quinta-feira, 15 de julho de 2010

A Jovem Rainha Vitória
(The Young Victoria, 2009)
Drama - 105 min.

Direção: Jean-Marc Valée
Roteiro: Julian Fellowes

Com: Emily Blunt, Rupert Friend, Paul Bettany, Miranda Richardson, Jim Broadbent, Mark Strong

No imaginário popular e cinematográfico, a rainha Vitória da Inglaterra, que intitula o que os historiadores chamam de "era vitoriana", recheada de avanços tecnológicos na indústria, comércio e avanços culturais, é apresentada geralmente como uma mulher idosa e sem gracejo. A história diz que durante seus 63 anos de reinado, a Inglaterra passou por suas transformações mais brutais, para o bem e para o mal.

Do lado positivo é notória a abolição da escravatura em todo o território britânico, a lei que reduziu a carga horária de trabalho na indústria têxtil, o famoso Third Act Reform - que garantiu a todos os homens trabalhadores o direito a voto - o Ato das Minas que proibiu crianças de trabalharem nas minas, e muitos eventos culturais importantes tais como: diversas publicações de autores consagrados como Charles Dickens, Conan Doyle, Walter Scott, Lewis Carroll, Robert Stevenson, toda a criação do gênero de livros de vampiro (com a publicação de Drácula de Stoker), as peças de Oscar Wilde, a criação do mundialmente famoso Exército da Salvação, a primeira "Feira Mundial" em 1851 apresentando as maiores invenções do século incluindo ai demonstrações da fotografia que estava nascendo como conhecemos hoje (ou melhor ontem), Darwin e a origens das espécies entre outros eventos importantes.



De negativo tivemos as diversas guerras entre as então colônias e a "matriz" britânica como as diversas acontecidas na Índia e a Guerra dos Bôeres na África do Sul. Além disso a Inglaterra declarou guerra à Rússia, na chamada Guerra da Criméia. Houve ainda a "Grande Fome Irlandesa" que diminuiu pela metade a população da Irlanda por inanição e emigração, um dos motivos que acirrou a revolta irlandesa e acendeu a chama de identidade nacional no país e que permeou a política irlandesa no século seguinte, rendendo inclusive diversos filmes e livros sobre o assunto, e o "evento" chamado Jack, o Estripador, o primeiro serial killer de repercussões mundiais que se tem notícia.

Outra característica do período - e que o cinema retratou diversas vezes - é o decoro e a forma com que a sociedade britânica encara assuntos como sexo, família, moralidade e decência. Esses padrões - se não foram diretamente influenciados, tiveram peso - tem muito a ver com a morte prematura do rei Albert, aos 42 anos. Durante dez anos a rainha tornou-se uma pálida sombra do que era, evitando ao máximo qualquer tipo de contato social. A chamada era vitoriana, é mais popularmente conhecida dessa forma: rígida, "castrativa", onde os homens eram superiores e as mulheres parideiras e donas de casa. Esse pensamento influenciou de maneira indelével toda a Europa e o mundo.

(As informações históricas contidas nessa introdução foram baseadas nesse link , se quiserem mais informações sobre o período, recomendo que acessem o material, que obviamente é muito mais extenso do que o apresentado aqui).


Por todos esses motivos é saudável vermos uma representação da jovem rainha, cheia de vida, medos, dúvidas e inexperiente. Antes de Jovem Rainha Vitória, a personagem foi retratada na TV ou cinema por mais de cem vezes das mais variadas maneiras. Em "The Private Life of Sherlock Holmes" de Billy Wilder por exemplo, ou em "Sua Majestade Mrs. Brown" de John Madden, ou no suspense "Do Inferno" dos Irmãos Hughes e até mesmo na bobagem "Volta ao Mundo em 80 Dias" (o remake). Porém, da forma e com a publicidade e divulgação que Jovem Rainha Vitória teve mundialmente é a primeira vez que os cinéfilos podem acompanhar o início da construção desse fantástico personagem da história mundial.

O filme parte da coroação da rainha, retoma os meses que antecederam esse momento e depois segue os primeiros anos de reinado. O filme tenta contextualizar um complô - óbvio e comum nas monarquias - para sacramentar uma união política e matrimonial entre reinos. No caso temos o rei William e seu pretendente a jovem herdeira - sua sobrinha Vitória -, o então primeiro ministro Lord Melbourne e o príncipe Albert que atende aos interesses do ramo familiar belga que pretende sacramentar sua posição mundial com o apoio inglês. Um jogo político e estratégico armado no início do filme pelo diretor Jean-Marc Valée.

A história conta que Vitória desposou Albert e o filme apresenta esse e outros fatos que ilustram o crescimento político e pessoal da rainha.


O problema é que falta profundidade nessa discussão política intencionada. A política serve como pano de fundo para o romance entre o casal central. Valée (do premiadíssimo C.R.A.Z.Y. - Loucos de Amor) e o roteirista Julian Fellowes tem a idéia de provocar sorrisos envergonhados - como os de seus protagonistas -, olhos mareados e suspiros apaixonados. Não surte muito efeito já que a condução da história é pesada e entrega de bandeja todas as intenções da narrativa. Ela por sinal não é ruim, é funcional, mas nada de diferente do que outros romances históricos já mostraram anteriormente.

O cinema adora retratar todos os eventos políticos - sejam românticos ou não - com esse viés. No cinema, até uma guerra feroz e sem vencedores costuma apresentar essa tendência. A identificação do espectador depende muito, nesse tipo de filme especificamente, de como esses personagens chegam à tela. Jovem Rainha Vitória não é sutil, mas funciona com ressalvas graças a seus interpretes.

Emily Blunt (Diabo Veste Prada e Lobisomem) além de ser uma pintura renascentista de tão bela encontra o tom correto na condução de seu personagem. Sua rainha Vitória é uma adolescente entediada e castrada por sua mãe e tutor. É insegura mas inteligente, ingênua em alguns aspectos, perspicaz, mas - como em geral são os adolescentes - mimada quando atinge o poder. Uma atuação muito, mas muito boa. O grande papel de sua curta carreira.


Sua mãe, a duquesa de Kent, é interpretada por Miranda Richardson (Lenda do Cavaleiro sem Cabeça, Harry Potter e o Cálice de Fogo, As Horas, Spider, Crying Game) como uma mulher igualmente mimada, mas que não tem a "desculpa" da adolescência a seu favor, quer poder e é retratada como uma tirana virulenta, mas - por mais estranho que pareça - uma mãe preocupada.

Rupert Friend (do recente Chérí) vive o futuro rei Albert. Um garoto igualmente confuso e castrado por seu tio, que o preparou para assumir o trono inglês sacramentando sua união.

A interação de Albert e Vitória é muito contemporânea. "A boy meets a girl" com mais renda e cartola. O que comprova a tese de que as relações humanas sempre foram as mesmas, muda-se o contexto social, mas a essência é a mesma. O amor sempre é igual e suas reações são as mesmas em qualquer período histórico.

Valée não é sutil na aproximação do casal mas consegue bom resultado graças - mais uma vez citando - aos seus atores. A cena em que a barreira emocional que separa os dois personagens é transposta é brilhante. Albert mostra que assim como Vitória é mais do que um joguete político, ou marido de encomenda. Tem personalidade e a partir da citação do famoso compositor clássico Schubert consegue despertar a consciência em Vitória de que ele é algo mais. São interpretações minimalistas, sensíveis e muito bem construídas.


O filme conta ainda com coadjuvantes de nome. Paul Bettany (Código da Vinci, Mestre dos Mares, Criação) é Lorde Melbourne. Porém seu trabalho é simplista e comum. O que enfraquece mais a narrativa, já que seu personagem deveria ser causador de conflito. Mark Strong como Sir John Conroy resume-se a repetir o papel de vilão que costuma fazer sempre e Jim Broadbent como o rei William, apesar de pouco tempo de tela rouba a cena.

A Jovem Rainha Vitória teve três indicações ao Oscar. A maquiagem (John Henry Gordon e Jenry Shircore) é simplista e não vejo grandes méritos para uma indicação ao prêmio, ou a qualquer outro. A direção de arte por sua vez é maravilhosa. O trabalho de Patrice Vermette e Maggie Gray é precioso em todos os aspectos que são necessários para uma reconstrução de época correta e com qualidade. Sandy Powell, sempre competente, é a feiticeira por trás dos figurinos. Sandy tem 3 Oscar na estante, um deles recebido esse ano pelo filme. Merecido.

A edição de Jill Bilcock e Matt Garner e a fotografia de Hagen Bogdanski são comuns. Bilcock e Gerner apostaram no naturalismo e da exposição dos momentos tentando obter fluidez. Na seqüência em que Albert é introduzido a história, a edição monta os "adversários" como um grande quebra-cabeça. Porém nas várias passagens de tempo tudo é muito truncado e o espectador se perde. Faltou traquejo. Bogdanski poderia ter usado mais os cenários belíssimos do filme, mas usa muito de planos médios o que impede a apreciação total da direção de arte. Apenas na apresentação do palácio de Buckingham e no jantar do rei William é que vemos planos mais abertos. Em compensação foi a primeira vez que vi num filme de época, efeitos de steadycam "amarrados" ao corpo do ator. Na cena em que Vitória tem seu baile de coroação a personagem flutua da entrada até o centro do salão. Visualmente bonito, mas que destoa de todo o resto "careta" que a fotografia apresenta.


Valée mostrou competência com atores e mediocridade (de mediano) com a câmera, o que pode parecer uma característica de alguém que tende a apostar em filmes intimistas e fugir das superproduções e do cinema americano no geral. É esperar para ver os próximos passos do diretor.

Jovem Rainha é mais um romance - funcional - embalado por pretensa paisagem política. Não é original mas não ofende a inteligência. Mas o restante da narrativa e sua condução são irregulares e falhos. A Rainha não vai se revirar no túmulo com o filme, mas também não deve esboçar um sorriso.

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