C de Conselheiro
No dia 24 de outubro, estreou nos cinemas
brasileiros o novo filme de Ridley Scott, O Conselheiro do Crime. Ainda que a
filmografia irregular do diretor atenue a expectativa sobre seus trabalhos, o
filme atraiu o público cinéfilo desde o anúncio: o roteiro seria escrito por
Cormac McCarthy, autor ganhador do Pulitzer e criador do livro que deu origem a
Onde os Fracos não tem Vez – vencedor do Oscar em 2007. O estrelado elenco
também empolgou, com os formidáveis Michael Fassbender, Javier Bardem, Brad
Pitt e Penélope Cruz, formando toda a expectativa que circulou o trabalho até a
estreia.
No entanto, logo na estreia, The Counselor foi duramente criticado pelos profissionais americanos. Críticos consagrados como James Berardinelli (do Reelviews) e Peter Travers (da Rolling Stone) falavam do quão ineptos eram o roteiro de McCarthy e a direção de Scott; a Variety, por exemplo, classificou o filme como “o pior já feito na História”. Espantoso ver um autor prestigiado refém de pesadas críticas.
E quando a estrutura de Conselheiro do Crime vai se revelando aos poucos, entende-se a frustração por parte de quem esperava um thriller criminoso nos moldes. Sombrio, complexo e profundamente teórico, o filme se demonstra um exercício de pensamento, quase um filme-ensaio, um “F for Fake” de Welles.
No entanto, logo na estreia, The Counselor foi duramente criticado pelos profissionais americanos. Críticos consagrados como James Berardinelli (do Reelviews) e Peter Travers (da Rolling Stone) falavam do quão ineptos eram o roteiro de McCarthy e a direção de Scott; a Variety, por exemplo, classificou o filme como “o pior já feito na História”. Espantoso ver um autor prestigiado refém de pesadas críticas.
E quando a estrutura de Conselheiro do Crime vai se revelando aos poucos, entende-se a frustração por parte de quem esperava um thriller criminoso nos moldes. Sombrio, complexo e profundamente teórico, o filme se demonstra um exercício de pensamento, quase um filme-ensaio, um “F for Fake” de Welles.
Em vez de construir o roteiro por situações, o escritor americano investe em diálogos operísticos que revelam menos uma narrativa que uma reflexão sobre a corrupção da moral do Homem. Os personagens se movem através de conversas, e não situações. Servem como avatares, meras representações da proposta da narrativa. Poderiam ser até classificados como arquétipos, mas para isso seria necessário partir do princípio que o filme tenta estabelecer ligação emocional com os envolvidos ali – o que não é verdade. A uni-dimensão, aqui, faz parte da linha de raciocínio.
Há ecos da série Breaking Bad (o ator Dean Norris até aparece – e como traficante), tratando de uma mesma jornada consciente do protagonista até a total corrosão ética, mas o paralelo claro do filme é com a própria obra de McCarthy. Em Meridiano de Sangue, seu melhor romance, o americano constrói um denso retrato panorâmico de uma região estadounidense no fim do século XIX. É um faroeste que exige atenção na leitura; não apenas por um setting intrincado, mas pelos dilemas morais nos quais os personagens são submetidos ao longo da (até simples) narrativa. Similar, o romance A Estrada também lida com as provações éticas que o protagonista sofre, solitário com o filho em um mundo pós-apocalíptico. O mesmo se aplica ao mais famoso dos livros do autor, Onde os Velhos não têm Vez, e assim se estende o assunto em toda a sua bibliografia.
Logo, McCarthy não patina em um assunto que rendeu a obra de sua vida. O Conselheiro do Crime retrabalha os temas caros ao escritor, mas em uma mídia diferente. Não por acaso, o ritmo do filme soa tão distante do que é realizado no gênero em Hollywood: é um longa que se forma pela conversa teatral, que elabora cada uma das cenas introdutórias com total privilégio ao que quer dizer, estabelecendo bem o que acontece, mas sem se importar de fato com aquilo. Qualquer situação que acontece a serviço da narrativa, e não da reflexão, é visivelmente inevitável. O roteiro é sobre subtexto, e não texto; sobre dissertação, não ação.
E os simbolismos também vão movendo o fluxo de consciência da violência: o conselheiro transa com a namorada em lençóis brancos, etéreos, como se eternizasse aquele momento para o que virá a seguir; as duas chitas, diante da selvageria do Homem, nada fazem; a poderosa traficante divaga sobre a nostalgia de manter a caça sob controle, com violência elegante e amoral, sem as inquietantes consequências que os homens sofrem; após a conversa com o intermediário, toda nas sombras, o advogado recebe um ultimato sobre a entrada no mundo do crime com um fundo branco, como o último sinal de uma vida decente (e que remete ao início com a namorada).
Sendo assim, não dá pra condenar tanto uma discutível previsibilidade em Conselheiro do Crime. McCarthy é habilidoso na hora de usar sua “Arma de Tchekov”: quando surge uma detalhada descrição de uma morte, o escritor implanta duas histórias sobre outras formas de execução para não deixar evidente para o espectador qual delas vai usar. Mesmo assim, discutir isso é um pormenor estilístico, porque é sobre incursão, e não sobre surpresa, que McCarthy trata. Os rumos da narrativa são delineados desde o princípio, e a graça é ver como Scott lida com o panorama do cartel em prol da desmoralização do advogado vivido por Fassbender.
Obviamente, Cinema não é Literatura – e construir um ensaio dissertativo que suprima qualquer tipo de ação nem sempre é bem visto. De certa forma, vai até contra a ideia de Cinema em sua gênese. Por mais articulado e arrojado que o filme seja, talvez McCarthy tenha escolhido a mídia errada pra se expressar. É o trunfo e limitação d’O Conselheiro do Crime.
Nenhum comentário:
Postar um comentário