Meia Noite em Paris
(Midnight in Paris, 2011)Comédia/Romance - 100 min.
Direção: Woody Allen
Roteiro: Woody Allen
Com: Owen Wilson, Rachel McAdams, Kathy Bates e Marion Cotillard
Woody Allen é um fenômeno. Mais do que manter-se como um prolífico realizador por mais de 4 décadas praticamente de forma ininterrupta, consegue sempre despertar a nossa curiosidade, ou mesmo nossa vontade irracional de assistir qualquer nova produção realizada por ele.
Porém, era com certa tristeza que nos últimos anos acompanhamos uma brutal queda de qualidade de seus filmes, recontando histórias que o próprio Allen já fez em seu passado, enquanto ele partia num tour mundial filmando diferentes cidades do mundo. Esteve em Londres, Barcelona e agora Paris. Sorte nossa, que Paris pareceu inspirar o autor (esse sim, faz jus ao "adjetivo") a produzir seu melhor e mais interessante filme nessa década e talvez o mais interessante no novo milênio (rivalizando com Match Point).
Meia Noite em Paris é um desbunde para os olhos, ouvidos e um alento ao coração. Acompanhamos a história deliciosa do roteirista de cinema Gil Pender/Owen Wilson que decidido a escrever um romance aproveita uma viagem dos pais de sua noiva (a lindíssima mesmo loira Rachel McAdams) até a cidade luz, para inspirar-se.
O filme começa com um incomodo, mas compreensível no decorrer do filme, excesso de imagens da cidade francesa (quase dois minutos) mostrando diferentes pontos da cidade. Essa clara e óbvia homenagem fica clara durante a produção, já que Allen não furta a declarar seu amor por Paris e a vida da cidade.
O que faz de Meia Noite um filme especial na filmografia do diretor é um retorno - bem vindo - ao realismo fantástico e a fábula, tão bem realizada em Rosa Púrpura do Cairo. Porém em vez de copiar a formula pura e simples, Allen o transferiu para outra esfera e para uma época especifica e recheada de artistas e gente interessante. Pelo menos segundo a perspectiva do personagem de Wilson, um nostálgico.
Durante sua aventura, que faz o filme ser um charme especial, de uma forma ou de outra Wilson descobre a verdadeira motivação para escrever enquanto vai "conhecendo" diversas pessoas talentosíssimas e históricas. Entre elas: Ernest Hemingway, F. Scott Fitzgerald, Salvador Dali, Luis Bunuel, Gertrude Stein, Pablo Picasso, TS Elliot, Degas, Toulouse Lautrec, Gauguin, Cole Porter, Jean Cocteau, Matisse entre outros. Se o espectador conhecer os personagens citados vai se deliciar com as inúmeras referencias a trabalhos, frases famosas ou a características históricas dos personagens.
Wilson, o protagonista dessa fábula tem - talvez - seu grande momento da carreira. Abobalhado, mais profundamente romântico e crível, seu personagem é um excelente alter-ego para as neuroses de Allen, por vezes até imitando a forma como o roteirista fala. Além de Wilson - e como sempre em produções de Allen - os coadjuvantes são todos interpretados por atores talentosos. McAdams num samba de uma nota só como a insuportável noiva de Wilson talvez seja o ponto baixo, que é balanceada pela magnifica e profundamente bela Marion Cotillard, aqui vivendo uma sonhadora e apaixonada. Kathy Bates trás toda a sua experiência e talento a um personagem histórico complexo e bastante interessante, enquanto Michael Sheen diverte-se como o chatíssimo Paul, um sabe-tudo irritante que funciona como nêmese de Wilson.
Diferente dos outros filmes de Allen, em que tínhamos uma idéia básica até que interessante, mas que esbarrava em uma série de problemas crônicos de roteiro e de piadas repetidas ou simplesmente ruins, aqui Allen acerta em quase tudo. Alguns podem até reclamar da conclusão um pouco apressada, e da falta de uma explicação para os eventos do filme, o que em minha opinião profundamente pessoal, demonstra uma falta de compreensão da obra gigantesca.
Além de prestar homenagens a uma série de talento do passado, ainda - e de forma muito consciente - aponta para o hoje, o agora, discutindo de forma leve e quase professoral, o verdadeiro significado da nostalgia. Segundo o filme, ser nostálgico é uma fuga da realidade. Ao encararmos o passado como algo verdadeiramente perfeito, um momento no tempo onde não podemos participar, dizemos a nós mesmos que não somos capazes de criar ou de nos envolver em algo que valha realmente a pena, e que em nossa época nada é verdadeiramente importante ou interessante.
Allen aqui critica o discurso pronto dos "jovens velhos" que não conseguem enxergar talento ou mesmo felicidade em nada que possam tocar ou experimentar, gente que prefere ser um voyeur de um passado remoto intocável e sem a perspectiva de mudanças súbitas ou de alterações. Uma vida estéril e sem surpresas, receosos por sofrer pela rotina.
Meia Noite em Paris talvez seja o trabalho mais pessoal de Allen (seu background com Paris e declarações do cineasta sobre o projeto corroboram essa idéia), mas é certo que este é um dos melhores trabalhos de Allen em muito tempo. Maduro, romântico e muito atual.
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