quarta-feira, 6 de abril de 2011


O Filmes para ver antes de Morrer nunca tentou - e nem vai tentar - criticar ou analisar uma obra que por motivos óbvios está no panteão das maiores (na opinião da equipe) já produzidas pela sétima arte, por isso o espaço aqui é para relembrarmos, homenagearmos e apresentarmos a quem não viu, grandes filmes da história do cinema.


Um Estranho no Ninho
(One Flew Over the Cuckoo's Nest, 1975)




Demorei muito tempo para ter na coleção e rever esse filme que me impressionava quando era mais novo, em especial as sequencias em que os internos organizam-se na tentativa de ver um jogo de baseball e Jack Nicholson imagina um jogo imaginário na TV desligada causando caos no manicômio e a dolorosa e perturbadora cena final, cheia de subtextos que quando vi pela primeira vez (devia ter uns oito ou nove anos) não compreendi completamente.


Esse é o primeiro grande sucesso de Milos Forman nos Estados Unidos, e nesse ainda se vê muito de seu trabalho europeu, em especial na forma de criar as seqüências espalhando as câmeras deixando os atores "perdidos", sem noção de quando nem como estão sendo filmados, o que dá credibilidade a cada um dos muitos embates entre os internados e a megera mor: a enfermeira Hatchet.


Um Estranho no Ninho não tem heróis, somente patéticos seres humanos amedrontados pela vida ou agressivos para com ela. Nenhum dos internos está lá - e isso é citado nominalmente - contra sua vontade, e a grande maioria internou-se voluntariamente. Esse tipo de situação não consegue ser aceito pelo personagem principal e ganhador do Oscar por esse papel, Jack Nicholson, aqui como o malandro R.P. McMurphy, um homem que que inventa uma doença mental e agressividade para não ser preso, depois de se envolver com uma garota menor de idade, mas que assim que pisa no manicômio deseja com todas as suas forças sair de lá.


Os demais personagens são todos - na época - vividos por atores desconhecidos que vieram a se tornar - a maioria - figurinhas fáceis em diversas produções. Os dois mais famosos são Danny DeVito e Christopher Lloyd, que o fã de cinema sabe de cor boa parte de suas carreiras. Além desses surgiram em Estranho no Ninho, Michael Berryman (que faria Quadrilha de Sádicos e parodiaria o próprio papel em Mulher Nota 1000), Vincent Schiavalli (Ghost, a série de TV Taxi, 007 - O Amanhã Nunca Morre) e Brad Dourif (além da série Senhor dos Anéis, Mississipi em Chamas, Duna, Vício Frenético de Werner Herzog, a série de tv Deadwood). Atores de fisionomias únicas que agregaram essa questão da excentricidade que transformava para McMurphy e o público, o sanatório em um lugar verdadeiramente único e estranho.

E como não falar do personagem mais interessante da história, dotado de um arco dramático poderoso e que ainda tem - numa audácia do diretor e do roteirista Halben e Goldman - as frases mais emocionantes do filme? Will Sampson, ou melhor o Chefe Bromden, um índio de quase dois metros de altura, aparentemente mudo que rouba a cena do "gigantesco" Jack Nicholson. A cena da conversa dos dois - a primeira no filme - quando McMurphy oferece chiclete ao então mudo Chefe, e ele por sua vez responde é impagável. E muito bem inserido naquele momento, pois os dois personagens aguardavam uma punição por uma briga, e Forman genialmente coloca essa sequencia para quebrar a tensão, desarmando o publico para voltar a brincar com ele duas cenas depois quando o personagem de Nicholson surge "lobotomizado" deixando os amigos perturbados, apenas para revelar que tudo não passava de uma brincadeira.

Essa cena também é inteligente pois antecipa o final, quando o Chefe decide finalmente parar de fugir de seus medos e por conseqüência, fugir no sanatório. Ele aborda um abobalhado Nicholson, que dessa vez revela estar verdadeiramente "lobotomizado". Isso surpreende o espectador, que imaginava que o personagem de Nicholson - principalmente por ser a estrela do filme - jamais poderia ser ferido.


Esse tour de force pelo mundo desconhecido dos sanatórios, foi realizado no momento certo, em plena era de ouro do cinema de autor americano, quando o diretor tinha força para não aliviar suas intenções e os estúdios atendiam a quase todas as suplicas dos criadores.


Forman conseguiu um feito incrível, misturando essa historia essencialmente trágica e dramática com momentos cômicos que fazem da vida daquela gente um filme equilibrado que mesmo sendo melancólico consegue ser visto por todos os públicos, o que pode ser percebido pela premiação do Oscar (entre muitas outras técnicas) e o People Choice Awards de 1976 (essa eu não fazia idéia).


Essa melancolia é evidente em especial na festa que McMurphy dá no sanatório, onde sabemos que essa é a única chance do personagem sair de lá, mas a cada segundo fica mais claro que ele jamais conseguira pular aquela janela e ir embora. A interpretação da pós-festa de Brad Dourif é brilhante, e é uma verdadeira injustiça a não premiação de seu desempenho.


Jack Nicholson, aqui conquistou seu primeiro Oscar, como o virulento e insano McMurphy, talvez o mais complicado e socialmente problemático de todos os personagens. Louise Fletcher também levou o seu prêmio, como a durona e quase sociopata enfermeira Ratchet. Gelada, e complexa - aparentemente, ela acha que sua forma de tratar os internos realmente os ajuda - é um dos personagens mais detestáveis do cinema.


Um Estranho no Ninho é uma aula de interpretações, de cinematografia, de temática e de como aproveitar jovens - nem tanto - e desconhecidos - sem dúvida - atores em papéis intensos e que marcaram suas carreiras e o cinema.

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