segunda-feira, 21 de novembro de 2011

Reféns
(Trespass, 2011)
Thriller - 91 min.

Direção: Joel Schumacher
Roteiro: Karl Gajdusek

Com: Nicolas Cage, Nicole Kidman, Ben Mendelsohn, Liana Liberato e Cam Gigandet

O diretor americano Joel Schumacher é conhecido por trabalhos totalmente opostos entre si. Quando se aventura pelo suspense psicológico, consegue realizar, em iguais proporções, filmes corretos como Por um Fio e desastres como 8MM. Ainda sendo bom condutor de dramas criminais, como O Cliente e Tempo de Matar, o diretor ainda tem dois bons exemplos de estudo da violência no currículo, o elogiado Tigerland e o excelente Um Dia de Fúria. Porém, é como realizador de blockbusters e de filmes independentes que Schumacher mostra toda sua incompetência. Se os Batmans dirigidos por ele são indefensáveis, ainda temos o fraquíssimo Veronica Guerin, passando pelo frustrado Guilty-Pleasure Em Má Companhia e pelos recentes Blood Creek e Twelve, dois exemplos claros da falta de habilidade de Schumacher como contador de histórias.

Seria até um fôlego interessante ver o americano voltar aos filmes de suspense psicológico. Porém, fica cada vez mais claro que seus bons filmes são fruto dos bons roteiros e dos ângulos interessantes que Schumacher busca. Porque como narrador, o diretor ainda tem muito a aprender. Por isso, não é tão surpreendente que Reféns seja tão ofensivo.

Nicolas Cage, mais histriônico que nunca, chega em seu Porsche a sua luxuosa casa. A visão de um helicóptero é intercalada com o áudio do que se passa no carro de Kyle Miller, o nosso protagonista. Logo ali, é possível obter três constatações sobre os caminhos que Reféns irá seguir: além de Cage investir num sotaque pouco convincente (com uma arrogância ímpar) e esse início seja ironicamente semelhante ao do espetacular Violência Gratuita, ainda se pode ter o primeiro sinal da artificialidade ridícula do roteiro de Karl Gajdusek. Miller dialoga da forma mais rápida possível, com o comprador na linha, com uma falta de habilidade que chama a atenção. Não faltou nem o "Damn it..." quando o comprador desliga abruptamente. Chegando em casa, temos mais dessa artificialidade, mas dessa vez acompanhada de um reducionismo irritante.




Se já é difícil acreditar em uma Nicole Kidman como uma serena dona de casa, mais complicado é acompanhar a introdução da filha adolescente do casal perguntando se pode ir a uma festa. Afinal, o pai acabou de chegar em casa depois de um tempo fora, e a filha é amorosa o suficiente para abordá-lo apenas para perguntar sobre a tal festa. E quando vemos o grande Nic Cage com óculos retrô, cafona, falando que não vai deixar porque "na festa terão outros garotos, o que é o pesadelo de qualquer pai!", dá pra começar a desconfiar que o roteiro é over o suficiente para tentar explicar o que passa na cabeça do pai de uma adolescente, como se o público já não conhecesse. E ainda por cima, cercado desses reducionismos, fica muito difícil permanecer no cinema.

E a história nem começou.

Com essa introdução pífia, cheia de pequenos mistérios que Schumacher tenta criar (como mostrar as tais fotos que Kyle coloca no cofre e os cigarros que o mesmo encontra logo que chega em casa), compromete perigosamente o filme de saída, já que apresentar com destreza os personagens, em filmes que dependem da ligação emocional do espectador com eles, é essencial. Não por acaso, é com indiferença que acompanhamos a chegada dos criminosos. E ali começa, de verdade, o espetáculo do absurdo.




Os criminosos já chegam ameaçando de maneira agressiva os protagonistas, o que é de praxe. Além disso, a gangue demonstra ter um mínimo de senso de segurança ao destruir todos (ou melhor, quase todos, já que o único telefone que continua ativo é crucial para uma trama paralela) os telefones da casa. Mas é só o roteiro começar a investir nos diálogos que Reféns volta a afundar gloriosamente. Elias, o líder da gangue vivido por Ben Mendelsohn, pede o código a Miller apenas para revelar, em alto e bom som (quase olhando para a câmera, diga-se de passagem), que já sabia o código e que o código fornecido pelo protagonista era para chamar a polícia. Perguntou pra quê então? Pra surpreender o público? Essa tendência se exemplifica novamente nas ameaças ao cofre. Por que Miller não abre logo? O segredo que está ali só se refere à tensão do público, que não sabe o conteúdo dele. Nada aconteceria se ele revelasse isso aos sequestradores. Não é exagero; ser artificial é a principal característica de Reféns. É como assistir um suspense de situações operístico, cheio de arrogância, que vira para o espectador e clama pela admiração de sua inteligência, mesmo que esta não exista. Raramente se assiste obras tão inorgânicas.

Num filme que se propõe ameaçador, são fundamentais dois fatores: que o espectador se importe com os personagens e que os vilões sejam realmente perigosos. Já estava claro que o desenvolvimento havia falhado, mas ao errar também em introduzir os antagonistas, o filme parece criar unidade na mediocridade. Schumacher, sem saber exatamente qual tom dar á sua história, resolve investir em todos: a tensão sexual (o assaltante entre as pernas de Kidman), o envolvimento entre mocinha e bandido (com os horrendos flashbacks editados de maneira porca), o da psicopatia do assalto (como a tentativa de aterrorizar com a história do rim), o do heist-gone-wrong (com o caos generalizado pairando sobre o grupo) e, obviamente, o das milhares de reviravoltas. Ao perceber que seus pasteurizados diálogos não irão sustentar nada, Gajdusek começa a embolar o seu roteiro até não saber o que dizer mais.

E aí as questões começam a deixar de incomodar e passam a fazer rir. Elias declama que os remédios do irmão são Tic-Tacs, logo após descobrirmos subitamente que o segundo é um psicopata em tratamento, quando nada havia apontado para isso. Após, o brutamontes loiro (ah, claro, não podia deixar de ser: Reféns também é reducionista ao compor seus sujeitos) revela um importante ponto da trama, que desmascara toda a operação. Por que ele não disse isso desde o início? E por que o falido Miller guardava tanto dinheiro em casa? Por que levaram uma seringa para o local se não planejavam usá-la? Por que Miller só foi sacar que não enxerga sem óculos minutos depois de perdê-lo? Por que a namorada drogada de Elias está no filme? E por que, ó Deus, não matam a maldita filha logo? Estaria mentindo quem dissesse que não tem nem um pouco de prazer em ver Reféns. Ver Gajdusek patinar com tanto gosto é bonito, até.




O absurdo é tão vergonhoso que a cada grito de qualquer um temos certa disposição em acompanhar o sofrimento. A fotografia sóbria de Andrezj Bartkowiak ajuda a instalar o clima sério que torna o suspense mais engraçado ainda. Sem deixar de se levar a sério por um instante sequer, o filme só potencializa a piada involuntária. Quando Avery está fugindo de casa embalada por uma trilha típica de filmes de assalto, já se percebe que tem algo de errado. Os deselegantes zooms de Schumacher, dados abruptamente em cenas de impacto, também não colaboram. Pelo menos, ao entortar a câmera para criar desconforto, o diretor se apossa de uma lógica visual que, ainda que previsível, funciona.

A falta de condução de um diretor que tenha noção do que responde por "atuação" acaba prejudicando Cage e, de certo modo, todo o elenco. O sobrinho de Francis Ford Coppola parece querer misturar seu Big Daddy e o Dr. Fu Manchu nesse vendedor de jóias. Se Werner Herzog deixou o ator sem controle em Vício Frenético, é justamente por confiar no talento do mesmo e por querer conceber uma história essencialmente caótica. Matthew Vaughn também deixou Cage livre, mas com o intuito de imitar Adam West. Em Reféns, Schumacher não o controla por não ter noção do que isso significa. Assim como não controla ninguém no filme. Kidman está cada vez mais rígida, Mendelsohn parece realmente determinado em tirar o Framboesa de Ouro de Cage, Cam Gigandet demonstra estar mais seguro de ser um galã do que já fez em outros trabalhos e não resta nada além de pena da talentosa Liana Liberato num papel tão imbecil.

Detentor de algumas das mais estúpidas frases de efeito da história recente do Cinema, o roteiro de Gajdusek nos brinda com diálogos que fariam Tarantino chorar de emoção, como "Hey man, it's still my show!" (Ei, cara, ainda é o meu show) ou "Motherfucker! You're a m-o-t-h-e-r-f-u-c-k-e-r!" (Filho da puta! Você é um f-i-l-h-o-d-a-p-u-t-a!). Ainda tentando justificar a psicopatia de Jonah ao retratá-lo como um homem obsessivo e apaixonado (o que não demonstrava ser nem no presente e nem nos flashbacks), Gajdusek erra em absolutamente tudo o que se propõe.




Apostando até em conceitos datados como o da "casa ultra-tecnológica" para transformar o único cenário em um mega-desenvolvido set, justamente para compensar a falta deles, Reféns consegue ser vergonhoso em tudo ao longo de seus inchadíssimos 91 minutos, desde sua tentativa idiota em se levar á sério até ao utilizar a mesma estrutura que Violência Gratuita tanto criticou. As incongruências saltam tanto aos olhos que se torna impossível ao menos tolerar o filme.

Mas quando se vê Nicolas Cage gritando um "No!" tão intenso, não adianta. Não dá para não admirar um ator que se presta tanto ao ridículo assim. E nem digo apenas pelo overacting, mais descontrolado do que nunca, do ator.

Me refiro ao ridículo que é participar de um produto tão risível, descarado e indefensável quanto esse.



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