Vocês Ainda Não Viram Nada
(Vous N'Avez Encore Rien Vu, 2012)
Drama - 115 min.
Direção: Alain Resnais
Roteiro: Alain Resnais e Laurent Herbiet
com: Mathieu Almaric, Pierre Arditi, Sabine Azéma, Jean-Noel Broute, Anne Consigny, Anny Duperey, Hyppolite Girardot, Gérard Lartigau, Michel Piccoli, Denis Podalydès, Michel Robin, Andrzej Seweryn, Jean-Chrétien Sibertin-Blanc, Michel Vuillermoz, Lambert Wilson
Experimentar no
cinema é muito bom. Mesmo quando os resultados finais não atingem o ápice
imaginado pelos realizadores, a tentativa sempre merece nosso respeito.
Felizmente, Vocês Ainda Não Viram Nada, não fica apenas na categoria de
"boas tentativas" e de fato é uma produção muito interessante.
Em seus primeiros
minutos, Alan Resnais (o lendário diretor francês responsável por clássicos do
cinema como O Ano Passado em Mariembad, Hiroshima Mon Amour, Eu te Amo, Eu Te Amo, Ervas Daninhas entre outros) nos apresenta seus atores, uma seleção de grandes nomes
do cinema francês como Mathieu Almaric (de Escafandro e a Borboleta e Turnê), Pierre Arditi (de Medos Privados em Lugares Públicos, Smoking/No Smoking), Sabine Azéma (Amores Parisienses, Um Sonho de Domingo, Smoking/No Smoking), Anne Consigny (Escafandro e a Borboleta, Um Conto de Natal, Inimigo Público Nº 1), Michel Piccoli (Habemus Papam, A Bela da Tarde), Lambert Wilson (Homens e Deuses, Matrix) entre outros. E de fato
os introduz não como personagens fictícios, mas por seus nomes de batismo. Por
meio de telefonemas estes homens e mulheres são
chamados a bela mansão do dramaturgo Anthony D'Anthac, que acabara de falecer e que como seu último desejo, pede para estarem presentes quando da abertura de seu testamento. O testamento na
verdade se revela sendo uma avaliação dos presentes para o pedido de um jovem
grupo teatral para adaptar a versão do dramaturgo morto para o clássico mito de
Orfeu e Eurídice. Por quê? Porque cada um daqueles homens e mulheres presentes
foram - em diferentes momentos - interpretes daqueles personagens em montagens
do falecido dramaturgo fictício.
E aí é que a
mágica acontece: Alain Resnais coloca seus atores interpretando o que se vê na
tela já que o grupo teatral gravou uma apresentação para servir de avaliação.
Então temos esse grupo de atores maravilhosos interpretando essa versão de Eurídice
do dramaturgo Jean Anouilh que Resnais mistura a outra peça do mesmo autor,
Cher Antoine e tudo funciona de forma esplendorosa. Enquanto Pierre Arditi e Lambert
Wilson são Orfeu, Sabine Azéma e Anny Consigny são Eurídice, Michel Piccoli é o pai de Orfeu, e o magnífico
Mathieu Almaric é o misterioso Henry.
Diferente do que
possa parecer, o filme não é um teatro filmado mas uma elegante virtuose de
Resnais sobre seu profundo controle da mise-en-scene. A mistura da realidade -
aqueles homens e mulheres em uma sala vendo uma fita de uma gravação de uma
peça - com o onírico, daqueles atores aos poucos assumindo o papel de
protagonistas da história é fluída e incorpora elementos externos. Os atores
começam essa transposição ou incorporação, sentados em suas confortáveis
poltronas de couro e vão - aos poucos - se levantando e quando o público
percebe, aquele ambiente se transforma em um café, um quarto de hotel ou mesmo
uma estação ferroviária. As luzes se acendem e os personagens caminham em direção
a estes cenários que passam a ser a representação de Eurídice que o público
está vendo.
Para quem lê o
texto e pode estar achando tudo muito "cabeça", "difícil"
ou tantos outros adjetivos usados para transformar uma experiência cinematográfica
mais exigente em algo simplesmente chato, um recado: o filme é de facílima
compreensão sobre aquilo que pretende ser. Uma colagem de grandes atores
interpretando esse texto de grande qualidade. E para que escolhermos entre
Wilson e Arditi como Orfeu? Por que não termos os dois, se revezando em diferentes
trechos da peça? Ou por quê Sabine Azéma seria a preterida diante de Anne Consigny? Vamos colocar
as duas como Eurídice e seus muitos conflitos internos.
A trama da peça -
uma tragédia basicamente - acompanha um jovem Orfeu que se apaixona
perdidamente pela misteriosa Eurídice. Ele, tem problemas com um pai possessivo
que o quer ao seu lado todo o tempo, enquanto ela sofre com a
"libertinagem" da mãe enquanto guarda seus próprios segredos. Se você
conhece a historia de Orfeu minimamente sabe como ela termina, embora aqui a
trama não se passe em um ambiente mitológico, existem elementos de realidade
fantástica no personagem de Almaric, por exemplo. Mas a magia de fato está na
forma como Resnais constrói sua historia, rigidamente fotografada e ao mesmo
tempo fluída, integrando o teatro filmado ao cinema de forma muito convincente.
Esse tipo de escolha narrativa quando se misturam teatro e cinema ajuda o público a não se cansar do que vê em tela, mesmo com um texto por vezes
poético em excesso, que verdadeiramente funciona muito melhor no teatro, quando
nossa atenção é toda dada ao palco iluminado e a seus interpretes.
Por mais
maravilhoso que seja um filme, diversos elementos que o compõe - seja a iluminação, ângulos de câmera, um figurino entre outras coisas - as vezes nos
tiram a atenção completa que um texto mais complexo mereça. Felizmente, apesar
de escorregar em alguns momentos (em especial nos quase monólogos das Eurídices
na parte final do filme), Resnais tem tal controle sobre o que quer contar que
nos vemos intrigados a acompanhar a trama.
Resnais mostra que
mesmo aos noventa e um anos, tem vontade de ousar, de apresentar criativas
formas de contar uma historia que o público talvez já conheça até de cor. E ao
conseguir dar frescor a um mito grego adaptado a contemporaneidade, acerta
muito mais do que a maioria das produções ditas "inovadoras" que
reciclam ideias batidas com visual ultrapassado.
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