sábado, 19 de junho de 2010

Kick-Ass
(Kick-Ass, 2010)
Ação/Thriller - 117 min.

Direção: Mathew Vaughn
Roteiro: Jane Goldman e Mathew Vaughn

Com: Aaron Johnson, Chloe Moritz, Nicolas Cage, Mark Strong

Posso pressentir as resenhas sobre Kick Ass que serão escritas pelos “velhos” críticos, muito mais preocupados em rolar sobre o próprio conhecimento do que em experimentar as novidades. Cunharão termos como: “absurdo”, “descerebrado”, “imbecil”, “ofensivo” entre outros adjetivos pouco gentis ao filme de Mathew Vaughn.

Permita-me estar no outro lado do ringue, com o protetor bucal, e luvas em punho e sacramentar sem a menor dúvida: Kick-Ass é um dos filmes mais divertidos que já vi.
Por que ? Simplesmente por não se importar nem um pouco com o que será dito e repercutido sobre sua completa subversão sobre o que é considerado aceitável na sociedade. Esqueça qualquer resquício de moralidade que ainda reste em você, pois Kick-Ass é um tiro bem no meio da testa de uma geração que, ou acorda e percebe que o que foi, um dia, sinônimo de diversão, hoje não funciona mais.


Hoje, os adolescentes pensam e agem de uma maneira mais acelerada e tem conhecimento de coisas com uma velocidade mil vezes mais intensa do que toda uma civilização que a procedeu. Reflexos de uma sociedade que nasceu mexendo no computador, ouvindo Mp3, tendo a sua disposição quilos de e-books e afins. Afinal, é impossível imaginar que em outro período histórico, um vídeo no YouTube geraria tamanha comoção, ou que um personagem que se transformaria em herói teria a sua disposição um site e uma revista em quadrinhos, como são mostrados no excelente roteiro de Jane Goldman e do próprio diretor Mathew Vaughn. A excelência do trabalho vai além da representação de uma geração, mas na sátira dela mesma e principalmente na “destruição” dos preceitos do objeto de culto. A diferença de Kick-Ass, para o outro grande trabalho que pensou nessa desconstrução é o tom. Se em Watchmen (a mais importante história em quadrinho da história), Alan Moore (o autor) quis retratar uma sociedade castrada e a beira de uma destruição moral e social e que havia destruído (fisica e simbolicamente) aqueles que um dia tentaram protegê-la, o filme (e imagino os quadrinhos) Kick-Ass imagina que essa sociedade já se foi. A moralidade já era, é coisa do passado, e os limites do ser humano hoje são muito mais permissivos, aceitando um tipo de “herói” inacreditavelmente falível, patético e violento. E tudo isso com uma dose gigantesca de cinismo, sarcasmo e bom humor.

Isso é bom? Não sei, mas sou um produto dessa sociedade e, portanto minha visão sobre ela é de alguém intrinsecamente ligado em seus movimentos “peristálticos”. Tratar de assuntos sérios com essa “leveza” e despojo são marcas de minha, e das gerações mais novas.


Por isso, me diverti imensamente com o filme de Matthew Vaughn, pois para minhas pupilas acostumadas aquele caleidoscópio de imagens, sons e cores, em vez de enxergar o horror e o ofensivo, viram uma sátira inacreditavelmente violenta e abusada em seus conceitos e que mesmo levando-se a sério (como conceito), entrega uma diversão de primeira.

Não, Kick Ass, não tem violência estilizada, tem sangue sim, e se você não estiver acostumado a subversões vai se incomodar, ainda mais quando a responsável por boa parte dele é uma garotinha de 11 anos.

Sim, leitor, 11 anos. Uma super-heroina badass, com apenas 11 primaveras intitulado Hit Girl (Chloe Moritz, espetacular durante todo o filme) , treinada desde que nasceu como uma máquina de lutar/ferir/matar por seu pai, um ex-policial em busca de vingança contra os assassinos de sua mulher.


De outro lado, temos o nerd bobo da vez, Aaron Johnson, vivendo o “herói” titulo do filme. Como está na moda, o rapaz é magrelo e tem aquele cabelo em formato de capacete, estilo Michael Cera ( de Juno e eternamente o nerd-mor dessa geração). Ele é apalermado com as meninas, ainda está passando pela mudança de voz e tem dois amigos (igualmente nerds) que passam as tardes numa comic shop. Um dia, de sopetão, num momento de lucidez diz: porque ninguém quis ser um super-herói e muitos querem ser Paris Hilton? Diante dessa pérola de sabedoria, resolve vestir a roupa colada e defender os fracos e oprimidos das garras da injustiça (poético não?).

Só pela descrição (necessária para explicar os motivos do choque de muita gente), boa parte do público já fez careta e desistiu de ver o filme. E fico feliz com isso, pois diferente de Lost (outra série de nicho que fez a “bobagem” de se tornar popular, agregando a sua base de fãs gente que não entendia bulhufas do que estava sendo dito), Kick Ass será um filme de poucos, e que fará um grande sucesso entre eles, assim como filmes de arte tchecos tem seu nicho e fãs por exemplo.


O filme é um primor técnico e artístico, em especial do uso da trilha sonora para ilustrar determinado momento ou sensação dos personagens. Cada pequeno “ato” funciona como uma “música” separada, tendo destaque especial e brilho próprio. A fotografia abusa dos clichês dos filmes de herói e das graphic novels com o uso do alto contraste sendo sua marca mais nítida, porém não querendo simular a realidade do quadrinho, mas representá-la e homenageá-la. A câmera lenta brigando por espaço em meio aos cortes ágeis (que graças a deus, não são do tipo “piscou-perdeu”) e a iluminação que adquire vida própria, (em especial numa sequencia de tortura, onde a única coisa que ilumina a cena são os tiros) são outros pontos estéticos muito interessantes. Sensacional.

Vaughn por sua vez, parece ter se divertido horrores na direção. Usando e abusando de referencias e auto-referências, transforma Kick-Ass num filme muito seu. Quem pode ver Layer Cake, com o então desconhecido Daniel Craig (pré-Bond) vai reconhecer a forma bem humorada com que o diretor trata os gangsters mostrados no filme. Diferente do “rei” dos gangsters ingleses, Guy Ritchie, Vaughn prefere ver seus personagens como pessoas normais que se envolvem em situações estranhas sempre com muito bom humor, enquanto o ex de Madonna os mostra como personagens estranhos e exóticos que estão simbioticamente ligados ao universo perturbado do diretor.


Outro que parece feliz em cada take, é o nerd de plantão Nicolas Cage, que parece viver um bom ano, depois do excelente Vicio Frenético, encarnando um herói bad-ass e perturbado (Big Daddy). Destaque para a história de origem do “herói” que é contada em quadrinhos e que funciona muito bem.

As sequencias de ação são as melhores do ano com folga. Diferente do que vemos atualmente, Vaughn prefere deixar a ação fluir e usar os cortes para mostrar ângulos, e possibilidades dramáticas. Observem a sequencia (embalada pela trilha de Ennio Morricone) em que uma garotinha coloca sua arma na boca do figurante de luxo Jason Flemyng (ator inglês de muitos papéis interessantes). Num momento vemos o personagem de costas encobrindo a garota e no take seguinte, nos é revelado o “segredinho” por trás da suposta inocência da garota. Muita gente já fez isso sim, mas com essa competência é difícil ver.


Mas o mais dicotômico, e que pode parecer absurdo a primeiro plano, é que apesar de estarmos vendo um filme assumidamente violento, em nenhum momento (apesar de se levar a sério e nos jogar dentro do universo dos personagens) ele deixa de ser divertido e até leve, o que é um feito notável.

Sem muito medo digo: Kick-Ass deverá ser um Cult movie dessa geração, e já é um dos mais divertidos filmes do ano.

Um comentário: