segunda-feira, 12 de julho de 2010

Agora
(Agora, 2009)
Drama - 127 min.

Direção: Alejandro Amenábar
Roteiro: Alejandro Amenábar

Com: Rachel Weisz

É muito claro para mim os motivos para que Agora tenha sido um completo fracasso nos Estados Unidos e até mesmo na Europa. Agora é dos filmes mais anticristãos que eu já vi. Não vou entrar aqui no mérito do que está certo e errado, embora quem tenha lido minha crítica para Criação saiba que não sou cristão e a cada dia descubro como minha escolha - de não seguir a nenhuma dita religião - é certa, pelo menos para mim.

Agora lida diretamente com o conflito - eterno e insolúvel - entre fé e ciência, dessa vez ambientado num período em que os radicalismos eram ainda mais notáveis, o princípio da chamada Era Cristã, que abrange os primeiros séculos desde o calendário romano segue o cristianismo. Nesse período histórico, os cristãos antes jogados aos leões como diversão imbecil para os igualmente imbecis romanos, começam a ter poder e a serem admitidos como cidadãos pelas então cidades pagãs. Alexandria, onde se ambienta o filme, conhecida como um dos berços da sabedoria clássica da humanidade vive esse período de mudança. De um lado, a elite intelectual que homenageia seus deuses, pensa em astronomia, filosofia e tem diversos escravos. De outro os cristãos, populistas, distribuindo comida aos pobres - como forma de angariar fiéis que fique claro - e ligados a idéia de que Deus tudo sabe e tudo entende.


Nesse turbilhão está Hypatia (Rachel Weisz) uma das mais importantes matemáticas e cientistas de sua época (para maiores informações sobre a figura histórica, visitem esse link  ou procurem Google afora) que leciona numa espécie de universidade ou escola preparatória da época para um grupo de jovens, entre eles Orestes (Oscar Isaac) e Sinesius (Rupert Evans), pagão e cristão respectivamente. Junto a ela em toda a aula e em quase todos os momentos, seu escravo Davus (Max Minghella) que nutre uma paixão secreta por sua "mestra".

O filme mostra essa transição violenta, suja e traiçoeira que fez dos cristãos a força mais importante da região. Em um exemplo o diretor quis ilustrar como o cristianismo conquistou o mundo.

Pois bem, Alejandro Amenábar (o mesmo diretor dos excelentes Os Outros, Mar Adentro, Abra los Ojos e Tesis) aponta sua câmera e mente - já que também é autor do roteiro - para essa questão cada vez mais pertinente. Por que o homem se deixa aprisionar, sem questionar, pela tal fé religiosa? Por que o homem uma vez tomado por essa fúria, tende sempre a querer mais poder e a mostrar a todos que apenas a sua verdade é a que deve ser ouvida? Será que realmente - caso exista um - Deus fala por meio das chamadas sagradas escrituras? 


Questões importantes a serem debatidas, ainda mais num país como o nosso, que finge ser moderno, mas que ainda sofre com a castração intelectual todos os dias. O que difere os bispos mostrados em Agora que incentivam seus fiéis a atos de discriminação e violência, dos pastores e padres que pregam contra homossexuais, contra o uso de preservativos, contra outras formas organizadas de religião, entre outras?

Nada, meus caros. Absolutamente nada. Amenábar parece ter escolhido o momento ideal para apresentar essa história. Vivemos num período em que a liberdade do indivíduo é cada vez mais vigiada, em que o criacionismo ganha força (inclusive aqui com certos candidatos defendendo seu ensino nas escolas), a constante escalada de violência entre judeus, muçulmanos, cristãos mundo afora.  Agora, faz esse cruel paralelo entre o ontem e o hoje. Em um determinado ponto da trama esse paralelo chega a ser até - talvez tentando atingir até mesmo o mais tolo dos que assistiram ao filme - claro demais. Um dos líderes cristãos diretamente diz que os judeus - que viram alvos após a "conversação" dos pagãos - não terão terra eternamente, pois foram amaldiçoados por deus. Mude o líder cristão para o líder muçulmano e sim, temos o mesmíssimo discurso sendo proferido por uma voz diferente.

Como diz aquele ditado chulo. Mudam-se as moscas mais a m..... é a mesma.


Porém ao defender sua tese, Amenábar enfraquece seus personagens, em especial o escravo Davus, que - obviamente "ajudado" pela atuação de Minghella - é raso como um pires. Ao não ser, digamos atendido, entra num frenesi de violência sem sentido. Os demais coadjuvantes também não ajudam em nada: Orestes é visto como um fraco sem nenhuma força para administrar seus problemas e profundamente obcecado por Hypatia. E Sinesius que aparentava ser o cristão moderado, muda 180º no terceiro ato do filme, mostrando-se, em palavras simples, um canalha. 

O "esquezofrenismo" do filme não para ai. A história apresenta um juvenil interlúdio que divide categoricamente o filme em duas metades distintas, incluindo ai um dispensável letreiro explicativo. Fraco estética e narrativamente. 

Outra falha grosseira é a insistente utilização de imagens da terra sendo vista do espaço, como que para provar que as teorias de Hypatia estavam no fim corretas. O filme usa e abusa do "Google Earth" a cada vinte minutos causando incomodo e mostrando que Amenábar não pensou bem em cortes ou mesmo na ligação entre os elementos que faziam parte de sua história.


Além das imagens da terra vista do espaço, talvez como tentativa de mostrar como a direção de arte era fabulosa e grandiloqüente, vemos diversas tomadas aéreas que tentam aumentar o escopo do filme. Na maioria das vezes são desnecessárias e apenas servem a um fetiche do diretor, mas existe uma bastante interessante, em que usando de velocidade acelerada Amenábar e seu fotógrafo Xavi Giménez transformam os invasores cristãos em grupos de moscas sobre carniça. Uma idéia que condiz com tudo com que o diretor apresentava em seu texto.

Giménez usa e abusa das cores quentes intensificando o deserto e aplacando as noites. As noites em Agora não são escuras e gélidas, mas sombrias e misteriosas. Noites onde as estrelas são visíveis e a lua se esconde.

Num filme de época a direção de arte sempre deve ser analisada com mais cuidado, já que depende dela a crença do espectador naquele ambiente em que o filme o introduz. Em Agora o trabalho de Frank Walsh e equipe é funcional, mas bastante conservador em sua abordagem. Walsh preferiu abordar o período da forma mais comum e óbvia da mesma maneira que já mostrada em diversos outras filmes sobre a época. As mesmas estátuas de adoração, os mesmos portões de madeira, as mesmas reproduções do período, que se historicamente são corretas, artisticamente não vão além do trivial.


Os figurinos também são importantes, e assim como a direção de arte parte para um pot-pourri de outros filmes épicos e afins. A equipe de Gabriella Pescucci mostrou os judeus de Paixão de Cristo, as togas romanas de Gladiador a mulher independente que não se conforma em usar tons pastéis e que precisa ser diferenciada até mesmo na roupa que veste entre outros.

Esteticamente apesar do filme ser muito funcional, é deverás insosso e comum. Amenábar, que sempre foi um diretor interessante e inventivo, parece também ter entrado na onda, e refém de sua tese, peca muito nos aspectos técnicos e mesmo narrativos. A tal passagem de ato é mal elucubrada e parece ter sido pensada em cima da hora, já que o ato inicial termina de maneira vazia e emocionalmente rasa, o que é mais um indicio da falta de capricho no desenvolvimento dos personagens e suas relações. Mesmo a tentativa de criar tensão sexual e amorosa entre Hypatia e seus pretendentes, digamos assim, é infeliz, pois não existe uma gota de química entre Weisz (que está correta no filme e nada mais) e os respectivos atores, além de - especificamente no caso do escravo Davus - Weisz aparentar ter pelo menos quinze anos a mais do que o personagem, o que dificulta uma compreensão dos reais sentimentos dele por ela. Será tesão? Um sentimento de adoração? Amor de verdade? 

Na parte técnica, apesar de um orçamento razoável para um filme de época, Amenábar parece que não conseguiu dimensionar em termos físicos sua tentativa de recriar o passado. O filme mostra os mesmos quatro cenários e quando foge deles apela para as tais cenas aéreas citadas. Teriam gasto o orçamento nas cenas do espaço e faltou grana para a montagem física das instalações?


Agora é um filme de tese, e como geralmente acontece em filmes com esse viés, esqueceu do que realmente prende a atenção do espectador: a história. Apesar de baseado num momento histórico real, com personagens reais e ter um grau de contestação saudável, não funcionou como poderia ter funcionado como peça cinematográfica.

E a aqueles que ficaram horrorizados por terem visto suas crenças serem ofendidas pelo filme, fico com uma das poucas frases realmente instigantes do roteiro: "Se não se questiona o que se acredita, não se pode acreditar".


Um comentário:

  1. Pra quem esperava um grande desperdício de tempo, foi uma grata surpresa. Só a beleza estonteante da Rachel Weisz já vale uma conferida!

    Cultura? O lugar é aqui:
    http://culturaexmachina.blogspot.com

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