevitável), mas essa visão de garotos ricos, revoltados com a falta do que fazer é uma visão que permeia toda a produção. O bom é que desse tédio surgiram bandas importantes, trabalhos interessantes e que serviram como norte para uma geração. A ironia de se ver esses garotos que tem condições de serem o que quiserem se revoltando "contra o sistema" é sempre interessante. E a forma paternal com que a produção segue essa rebelião juvenil é inteligente, já que parece o olhar de um irmão mais velho, ou de um pai que ve aquela molecada e diz: "é muito barulho por nada". Não existe essa ideia de mitificar - ainda mais - a figura de Renato Russo e esse é o grande destaque do filme.

Além de Mendonça, Laila Zaid interpretando o amalgama das amizades de Renato também acerta. Simples, evitando ao máximo um confronto de overacting com Mendonça - já que seu personagem pede o exagero constante - é o apoio emocional e por onde toda a trama orbita. Por mais brilhante que seja Renato, a historia aqui é sobre esse garoto em busca de sua identidade e a falta de estofo dessa essa historia é equilibrada por sua confidente/amiga que é a ligação mais próxima que o público tem com a essência do protagonista.

O filme sofre de um mal comum a cine biografias e que aqui continua não sendo evitado, o excesso de "momentos chaves" mal apresentados, como a cena que precede a escolha do nome de Aborto Elétrico para a primeira banda de Renato. Ou a sequência (fictícia) em que Renato conhece um jovem de Taguatinga e este o leva a conhecer sua cidade. É verdade que ajuda a trama a ficar mais enxuta, mas incute no espectador tantas referências as canções de Renato ao limite do exagero. Povoam o roteiro frases soltas de musicas importantes, como "festa estranha com gente esquisita" quando Renato e amigos chegam a uma festa que não se enquadram, ou "que país é esse", numa das discussões ingênuas e revoltadas sobre o Brasil que o grupo tem.



Somos tão Jovens é um título ideal para a produção. Lembra-me imediatamente aquela sensação que todos temos (ou terão) ao folhear um velho álbum de fotografias e nos encontrarmos ali, mais novos, mais ingênuos e mais confiantes num futuro de sonho. "Éramos tão jovens" é uma frase que mesmo que mentalmente vem a cabeça, entre comentários óbvios e banais sobre cabelos, roupas e atitudes. Acertando ao despir do mito o homem para apresentá-lo como apenas um garoto, o filme erra no entanto ao ficar apenas na banalidade, no lugar comum. Após apresentá-lo, esquece de ir além e retrata suas mudanças de forma simplista sem saber crescer e perceber que o garoto ingênuo do começo da produção não é o mesmo quando a mesma termina.

2 comentários:

  1. Uma das críticas mais bem sucedidas que já li. Parabéns!

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  2. Parabéns Alexandre! Uma das melhores e sinceras críticas que li sobre o filme. Sem os rancores do que já vi por ai.
    Conquistou mais uma leitora do seu blog.

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