sábado, 25 de junho de 2011


A grande diferença entre um grande clássico e um filme cult é simples: Cult é aquele filme que você gosta e não necessariamente é tão bom assim (alguns até são), mas que por algum motivo você adora, se diverte e indica aos amigos. O caso é que na ânsia de encaixar esses filmes em alguma sessão, o Fotograma resolveu criar essa nova sessão, onde aqueles filmes amados e cultuados serão aqui comentados. Sempre de maneira leve e divertida, como pede um filme cult.

A Cura
(Cure, 1997)


O cinema de Kiyoshi Kurosawa é intrigante. Por mais que se transvesta de suspense, terror ou thriller de ação, no fundo seus filmes versam sobre a humanidade diante de seus medos e dúvidas. Em Cure, o policial Takabe (Koji Yakusho) tem uma vida dupla. É um investigador de policia consagrado e sempre engajado em descobrir a verdade sobre os crimes que investiga, mas também é marido de uma mulher profundamente perturbada psicologicamente, que se torna um fardo para a vida do policial.

Mas não é sobre essa relação que - aparentemente - Kurosawa quer tratar. O filme (escrito por ele baseado em seu próprio livro) propõe uma "cura" radical para nossos problemas: a liberação de nossos instintos mais básicos e violentos.


Mas também não é isso que o complexo filme de Kiyoshi nos mostra a primeira vista. A primeira vista temos um bem construído thriller policial que investiga diversas mortes - aparentemente sem sentido algum - que se relacionam por terem sido cometidas por cidadãos sem antecedentes criminais e realizados da mesma forma: um gigantesco X corta suas vitimas do pescoço até o tórax.


O detetive Takagi procura uma conexão entre as mortes e o encontra na figura sombria e interessante de Kunio Mamiya (Masato Hagiwara) um jovem que sofre de amnésia mas que sabe muito mais do que aparenta - e que por motivos óbvios não vou revelar para não estragar a surpresa do espectador.


Espectador esse que pode se decepcionar um pouco ao constatar que Kurosawa não aposta nas respostas fáceis e nem ajuda quem o assiste a perceber os detalhes e nuances de sua história, seja apostando em uma montagem entrecortada, que em certos momentos emula a sensação de vertigem e delírio, apostando na criação de um clima de tensão ou suspense (realçado pela fotografia sombria e recheada de escuridão e pela trilha sonora que aposta nos ruídos e na dissonância para criar o clima ideal) e que talvez não tenha um clímax tão interessante em um primeiro momento.


Um exemplo disso acontece na cena em que o detetive Takagi conversa em um hospital com um respectivo personagem. O hospital aparenta abandono e a iluminação acentua essa idéia, ao colocar em primeiro plano uma parede de tom amarelado e sujo, que serve de moldura para os dois personagens vistos envolvidos pelas sombras. A sujeira da “moldura” reflete o interior daqueles dois personagens e da visão do diretor sobre eles. A cena funciona como a apresentação de dois animais da mesma espécie que a muito procuravam se encontrar. Ambos estão nas sombras, quase que simetricamente espaçados, com essa moldura "podre" entre os dois.


Kurosawa nos diz aqui que o thriller e a investigação talvez não tenham o desfecho esperado, mas esses personagens são realmente importantes e a relação entre eles é o que move o filme. Percebam que no fundo Cure é sobre as personalidades assustadoras que todos temos, mas que são escondidas por camadas e mais camadas de comodismo social e máscaras que nos impedem de realizarmos aquilo que realmente sentimos. A tal cura é um tratamento virulento e de choque que é proposto e experimentado por alguns desses personagens, com resultados dos mais impressionantes.


O filme é repleto de climas e brinca com a expectativa do público instigando-o a procurar mais do que os olhos vêem. São detalhes, imagens e a percepção do que cada personagem na verdade tem a dizer por baixo da fachada. O espectador mais atento vai encontrar respostas e talvez reveja o filme com outro olhar. Em busca de soluções sim, mas observando menos o "belo telhado" e dano mais atenção a cada tijolo firme e bem cimentado que o brilhante Kurosawa San usou para fazer desse uma pequena jóia a ser descoberta pelo público.


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