A Origem dos Guardiões
(Rise of the Guardians, 2012)
Aventura - 97 min.
Direção: Peter Ramsey
Roteiro: David Lindsey-Abaire
com as vozes de: Hugh Jackman, Alec Baldwin, Isla Fisher, Jude Law, Dakota Goyo
O mercado das animações blockbuster de estúdios consagrados
anda um tanto estagnado. Todo ano, havia os lançamentos das três grandes:
Pixar, Dreamworks e Disney. Enquanto a Pixar representava uma bússola de
qualidade, sempre ousando mais que a concorrente e a parceira Disney, a
produtora de Spielberg se entregava à sua já conhecida diversão passageira e
recheada de referências à cultura Pop. Após a queda de qualidade da Pixar com os
fracassados lançamentos de Valente e, principalmente, Carros 2, a Dreamworks teve
finalmente uma chance de se destacar desses estúdios, tanto nas premiações
quanto no próprio imaginário do espectador. Afinal, para o espectador seria
mais fácil se lembrar da qualidade de Como Treinar o Seu Dragão se Toy Story 3
não tivesse sido lançado no mesmo ano.
Porém, se antes o descompromisso e o deboche eram a regra
(Shrek, O Espanta Tubarões, Os Sem-Floresta), com o tempo o estúdio foi se
adequando ao mercado e investindo em conceitos formulaicos para obter sucesso.
A partir do leve fracasso de Bee Movie, as animações da casa raramente
surpreendiam o espectador, entregando entretenimento bem executado, mas nada
memorável. Como agora os super-heróis estão novamente em pauta, os criadores de
Kung Fu Panda, como em Megamente, lançam um produto do subgênero.
E a prometida revolução ensaiada em Megamente, como debatida
na minha crítica do filme, novamente permanece suspensa. A Origem dos Guardiões
é interessante e intenso, puxando um pouco do apelo emocional que tornou Como
Treinar... o melhor filme do estúdio, mas pouco faz pelo gênero além de
entregar um Vingadores versão Contos de Fada.
Desde o princípio, fica clara a intenção do filme de Peter
Ramsey em construir uma jornada de superação ao protagonista eleito, Jack
Frost. A bela cena inicial, que impacta pela queda no lago e prossegue
detalhando a vida de Frost com seus poderes recém-adquiridos, serve bem ao
ambientar o passado e motivação do herói (ainda que a narração em off seja bem
expositiva). Após a origem de Frost, o panorama super-heroico do grupo do
título se estabelece aos poucos. O sinal da Lua avisa ao Papai Noel que o vilão
Bicho Papão está de volta, dessa vez, muito poderoso. Rapidamente, ele se reúne
com o Coelho, a Fada do Dente e Sandman, o senhor dos Sonhos.
Como em um filme de roubo, o novato no grupo Frost é o
encarregado de mostrar todos os pormenores do grupo. Assim, a Dreamworks é
liberada para executar cenas como a dos ajudantes do Noel se preparando para o
Natal, o Coelho concebendo seus ovos para a Páscoa e as fadas-mirins auxiliando
a Fada do Dente a entregar todos os dólares pelo mundo inteiro. Além de
visualmente impressionantes (Guillermo Del Toro é produtor-executivo e
consultor visual do filme), essas sequências divertem por conferir explicações
“plausíveis” para esses mitos que entregam tantos presentes em tão pouco tempo.
Então, os ovos de Páscoa são coloridos em uma espécie de refúgio artesanal
subterrâneo, e as distribuições de Natal e dos dentes são transformadas em
mega-operações quase de espionagem, onde tudo é minuciosamente estudado e
executado. Além, é claro, de serem divididas em segmentos regionais (muito
esperta a ideia de criar um “setor europeu” para as fadas). Funcionam também as
piadas entre os mitos, que trocam diálogos divertidos baseados em suas funções
(a Fada diz para Noel que “é fácil falar quando se trabalha só uma vez ao ano,
diferente de mim”). E por mais que essas tiradas sejam por vezes bastante
óbvias (Sandman aparecer dormindo às vezes é de uma previsibilidade ímpar), o
senso de humor do filme é tão bobo e sua narrativa é tão leve que nem se
percebe com incômodo esses fatores.
A caracterização dos personagens também acerta ao ser
eficaz, apesar de bem econômica e conhecida do gênero. O Papai Noel tem um
porte físico característico e falas professorais/paternais que os identificam
de cara como o líder do grupo; o Coelho, ágil, imponente e bad-ass (no
original, dublado pelo australiano Hugh Jackman), usa um boomerang e vários
gadgets para suas tarefas, sendo basicamente o “homem de ação” do grupo; a Fada
do Dente é fofinha e colorida, serelepe, simpática e falante; Sandman é o mais
introspectivo e a figura mais emblemática do filme, de longe o melhor
personagem; e Pitch, com seu jeito gótico, figurino sóbrio e físico
nosferático, apresenta uma ameaça urgente e satisfaz na tarefa de assustar.
Interessante, ademais, é a escolha de representar a personalidades de alguns
dos personagens por quesitos culturais/geográficos. Além do já citado jeitão
australiano do Coelho, a expressividade russa do Papai Noel sempre diverte.
E a
parcimônia digna de um lorde inglês de Pitch é bem relevante para o papel, que
o faz um vilão melhor ainda. E abordando a comparação a Vingadores, Pitch é um
vilão inclusive melhor que Loki, que nunca apresentara ameaça naquele filme,
nem mesmo no momento-chave envolvendo o Agente Coulson.
O longa peca, porém, na estrutura. Se a já citada
estereotipada criação dos personagens (Noel é o líder, Fada a tagarela, Coelho
o durão, Sandman o velho sábio, Jack o herói em formação) termina sendo eficaz,
a decisão de narrar a história por confrontos esporádicos com o vilão acaba
cansando. E se o esboço é raso, o miolo se preocupa pouco em inovar.
São os mesmo defeitos corriqueiros dos filmes da casa, mas
para um roteiro escrito pelo consagrado dramaturgo David Lindsay-Abaire, se
esperava mais. A ideia de transformar figuras mitológicas pra crianças em um Vingadores
infantil é, sem dúvida, chamativa, mas uma execução tão average não é tradição de um roteirista com tanto potencial. Aqui
e ali, se notam as intervenções dramáticas de Abaire (a morte de um personagem,
e o medo dos heróis pelo possível esquecimento perante as crianças, são
trabalhados com esmero), mas é pouco perto da trivialidade do entretenimento
correto que é A Origem dos Guardiões.
Fica difícil saber se as coisas poderiam
ser diferentes para o filme, mas a impressão que fica é que a abordagem
escolhida simplesmente impedia o longa de alçar voos maiores. Talvez nem se
Jack Frost fosse um protagonista menos opaco o filme empolgaria mais.
O que nos traz de volta à questão de Megamente. Ousadia não
é esperada na fórmula adotada pelos criadores, mas sempre é com bem-vinda
surpresa que surge algo como um Como Treinar seu Dragão. Da ambição presente no
longa do alien azul em criar a desconstrução definitiva dos super-heróis, ao
menos, o filme não sofre. Desde o princípio, se assume que o plot comporta uma
aventura de grandes feitos, mas que mantém o diferencial, prometido
anteriormente, de molho.
A Origem dos Guardiões tem ritmo envolvente e uma galeria de personagens que são atraentes
o suficiente para manter a atenção por 100 minutos. Há
uma óbvia intenção em criar novos episódios com estes personagens, mas
infelizmente o filme fracassou nas bilheterias mundiais. O ponto de partida
simplório fecha seu arco com eficácia e dá a lição para a criançada que o selo
Dreamworks costuma oferecer. Tem-se a certeza que o estúdio cada vez mais se
estabelece como um produtor de blockbusters de apelo infantil, que se resolvem
bem melhor no setor da animação. Diversão rápida, ainda que nunca memorável.
Ainda um degrau abaixo de um Kung Fu Panda, mas absolutamente superior ao
aceitável e esquecível Gato de Botas.
Em um ano onde Frankenweenie é anunciado como o filme de
animação do ano, até que dá para reconhecer o valor super-heroico e os
personagens carismáticos de A Origem dos Guardiões.
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