Uma História de Amor e Fúria
(Uma História de
Amor e Fúria, 2013)
Drama - 78 min.
Direção: Luiz
Bolognesi
Roteiro: Luiz
Bolognesi
com as vozes de:
Selton Mello, Camila Pitanga, Rodrigo Santoro
(obs: por se
tratar de um filme que tem em sua narrativa diversos avanços temporais, essa crítica acaba tendo spoilers).
O Brasil não tem
tradição no mundo dos longas metragens animados, sejamos claros. Por uma serie
de motivos que vão desde a dificuldade técnica para criá-los (no passado), até a captação de recursos complicada, a concorrência com os produtos que vem de fora, passando até pela falta de interesse
de uma serie de realizadores, que talvez enxerguem a animação apenas como mais
uma forma de entretenimento para crianças, tudo isso contribui para a quantidade mínima de animações em longa metragem feitas por aqui.
Não é assim que
pensa Luiz Bolognesi, que usou a incomensurável tela em branco que é a animação
para produzir seu novo filme, uma história séria, cheia de críticas sociais
agudas que se traveste de história de amor, conseguindo sucesso na primeira contenda e ficando na média na segunda tentativa.
Tecnicamente, para
uma geração acostumada a ver animações em 3D pipocando na tela, o visual da
produção pode parecer sem refinamento e de fato sofre com alguns
problemas no sincronizar entre as vozes ditas pelos atores/dubladores e o que é
visto na tela. Um mal que mesmo em produções bem antigas, a Disney (pra ficar
num exemplo bem grandioso e até injusto admito) não sofria. Por outro lado, o
visual da ação bebe muito no anime com sequências simples, trechos que
parecem saídos de um splash page de quadrinhos, misturado com a fluência e realismo dos cenários que
bebem na fonte dos japoneses.
A trama divide-se
em quatro contos sobre esse homem que não morre e que foi agraciado com esse
dom para combater Anhangá, a encarnação do mal para os tupinambás (segundo o
filme, confesso que não sei se isso corresponde à verdade dos fatos). Em sua
primeira aparição cerca de cinquenta anos depois do descobrimento do Brasil,
Selton Mello dá voz ao índio tupinambá que vive encantado por Janaína (voz de
Camila Pitanga) e que tenta a todos os custos evitar uma guerra entre sua tribo
- que é auxiliada pelos franceses - contra os tupiniquins e seus aliados,
nossos colonizadores lusitanos. Nesse primeiro trecho, Bolognesi faz sua
primeira crítica. Colocando uma gigantesca cruz subindo nas praias da Guanabara
para ilustrar seu destemor ao falar dos massacres produzidos pelos
colonizadores diante dos índios, verdadeiros "donos" da terra. O
poder dado ao índio o faz voar, mas apenas quando ele se encontra em real
perigo, portanto, vendo sua tribo e sua amada ser morta ele, se transforma em
um pássaro e voa para o norte, local da segunda trama.
Em 1800, a trama gira em torno
da revolta da Balaiada, transformando o herói indígena em Francisco
dos Anjos Ferreira o idealizador do movimento revolucionário que lutava contra
o governo central do Império e que acabou devassado pelo exército liderado por
Luís Alves de Lima e Silva, o Duque de Caxias. Bolognesi aqui aponta seu fuzil
na cara do exército e da exaltação de quem o filme acusa ser, um assassino.
A trama ainda
aponta para um momento mais óbvio da história do país, a ditadura militar. Em
um período onde vemos infelizmente uma série de pessoas vendo vantagens no
tirânico momento de nossa história, Bolognesi fala daqueles mesmos crápulas que
a história - felizmente - vem condenando.
E no futuro, o
segmento mais criativo, Bolognesi cria um Rio de Janeiro protegido por milícias
particulares que transformaram a cidade numa metrópole "segura" mas fascista,
onde todos aqueles que contrariam a ordem do poder são chacinados. A batalha é
pela água controlada por uma empresa multinacional muito poderosa que me
pareceu lembrar a Petrobrás, pelo menos no conceito de empresa nacional. Talvez
Bolognesi não esteja criticando a empresa em seu filme, mas use seu nome para
representar a empresa fictícia Aquabrás.
Em todos esses
segmentos duas coisas são claras: que o amor do herói imortal por Janaína não
tem fim, em suas muitas re-encarnações e seu apreço pela ideia de que os heróis
do Highlander tupinambá não se transformaram em estátuas, mas viraram rodapés
em livros de história.
É uma postura
ousada para o cinema comercial nacional, e Bolognesi é inteligente ao apostar
na animação para contar sua história. Além de provar o tal espaço em branco
para a criação de exércitos indígenas, batalhas entre os balaiados e o
exercito, torturas dos militares e uma cidade saída do encontro entre Akira,
Matrix e toda a sorte de animações futurísticas, atinge o curioso, o mais jovem
na tentativa de transmitir a mensagem de não acreditar apenas na versão
oficial. De não crer cegamente no que o seu livro de história conta. Pesquisar, ir além do
lugar comum, o que é salutar, não importando aí sua posição política, já que
uma sociedade justa e correta é aquela que tem o acesso universal a cultura e
conhecimento.
Como disse, o
grande destaque técnico do filme vai para a construção dos cenários dos
diferentes ambientes em que a historia se passa. Se os personagens e a
movimentação dos mesmos não são grande coisa, esses elementos são balanceados
com os ambientes ricamente construídos e que trafegam do foto realismo da
floresta, da influência barroca nos anos de 1800, na linguagem de quadrinhos
nos anos 60 e nos néons azuis e no alto contraste no futuro.
Se as mensagens
políticas são bem apresentadas e funcionam bem, o romance não agrada de todo.
Talvez pelos personagens não estarem tão desenvolvidos, não consegui acreditar nesse amor profundo do nosso Highlander por Janaína. O romance me parece apenas
uma desculpa para manter o protagonista interessado em combater o mal, já que a
forma com que ele conhece e desenvolve seus poderes também surge de forma
corrida.
Pela ousadia de
abordar temas adultos num formato que no Brasil dificilmente recebe essa
temática, História de Amor e Fúria merece a atenção. Talvez não atinja seus
objetivos como narrativa, já que sua premissa de amor além dos tempos empaca no
desenvolvimento dos protagonistas, mas tem ideias sérias e bem apresentadas por
baixo da cobertura.
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