sábado, 13 de abril de 2013

Vocês Ainda Não Viram Nada


Vocês Ainda Não Viram Nada
(Vous N'Avez Encore Rien Vu, 2012)
Drama - 115 min.

Direção: Alain Resnais
Roteiro: Alain Resnais e Laurent Herbiet

com: Mathieu Almaric, Pierre Arditi, Sabine Azéma, Jean-Noel Broute, Anne Consigny, Anny Duperey, Hyppolite Girardot, Gérard Lartigau, Michel Piccoli, Denis Podalydès, Michel Robin, Andrzej Seweryn, Jean-Chrétien Sibertin-Blanc, Michel Vuillermoz, Lambert Wilson

Experimentar no cinema é muito bom. Mesmo quando os resultados finais não atingem o ápice imaginado pelos realizadores, a tentativa sempre merece nosso respeito. Felizmente, Vocês Ainda Não Viram Nada, não fica apenas na categoria de "boas tentativas" e de fato é uma produção muito interessante.

Em seus primeiros minutos, Alan Resnais (o lendário diretor francês responsável por clássicos do cinema como O Ano Passado em Mariembad, Hiroshima Mon Amour, Eu te Amo, Eu Te Amo, Ervas Daninhas entre outros) nos apresenta seus atores, uma seleção de grandes nomes do cinema francês como Mathieu Almaric (de Escafandro e a Borboleta e Turnê), Pierre Arditi (de Medos Privados em Lugares Públicos, Smoking/No Smoking), Sabine Azéma (Amores Parisienses, Um Sonho de Domingo, Smoking/No Smoking), Anne Consigny (Escafandro e a Borboleta, Um Conto de Natal, Inimigo Público Nº 1), Michel Piccoli (Habemus Papam, A Bela da Tarde), Lambert Wilson (Homens e Deuses, Matrix) entre outros. E de fato os introduz não como personagens fictícios, mas por seus nomes de batismo. Por meio de telefonemas estes homens e mulheres são chamados a bela mansão do dramaturgo Anthony D'Anthac, que acabara de falecer e que como seu último desejo, pede para estarem presentes quando da abertura de seu testamento. O testamento na verdade se revela sendo uma avaliação dos presentes para o pedido de um jovem grupo teatral para adaptar a versão do dramaturgo morto para o clássico mito de Orfeu e Eurídice. Por quê? Porque cada um daqueles homens e mulheres presentes foram - em diferentes momentos - interpretes daqueles personagens em montagens do falecido dramaturgo fictício.

E aí é que a mágica acontece: Alain Resnais coloca seus atores interpretando o que se vê na tela já que o grupo teatral gravou uma apresentação para servir de avaliação. Então temos esse grupo de atores maravilhosos interpretando essa versão de Eurídice do dramaturgo Jean Anouilh que Resnais mistura a outra peça do mesmo autor, Cher Antoine e tudo funciona de forma esplendorosa. Enquanto Pierre Arditi e Lambert Wilson são Orfeu, Sabine Azéma e Anny Consigny são Eurídice, Michel Piccoli é o pai de Orfeu, e o magnífico Mathieu Almaric é o misterioso Henry.



Diferente do que possa parecer, o filme não é um teatro filmado mas uma elegante virtuose de Resnais sobre seu profundo controle da mise-en-scene. A mistura da realidade - aqueles homens e mulheres em uma sala vendo uma fita de uma gravação de uma peça - com o onírico, daqueles atores aos poucos assumindo o papel de protagonistas da história é fluída e incorpora elementos externos. Os atores começam essa transposição ou incorporação, sentados em suas confortáveis poltronas de couro e vão - aos poucos - se levantando e quando o público percebe, aquele ambiente se transforma em um café, um quarto de hotel ou mesmo uma estação ferroviária. As luzes se acendem e os personagens caminham em direção a estes cenários que passam a ser a representação de Eurídice que o público está vendo.

Para quem lê o texto e pode estar achando tudo muito "cabeça", "difícil" ou tantos outros adjetivos usados para transformar uma experiência cinematográfica mais exigente em algo simplesmente chato, um recado: o filme é de facílima compreensão sobre aquilo que pretende ser. Uma colagem de grandes atores interpretando esse texto de grande qualidade. E para que escolhermos entre Wilson e Arditi como Orfeu? Por que não termos os dois, se revezando em diferentes trechos da peça? Ou por quê Sabine Azéma seria a preterida diante de Anne Consigny? Vamos colocar as duas como Eurídice e seus muitos conflitos internos.

A trama da peça - uma tragédia basicamente - acompanha um jovem Orfeu que se apaixona perdidamente pela misteriosa Eurídice. Ele, tem problemas com um pai possessivo que o quer ao seu lado todo o tempo, enquanto ela sofre com a "libertinagem" da mãe enquanto guarda seus próprios segredos. Se você conhece a historia de Orfeu minimamente sabe como ela termina, embora aqui a trama não se passe em um ambiente mitológico, existem elementos de realidade fantástica no personagem de Almaric, por exemplo. Mas a magia de fato está na forma como Resnais constrói sua historia, rigidamente fotografada e ao mesmo tempo fluída, integrando o teatro filmado ao cinema de forma muito convincente. Esse tipo de escolha narrativa quando se misturam teatro e cinema ajuda o público a não se cansar do que vê em tela, mesmo com um texto por vezes poético em excesso, que verdadeiramente funciona muito melhor no teatro, quando nossa atenção é toda dada ao palco iluminado e a seus interpretes.



Por mais maravilhoso que seja um filme, diversos elementos que o compõe - seja a iluminação, ângulos de câmera, um figurino entre outras coisas - as vezes nos tiram a atenção completa que um texto mais complexo mereça. Felizmente, apesar de escorregar em alguns momentos (em especial nos quase monólogos das Eurídices na parte final do filme), Resnais tem tal controle sobre o que quer contar que nos vemos intrigados a acompanhar a trama.

Resnais mostra que mesmo aos noventa e um anos, tem vontade de ousar, de apresentar criativas formas de contar uma historia que o público talvez já conheça até de cor. E ao conseguir dar frescor a um mito grego adaptado a contemporaneidade, acerta muito mais do que a maioria das produções ditas "inovadoras" que reciclam ideias batidas com visual ultrapassado.



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