quarta-feira, 30 de novembro de 2011


Safe House




O Primeiro trailer do suspense de ação Safe House já apresenta de cara um ritmo acelerado e uma fotografia granulada, que evoca a atmosfera dos filmes de Tony Scott. Contando novamente com a trama do aprendiz em situação de risco perante um veterano da profissão, o filme parece ter como principal aposta o protagonista Denzel Washington, para poder dar um peso maior ao seu papel. Porém, a grande semelhança com seu Alonzo Harris, papel que lhe rendeu o Oscar em Dia de Treinamento, acaba relegando o personagem a conhecidos trejeitos e algumas frases de efeito bem previsíveis. Ao colocar ainda Ryan Reynolds em um papel típico de um ator em ascensão (fase que Reynolds já passou), o filme empolga apenas pelo tratamento quase realista á espionagem, o que rende interessantes sequências de ação e um tiro próximo ao tímpano de Reynolds, o que não deixa de ser uma situação crível legal. Promessa de ação e tensão de alta octanagem, com diversão garantida. Pretensão baixa ajuda bastante nesses casos.



terça-feira, 29 de novembro de 2011


A Saga Crepúsculo: Amanhecer Parte 1
(The Twilight Saga: Breaking Down - Part 1, 2011)
Romance/Aventura - 117 min.

Direção: Bill Condon
Roteiro: Melissa Rosenberg

Com: Robert Pattinson, Kirsten Stewart e Taylor Lautner

Quando o assunto é Crepúsculo, não é preciso ir muito longe numa análise para o veredito indubitável: não se trata de um produto - tanto cinematográfico, quanto literário - considerado bom. Não pelos seus erros - que são muitos - ou infantilidade, mas pelo simples fato de não conseguir atingir o limiar mínimo de qualidade, quando apenas sua história é avaliada, livre de suas incoerências ou interpretações. Sua trama, por si só, é batida, repetitiva, monótona e previsível. Não há aspectos positivos que possam ser apontados no enredo da ''saga'' (com muitas aspas). Apenas por sua falta de criatividade ou relevância, a série de livros escrita por Stephenie Meyer já merecia pairar próxima da mediocridade. Nada mais justo, já que não possui características dignas de mérito, nem personagens cativantes, ou uma construção de universo bem feita - como em outros best-sellers que fizeram sucesso com os jovens, como Harry Potter e Senhor dos Anéis.

Entretanto, até a mediocridade é demais para o conto de Bella, Edward e Jacob. Não satisfeito em NÃO construir um universo interessante, o sucesso entre as jovens do mundo ainda destrói uma mitologia tão fascinante quanto à dos vampiros. Com seus heróis metrossexuais, e portadores de fobia a vestimentas, ainda sobra para a cultura dos lobisomens. Tudo isso já seria suficiente para decretar a plena nocividade da ''saga'' e seu status inquestionável de ''ruim''. Mas Crepúsculo não é ruim: está abaixo deste conceito. Podemos atestar claramente isso com a chegada do tão aguardado Amanhecer aos cinemas. O quarto capítulo da franquia cinematográfica chega para tirar mais pontos ainda da mesma. Além de tudo já citado, a série ainda se apresenta incrivelmente retrógrada em vários sentidos.

Já era possível perceber esse claro estigma machista, infantil e ultraconservador durante os filmes que precedem Amanhecer, mas aqui tudo fica mais evidente e escancarado, conforme o casamento de Bella se aproxima. Na trama da vez, Bella (Kristen Stewart) e Edward (Robert Pattinson) preparam seu casamento e enviam seus convites a diversos personagens. O primeiro a receber é Jacob (Taylor Lautner), que, em mais um momento pomba-gira da franquia, arranca a camisa e vira um lobisomem para extravasar sua revolta licantropa - a cena se passa na chuva, então o calor está descartado como motivo da tirada de camisa, que passa a ser relacionada agora com alguma provável alergia a algodão. Apesar da aparente indecisão, palavra que circunda a série desde o primeiro frame, os dois pombinhos se casam, vem passar a lua-de-mel no Rio de Janeiro, e aqui consumam seu casamento. Um tempo depois disso, entretanto, Bella tem a ''surpresa'' - isso já não deveria ser esperado? - de estar grávida, e de um feto vampiro.




Dirigido de maneira burocrática, e esteticamente pobre por Bill Condon, Amanhecer é mesmo o pior filme da série. Muito disso causado por seu aspecto monótono - que aliás, sempre acompanhou fielmente a franquia - passando por seus erros técnicos, mas, principalmente, por seu discurso. Este capítulo da série declara, de diversas maneiras, seu machismo, e grande subestimação da "classe" feminina. Seus recados surgem constantemente, mas ficam cristalinos em determinadas situações, como na gestação-sacrifício de Bella, que surge como a metáfora clara para aquilo que conhecemos como '' a gravidez é o fim da vida da mulher''. Ou seja, após o fardo de mãe, não há perspectiva para nenhuma outra meta na vida. Uma visão que se revela errada em qualquer momento da história da humanidade, mas que, em pleno século XXI, é extremamente repreensiva.

Há várias outros momentos que colocam Bella num segundo patamar na relação com Edward: sua fraqueza - tanto de espírito, já que depende mortalmente daquele homem, quanto física - e também sua inferioridade mental - as cenas em que Edward 
ganha de Bella no xadrez só servem para ilustrar a fragilidade da personagem de Stewart, que demonstra ser incrivelmente indecisa e frouxa durante toda a exibição. Aliás, minto. Bella se mostra muito determinada num ponto em particular: naquele em que ela precisa se sacrificar pelo filho. As mulheres servem apenas para isso, afinal, correto?

Certamente não. E Amanhecer traria uma boa discussão sobre essa subestimação que ocorre com a mulher caso não fizesse justamente apologia desse fato. Há uma adoração - tanto da escritora, quanto de suas fãs - por esse esquema dito romântico, mas que na verdade só tem de imaturo e antiquado. Ora, Stephenie Meyer não escreve para formar mulheres, mas sim para gerar nas adolescentes uma saudade incrível de serem meras meninas. Repare nas cenas pré-casamento: Bella vive uma indecisão hipoglicêmica, depressiva, sem a menor fagulha de vontade, a acomodação em pessoa. Encarna uma situação similar á de Justine em Melancolia, porém sem nem um por cento do ímpeto da maravilhosa personagem vivida por Kirsten Dunst no filme de Lars Von Trier. O caráter depressivo patológico de Bella chega ao máximo quando nem mesmo seu namorado acredita que ela esteja feliz com o casamento. ''Eu estou'',ela diz. Só se for uma felicidade sem semblante - a lá Kimi Raikkonen (famoso ex-piloto de Fórmula 1, conhecido pelo apelido de "Homem de Gelo"). Em outro momento do filme, Bella se opõe a usar salto alto, como uma clara criança que recusa o crescimento...Tudo isso só corrobora para o diagnóstico de imensa infantilidade e machismo, presente com maior explicitação do que nunca neste Amanhecer.




Porém, o filme de Bill Condon possui ainda mais defeitos. Não satisfeito em contradizer sua carreira ao assinar contrato para realizar o filme - afinal Condon comandou, em 2004, Kinsey, onde tabus eram quebrados, e agora dirige esta adaptação, onde tabus são mais do que nunca glorificados - o diretor ainda detona a película com sua participação infeliz. Os comandos de set falham, os cortes são desajeitados e a montagem não ajuda. A direção de atores parece tão quadrada, que beira a vergonha alheia. Também, pudera: com exceção de Anna Kendrick e algum outro gato pingado, o elenco de Amanhecer está pior do que nunca. O índice de teatralidade permanece alto, e a culpa é essencialmente dos atores. Atores, aliás, que fracassam ao tentar demonstrar um mínimo de dramaticidade necessária, ou até mesmo expressividade, principalmente neste capítulo tão importante para a ''saga''. Taylor Lautner e Robert Pattison estão meramente ruins - Lautner um pouquinho pior - e Kristen Stewart tem mais problemas ao formular expressões.

Além disso, Amanhecer ainda sofre por ser ultrapassado também esteticamente. Sua fotografia é pedestre, e, não satisfeita em não colaborar com o filme, tem tons que variam bruscamente entre cortes. Um Guilherme Navarro (oscarizado por Labirinto do Fauno, entre outros trabalhos) irreconhecível. A direção de arte também falha ao dar ao filme um tom extremamente brega, como na cafona cena em que Bella sonha com o casamento. Pilha de mortos? Vestimentas brancas com detalhes de sangue, num fundo estourado branco? Definitivamente, o discurso obsoleto de Amanhecer combina com seu visual.

Diante de tudo isso, ainda temos problemas de roteiro, meros buracos, como na parte onde vampiros não sabem o que pode acontecer com o nascimento de um bebê vampiro. Séculos de existência para tanta desinformação? Tudo fica ainda mais cômico na parte onde Edward vai pesquisar sobre o assunto, e entra no Google imagens... precário, no mínimo.




São muitos os problemas, e Amanhecer, como os outros filmes com o selo Crepúsculo, ainda sofre por ser extremamente modorrento. Antiquado tanto na narrativa quanto em sua técnica, temos aqui o pior filme dos vampiros brilhantes. Um filme indefensável, e se não for por Jack and Jill - mais um desastre de Adam Sandler que vem por aí - este pode ser considerado o pior filme do ano.

segunda-feira, 28 de novembro de 2011


The Grey




Quieto, tenso e assustador em doses equivalentes, o primeiro trailer do novo filme de Joe Carnahan empolga os fãs do terror em sua natureza mais selvagem. Depois do primeiro teaser, que já apontava bem a ambientação desesperadora do filme, agora essa prévia de 3 minutos consegue assustar ao mesclar a abordagem realista da queda do avião e da caça dos lobos, com uma atmosfera onírica que demonstra de maneira eficaz o apego emocional que o personagem de Liam Neeson tem com o seu passado. Ao apavorar pelo medo do desconhecido que há na neve, o trailer ainda é feliz ao equilibrar com destreza o suspense psicológico e o gore, com as aparições-relâmpago dos temíveis lobos do filme. Angustiante, entregando ainda um minuto final absolutamente devastador, essa pequena amostra do que virá consegue impressionar, principalmente a quem não dava nada pelo filme, a quem esperava outro arroubo do diretor, após o fracasso estilístico de Carnahan em seu filme anterior, A Última Cartada.



domingo, 27 de novembro de 2011

Dawson Ilha 10
(Dawson Isla 10, 2009)
Drama - 117 min.

Direção: Miguel Littin
Roteiro: Miguel Littin e Segio Bitar

Com: Sergio Allard, Cristián de la Fuente e Luis Dubó

Ao início da entrevista, o militar está tenso. Várias perguntas são direcionadas para ele, que tem um linguajar limitado e evidentemente preso. Tudo isso é registrado numa contrastada fotografia em preto-e-branco, com uma inquieta câmera que dá uma aura documental para a cena. Quando uma pergunta é direcionada a um habitante da tal Ilha Dawson do título, a retórica parece mais elaborada, mesmo que a pessoa fale pouco. E a câmera, se espremendo entre diversos jornalistas, acaba glamourizando o documento. No fundo, é sobre isso que se trata Dawson - Ilha 10, drama representante do Chile no Oscar 2010. Uma visão imparcial, ainda que fiel, aos fatos ali apresentados.

Os agressivos violinos de Juan Cristóbal Meza ditam bem a atmosfera pesada que o diretor Miguel Littín tenta propor desde o início. Visivelmente apaixonado pelo evento que ali retrata (o que torna o filme mais nacionalista do que deveria), o chileno tenta causar o desconforto em diversos momentos, com o intuito de colocar o espectador na mesma situação dos personagens. A metástase desse jogo ocorre nos takes em primeira pessoa na chegada dos prisioneiros na ilha de Dawson. Littín assume o ponto de vista de Sergio Bitar, o Ilha 10, que foi o autor do livro que originou o filme, o que acaba sendo um tanto previsível, ainda que eficaz.

O problema é que, com o tempo, o truque cansa. Tentando ao máximo entrar na mesma condição dos prisioneiros, Littín pesa a mão e soa repetitivo. A cada tratamento animalesco que um militar concede ao seu subalterno, o filme mostra um revolucionário debatendo sobre algum assunto relevante sobre o país. Isso seria bom para ambientar e delinear o caráter dos dois lados, se não fosse martelado por toda a projeção.


O foco nos detalhes, para o bem e para o mal, são fractais ao filmes. A morte de ícones como Pablo Neruda são detalhadas com pesar, as memórias do 11 de Setembro (dia do golpe que derrubou Allende no Chile) são lembradas com melancolia. As imagens de arquivo de Salvador Allende são mostradas em câmera lenta, com pesar, com uma dor patriótica que fica muito bonita em tela, ainda que torne o projeto restrito ao povo chileno. Pela riqueza de imagens e discussões ali retratadas, Dawson é eficaz. Porém, como obra fechada, acaba tendo diversos problemas, que vão do desenvolvimento de personagens até a estrutura que a trama adota.

Semelhante a filmes como Ensaio sobre a Cegueira, Dawson procura contar os detalhes de um confinamento desesperador. Mas se Ensaio tinha várias vertentes filosóficas, bons personagens e arcos narrativos, o filme chileno se restringe apenas a contar os fatos, o que o torna bem fiel historicamente, mas opaco como obra de arte. Visto por esse lado, é até um milagre que o filme passe seus 100 minutos sem perda de ritmo ou foco, já que pouca coisa parece acontecer em tela.

É comum a filmes históricos serem bem ideológicos, mas a atmosfera dos anos 70 é algo que compensa a falta de significado do projeto. Passagens ótimas como a canção dos países americanos, que é interrompida quando Cuba é citada, valem a visita. As conversas dos exilados no dormitório são sempre relevantes, ainda que previsíveis. O fato de o roteiro ter se baseado no livro de um desses presos acaba sendo explícito, já que tanto a carta narrada na abertura quanto os arroubos nacionalistas nos diálogos são, verídicos ou não, bem inocentes. Seria fácil condenar o filme por "vista grossa" no desenvolvimento dos liberais se liberais em essência não fossem tão parecidos. Não por acaso, o filme, ainda que tenha um protagonista, não opta pela exclusiva visão deste, preferindo investir no ensemble cast. Mas o que em teoria funciona, não tem o mesmo sucesso em tela. Littín não é o melhor dos roteiristas e muito menos o melhor dos diretores, então fica bem difícil de apresentar bem cada peça do quebra-cabeça.


O que nos leva a falta de apego emocional aos cidadãos dali. Ciente de que desenvolve mal seus personagens, o diretor investe na montagem ao reutilizar (dessa vez, em preto-e-branco) um take para relembrar-nos quem é tal personagem depois que este morre. Ainda assim, dilata sua narrativa com a construção da igreja afim de criar maiores laços com o arquiteto preso, o que gera também na humanização do militar. Não é de se espantar que seja complicado lembrar dos nomes de cada prisioneiro, já que a individualidade não dá as cartas aqui. Em suma, não sentimos pena por ninguém em Dawson; sentimos, sim, por todo mundo. Sendo um manifesto pró-passado comunista do país, o filme tem até bastante unidade em não privilegiar ninguém.

Ainda que soe leve na abordagem mesmo não querendo (nem os violinos nem os maus tratos foram suficientemente fortes para o apego que o diretor propôs), Littín tem certa competência. É didático em excesso ("Você teve um pesadelo!"), ideológico em excesso (as frases motivadoras escritas por "A"), mas conhece o necessário para uma boa abordagem visual. Empregando uma câmera tremida nas cenas dos presos, o diretor investe em ângulos observadores e estáticos ao mostrar os militares, o que dá uma boa ideia do contraste das situações sem soar forçado. Dirigindo bem seus atores, todos convincentes, Littín até perde as rédeas de seu filme com certa frequência, mas sempre as toma novamente quando o projeto corre perigo de se tornar enfadonho (como quando introduz as cenas dos presos com um oficial de alta patente, em um escritório).

Utilizando uma fotografia com retenção do prateado, a técnica do Bleach bypass realizada por Roger Deakins em 1984, o diretor (também o fotógrafo) torna sua película muito bonita visualmente, com uma direção de arte que assusta pela veracidade. Retratando com eficiência a atmosfera solitária e depressiva da ilha do título, o filme ainda é humanista suficiente para emocionar em algumas partes, como nas já citadas mortes dos ídolos dos presos e no contato com o habitante de uma cidade vizinha á ilha.


Mas o zelo com os presos e o patriotismo evidente acaba revelando outro truque de Littín. Certo de que o público não conhece os militares e o tratamento quase inumano que os mesmos exercem (contra os inimigos e contra si mesmos), o diretor e roteirista força a barra ao mostrar os carrascos. Enfocando em duas oportunidades as mãos juntas (para trás) de um militar, com o objetivo de estabelecer a personalidade metódica e ferrenha do mesmo, Littín constrói TODAS as interações militar-liberal com o maior conflito possível, justamente para vilanizar ao máximo todos os integrantes do exército. E até mesmo quando um militar fala com outro, o chefe manda ele pagar flexões, por puro exercício de poder. Obviamente, então, o único militar bonzinho tem que ser um alívio cômico. Se o tratamento militar não fosse tão unidimensional por natureza, seria até complicado acompanhar um produto tão crente em um reducionismo. Não se espante se você sair odiando a instituição de defesa armada do país após assistir Dawson.

Fechado e modesto em sua pretensão artística, Dawson não ofende e nem encanta, ficando em um meio termo exato, que encaixa o filme mais do que nunca na categoria "histórico". Se diferenciando apenas no amor exacerbado pela própria h(H)istória, Littín realiza um bom filme, fiel aos fatos, que só escapa da fidelidade quando um fato discutível se torna simples demais (na verdade, Allende se suicidou de maneira discutível, mas para o filme, não há dúvidas sobre o assassinato).

Não que os lados não estejam bem claros (é difícil ser a favor de Pinochet e seus militares), mas utilizar uma narrativa pobre para um discurso histórico tão seguro e centralizado não é a melhor solução. Mas há méritos nisso. Para o bem ou para o mal, limitar uma revolução nacional ao amor ao mocinho e ao ódio ao bandido é um feito notável.



sexta-feira, 25 de novembro de 2011

Happy Feet 2
(Happy Feet 2, 2011)
Comédia - 100 min.

Direção: George Miller
Roteiro: George Miller, Warren Coleman, Gary Eck e Paul Livingston

Com as vozes de: Elijah Wood, Robin Williams, Pink, Common, Sofia Vergara, Hugo Weaving, Hank Azaria, Matt Damon e Brad Pitt

O que me incomoda em Happy Feet 2 (para já abrir a discussão) é o excesso. Tudo é exagerado, em doses cavalares, como se cada frame e cada segmento do filme precisasse ser espetacular, tanto visualmente quanto como conceito. Tudo precisa brilhar, tudo precisa ser mágico. E todo esse excesso só prejudica a história que poderia a princípio ser até mais impactante do que a do filme original.

Se o discurso "verde" era escancarado no primeiro filme, nesse ele aparece de forma muito mais sutil, deixando aos mais velhos (e espertos em teoria) o trabalho de perceber que a base da história continua a ser um manifesto cheio de cantoria pela preservação da natureza.

Dessa vez acompanhamos Erik, o pequeno e gorducho pinguim Imperador filho de Mano, o herói do filme original, que assim como o pai enfrenta problemas por ser diferente. Se Mano não sabia cantar no original e aceita sua condição de sapateador, Erik não canta, nem dança e portanto é ainda mais excluído que o pai, que por sua vez demonstra não ter muito tato para lidar com os problemas do filho. Quem o ajuda é sua esposa Glória, sempre amorosa e paciente.


Durante uma crise de auto-afirmação do garoto, Erik se vê inspirado pelo amalucado Ramón, a partir de sua tribo e buscar um lugar onde "ninguém mais possa rir de suas diferenças". Ao seu lado os também pequenos, roliços e certamente objetos de desejo de dez entre dez crianças do mundo, Bo e Atticus partem para a terra de Ramón, onde conhecem O Incrível Sven, um pretenso pinguim que tem a capacidade de voar, e que conta a história do salvamento de Lovelace, o líder espiritual do bando de Ramón. Inspirado pelo discurso de Sven, que repete a ladainha de auto-ajuda "se você quiser, você consegue", Erik passa a admirar o penoso.

Ao mesmo tempo (e aí entra o discurso disfarçado) as calotas da Antártica estão em processo de derretimento e um gigantesco iceberg impede que os pinguins Imperadores de saírem de seu habitat em busca de comida. Logo Mano e os pequenos pinguins precisam encontrar uma forma de ajudar os demais pinguins presos.

Visualmente, Happy Feet é espetacular. Talvez a animação mais bonita do ano, com um cuidado assombroso no tocante aos detalhes dos cenários em que o filme se passa e na construção dos personagens, tanto os principais (pinguins), quanto na fauna de animais que povoam o filme, sejam eles elefantes marinhos, gaivotas, baleias, águas-vivas, e os hilários Will e Bill, dois krills que roubam a cena, fazendo dos personagens aquele alívio cômico e mais cínico destinado aos adultos.


Ainda sobre o visual, o escopo que George Miller consegue dar ao seu filme é mais intenso e vasto do que a maioria dos filmes ditos épicos que o cinema apresenta dia a dia. São planícies vastas, icebergs realmente gigantescos, navios que - na perspectiva dos animais - são maiores que a vida e um cardume de krills que tinge de laranja a imensidão escura do mar do Pólo Sul.

Outra qualidade visual é o cuidado na confecção do gelo e da água, que quando são focalizados - ou estão em primeiro plano - surgem individualizados, diferenciados. É como se cada cristal de gelo fosse diferente de seu "irmão" e cada trecho do mar também tivesse uma solução química diferente. O 3D, aqui é bem empregado, resultado em uma experiência muito satisfatória, não só nas ótimas sequencias de ação, mas nas mais épicas que dão ainda mais dimensão ao que é visto na tela.

Como disse no começo da crítica, o calcanhar de Aquiles do filme são os excessos. Aqui é o excesso de personagens e de canções. Se no primeiro filme, a ideia da cantoria fazia total sentido já que é uma característica dos pinguins Imperadores, aqui é tudo usado de forma exagerada, com um leque melódico que vai do hip hop a ópera, passando por versões de bandas de rock, música pop e até country music. A impressão que dá é que existia um roteiro sem as canções, e que elas foram sendo encaixadas a partir do momento em que elas pudessem - em teoria - substituir alguns diálogos.


As canções pop e conhecidas são descoladas do restante da história, tendo função de "surpreender" o público, fazendo-o notar - talvez - as referencias e o gosto musical de quem produziu o filme. Já as canções originais (se minha memória não falha, três) são infelizmente medianas. Se a canção de Lovelace (cantada por Magal na versão em português) tem bom ritmo, uma letra divertida e momentos visuais ótimos, a canção de Glória para seu filho é uma cafonice inacreditável, uma mistura sem gosto de música gospel e R&B, com uma letra que tenta ser profunda. Mas nada é mais exagerado e mal realizado (pelo menos na versão em português, já que a cabine de imprensa não ofereceu a versão legendada) do que a canção que Erik canta para seu pai. Se a letra é tocante e a melodia muito boa, a sensação Chimpmunck da execução deixa tudo a perder.

A dublagem não é ruim, embora os pequenos pinguins sofram um pouco com a juventude (óbvia) de seus interpretes. Já Daniel de Oliveira e Sidney Magal (os dois famosos do projeto) tem bons momentos, em especial Magal que até canta. Dá turma em inglês - que pudemos ouvir em apenas algumas canções - Pink é de longe o grande destaque. Além de ser dotada de uma voz única, interpreta com grande intensidade.

Happy Feet 2 é para a criançada. Os excessos incomodam e os adultos devem estar preparados para a obsessão da criançada pelos redondos e saltitantes pinguins.



quinta-feira, 24 de novembro de 2011

Assalto em Dose Dupla

(Flypaper, 2011)
Comédia/Thriller - 87 min.

Direção: Rob Minkoff
Roteiro: Jon Lucas e Scott Moore

Com: Patrick Dempsey, Ashley Judd, Pruitt Taylor Vince, Jeffrey Tambor, Tim Blake Nelson e Curtis Armstrong

Filmes de assalto podem ser divididos em dois grupos: aqueles que querem trazer realismo a tela, por meio de ações elaboradas, críticas a sociedade, violência gráfica, desenvolvimento de personagens e tensão, e aqueles que colocam os assaltos em meio a um clima de charme condescendente tendo como única intenção divertir o espectador em meio a uma história cheia de idas e vindas, escondendo buracos no roteiro com atores carismáticos e ação bem realizada.

É o caso de Assalto em Dose Dupla, que aposta suas fichas no carisma de Patrick Dempsey como um Sherlock Holmes hiperativo que se vê no meio de dois assaltos (daí a tradução "comédia da sessão da tarde") que acontecem simultaneamente no mesmo banco. Enquanto o grupo liderado por Darrien (Mekhi Phifer) planeja com esmero e muita tecnologia a invasão de um banco, a dupla de rednecks (ou caipiras no português claro) tenta o mesmo golpe usando roupas chamativas, bermudas, visual exótico e sem nem se preocupar com esconder sua identidade.

E no meio dessa baderna generalizada estão os "reféns", gente comum (ou não) que teve como único pecado estar na hora errada e no lugar errado. Mas é claro que em filme que não se leva em momento algum a sério (mesmo as mortes e acidentes são apresentados de forma a ressaltar o humor negro presente no filme) aquelas figuras teriam de ser excêntricas. Desde o guarda "chicano" metido a galã, passando pela caixa gordinha, o responsável pela segurança eletrônica do banco (o eterno Boomer de Vingança dos Nerds), o funcionário modelo cheio de tiques, a caixa muito bonita e que está para se casar com um milionário (Ashley Judd) e o perturbado personagem de Dempsey, que mesmo sendo profundamente destemperado e falar mais rápido que uma bala, é o mais inteligente dos personagens e o único que percebe de saída que aquilo é algo mais do que assalto a banco.


A trama passa a lembrar uma mistura rala e sem muito açúcar de Assassinato sem Morte (Cult em que um milionário misterioso convoca uma série de detetives - entre eles variações de Columbo, Miss Marple e Fu Manchu - para solucionar o crime mais perfeito da história, culminando em uma história que parodia os milhões de plot twists e revelações no último minuto típicas da literatura e do cinema de mistério) e dos mistérios de Agatha Christie, com uma pitada de Sherlock Holmes e coberto da comédia de humor negro que aqui não soa engraçada em quase nenhum momento.

A dupla formada por Tim Blake Nelson e Pruitt Taylor Prince não funciona em momento algum, e não será difícil imaginar o espectador torcendo para algum deles ser morto acidentalmente, tamanha torrente de vergonha alheia produzida pela dupla. Enquanto isso, Dempsey está profundamente afetado e auxiliado pelos didáticos flashbacks (que estão em p&b e são parecidos na forma, com aqueles que fazem da serie de tv britânica Sherlock tão incrível) se transforma no foco dos problemas e soluções do longa, que tecnicamente ainda tem problemas com as transições, que estão truncadas entre esses flashbacks e a realidade da história e um abuso desnecessário dos fast-frames, que prejudicam também o andamento do filme.

Se o humor do filme é medíocre, o quesito ação também não vai muito melhor. As sequencias de tiroteio são confusas sendo uma delas crucial para o plot do filme, prejudicando a compreensão da história. As muitas idas e vindas na realidade do filme, são provocadas para causar dúvida e tensão no espectador, embora as explicações (sempre um problema e uma dificuldade nesse tipo de produção) forcem a suspensão de descrença do espectador a níveis inacreditáveis, em especial a que envolve a personagem de Ashley Judd.


Dentre os atores, fora Blake Nelson e Taylor Prince, atores medíocres que não conseguem nem ser engraçados ou assustadores, ficando ali no marasmo do patético e do infame, Judd e Dempsey estão razoáveis, apesar do histrionismo do galã de Grey's Anatomy. Como dupla, o casal não tem funciona. Falta química e a própria mecânica de sua paixonite é mal realizada.

A direção é de Rob Minkoff (de Stuart Little e que foi um dos diretores do clássico Rei Leão) que apesar dos problemas em suas escolhas visuais, tem o mérito de conseguir manter o interesse naquela quantidade incrível de personagens sem se afobar e sem confundir o espectador. 

Isso é resultado de estereótipos claros desde o primeiro frame, não dando espaço para desenvolvimento de personagens, já que isso não é necessário para o filme (em teoria). Quando se opta por essa saída se perde muito quando estes personagens precisam "mudar de pele" e se transformar em algo que até então não sabíamos, ou que o filme não nos indicou.


Esse tipo de solução simplista atrapalha a credibilidade do filme, já que, quando as revelações começam a surgir na tela, o espectador não consegue crer realmente naquelas mudanças nos personagens. Assalto em Dose Dupla, faz isso em diversos momentos, e ainda apela para a solução do "culpado é o mordomo", o que até poderia funcionar como paródia, caso (e deixei isso claro acima) o humor negro do filme funcionasse minimamente bem.

Apesar de ter uma metragem curta, o filme é cansativo (uma tragédia para uma comédia que pretende ser leve e ágil) e prejudicado pelas inúmeras tentativas de fazer sentido graças a um roteiro (da mesma dupla dos dois Se Beber Não Case) que não consegue unir as pontas soltas dando coesão a tantas idas e vindas na história. Em resumo, Assalto em Dose Dupla não consegue ser nem uma comédia leve e divertida, ou mesmo uma homenagem ao gênero de mistério, sendo relegado a alguns pequenos espasmos de humor e a graça da dupla Dempsey-Judd.

quarta-feira, 23 de novembro de 2011


Beying Flynn




O competente trailer do novo filme do irregular Paul Weitz (Um Grande Garoto e Entrando numa Fria 3) já determina o tom melancólico da história ao implantar duas narrações em off, quase simétricas entre si, do pai e do filho vividos por Robert de Niro e Paul Dano, respectivamente. Ainda flertando com o campo da história real edificante (com direito a "baseado em fatos reais"), a adaptação do livro de Nick Flynn (o protagonista vivido por Dano) demonstra nessa prévia a ideia de discutir diversos pontos da personalidade humana. O legado familiar, assim como a procura do filho de sair da sombra do pai (mesmo que seja inevitável), anda junto com a discussão sobre a arte e seus conceitos. A máxima da "vida ser uma obra de arte" ainda é bonita e a maneira que o filme propõe abordar parece promissora. Usar uma trama já poderosa, sobre o encontro acidental de pai e filho depois de anos, apenas de base para diversas teorias a serem exploradas, parece promissor. Ainda contando com frases inspiradas declamadas por de Niro ("Existiram 3 autores clássicos americanos: Mark Twain, J.D. Salinger e Eu."), Being Flynn parece uma boa pedida para a temporada de premiações.



terça-feira, 22 de novembro de 2011


This Means War




A primeira prévia do novo filme do diretor McG apresenta exatamente o que se espera da convenção do “filme de ação romântico” que se ensaia em Hollywood desde Sr. E Sra. Smith. A glamourização da espionagem no cinema dos blockbusters atuais também aparece, obviamente. Com uma trilha poquíssimo inspirada do fraco Christopher Beck, o trailer ainda é esquemático em sua estrutura, ao mesclar as cenas de ação com as conversas femininas de Reese Witherspoon e sua amiga (que, claro, está sempre munida de frases que sejulgam engraçadas). Ainda sugerindo que irá se sustentar em pequenas gags para tocar sua narrativa, o trailer não faz jus nem a sua ridícula sinopse, que de tão absurda, sugeria um duelo digno de Pica Pau e Zeca Urubu, com dois homens destruindo as ruas de Nova York sem medidas. Porém, o longa aparenta ser apenas o average blockbuster que o público do cinema de verão está tão acostumado. E fica a dúvida: será que o longa será tão cretino a ponto de, sem saber escolher apenas um dos espiões, fazê-los se unirem contra uma ameaça em comum no final?



segunda-feira, 21 de novembro de 2011

Reféns
(Trespass, 2011)
Thriller - 91 min.

Direção: Joel Schumacher
Roteiro: Karl Gajdusek

Com: Nicolas Cage, Nicole Kidman, Ben Mendelsohn, Liana Liberato e Cam Gigandet

O diretor americano Joel Schumacher é conhecido por trabalhos totalmente opostos entre si. Quando se aventura pelo suspense psicológico, consegue realizar, em iguais proporções, filmes corretos como Por um Fio e desastres como 8MM. Ainda sendo bom condutor de dramas criminais, como O Cliente e Tempo de Matar, o diretor ainda tem dois bons exemplos de estudo da violência no currículo, o elogiado Tigerland e o excelente Um Dia de Fúria. Porém, é como realizador de blockbusters e de filmes independentes que Schumacher mostra toda sua incompetência. Se os Batmans dirigidos por ele são indefensáveis, ainda temos o fraquíssimo Veronica Guerin, passando pelo frustrado Guilty-Pleasure Em Má Companhia e pelos recentes Blood Creek e Twelve, dois exemplos claros da falta de habilidade de Schumacher como contador de histórias.

Seria até um fôlego interessante ver o americano voltar aos filmes de suspense psicológico. Porém, fica cada vez mais claro que seus bons filmes são fruto dos bons roteiros e dos ângulos interessantes que Schumacher busca. Porque como narrador, o diretor ainda tem muito a aprender. Por isso, não é tão surpreendente que Reféns seja tão ofensivo.

Nicolas Cage, mais histriônico que nunca, chega em seu Porsche a sua luxuosa casa. A visão de um helicóptero é intercalada com o áudio do que se passa no carro de Kyle Miller, o nosso protagonista. Logo ali, é possível obter três constatações sobre os caminhos que Reféns irá seguir: além de Cage investir num sotaque pouco convincente (com uma arrogância ímpar) e esse início seja ironicamente semelhante ao do espetacular Violência Gratuita, ainda se pode ter o primeiro sinal da artificialidade ridícula do roteiro de Karl Gajdusek. Miller dialoga da forma mais rápida possível, com o comprador na linha, com uma falta de habilidade que chama a atenção. Não faltou nem o "Damn it..." quando o comprador desliga abruptamente. Chegando em casa, temos mais dessa artificialidade, mas dessa vez acompanhada de um reducionismo irritante.




Se já é difícil acreditar em uma Nicole Kidman como uma serena dona de casa, mais complicado é acompanhar a introdução da filha adolescente do casal perguntando se pode ir a uma festa. Afinal, o pai acabou de chegar em casa depois de um tempo fora, e a filha é amorosa o suficiente para abordá-lo apenas para perguntar sobre a tal festa. E quando vemos o grande Nic Cage com óculos retrô, cafona, falando que não vai deixar porque "na festa terão outros garotos, o que é o pesadelo de qualquer pai!", dá pra começar a desconfiar que o roteiro é over o suficiente para tentar explicar o que passa na cabeça do pai de uma adolescente, como se o público já não conhecesse. E ainda por cima, cercado desses reducionismos, fica muito difícil permanecer no cinema.

E a história nem começou.

Com essa introdução pífia, cheia de pequenos mistérios que Schumacher tenta criar (como mostrar as tais fotos que Kyle coloca no cofre e os cigarros que o mesmo encontra logo que chega em casa), compromete perigosamente o filme de saída, já que apresentar com destreza os personagens, em filmes que dependem da ligação emocional do espectador com eles, é essencial. Não por acaso, é com indiferença que acompanhamos a chegada dos criminosos. E ali começa, de verdade, o espetáculo do absurdo.




Os criminosos já chegam ameaçando de maneira agressiva os protagonistas, o que é de praxe. Além disso, a gangue demonstra ter um mínimo de senso de segurança ao destruir todos (ou melhor, quase todos, já que o único telefone que continua ativo é crucial para uma trama paralela) os telefones da casa. Mas é só o roteiro começar a investir nos diálogos que Reféns volta a afundar gloriosamente. Elias, o líder da gangue vivido por Ben Mendelsohn, pede o código a Miller apenas para revelar, em alto e bom som (quase olhando para a câmera, diga-se de passagem), que já sabia o código e que o código fornecido pelo protagonista era para chamar a polícia. Perguntou pra quê então? Pra surpreender o público? Essa tendência se exemplifica novamente nas ameaças ao cofre. Por que Miller não abre logo? O segredo que está ali só se refere à tensão do público, que não sabe o conteúdo dele. Nada aconteceria se ele revelasse isso aos sequestradores. Não é exagero; ser artificial é a principal característica de Reféns. É como assistir um suspense de situações operístico, cheio de arrogância, que vira para o espectador e clama pela admiração de sua inteligência, mesmo que esta não exista. Raramente se assiste obras tão inorgânicas.

Num filme que se propõe ameaçador, são fundamentais dois fatores: que o espectador se importe com os personagens e que os vilões sejam realmente perigosos. Já estava claro que o desenvolvimento havia falhado, mas ao errar também em introduzir os antagonistas, o filme parece criar unidade na mediocridade. Schumacher, sem saber exatamente qual tom dar á sua história, resolve investir em todos: a tensão sexual (o assaltante entre as pernas de Kidman), o envolvimento entre mocinha e bandido (com os horrendos flashbacks editados de maneira porca), o da psicopatia do assalto (como a tentativa de aterrorizar com a história do rim), o do heist-gone-wrong (com o caos generalizado pairando sobre o grupo) e, obviamente, o das milhares de reviravoltas. Ao perceber que seus pasteurizados diálogos não irão sustentar nada, Gajdusek começa a embolar o seu roteiro até não saber o que dizer mais.

E aí as questões começam a deixar de incomodar e passam a fazer rir. Elias declama que os remédios do irmão são Tic-Tacs, logo após descobrirmos subitamente que o segundo é um psicopata em tratamento, quando nada havia apontado para isso. Após, o brutamontes loiro (ah, claro, não podia deixar de ser: Reféns também é reducionista ao compor seus sujeitos) revela um importante ponto da trama, que desmascara toda a operação. Por que ele não disse isso desde o início? E por que o falido Miller guardava tanto dinheiro em casa? Por que levaram uma seringa para o local se não planejavam usá-la? Por que Miller só foi sacar que não enxerga sem óculos minutos depois de perdê-lo? Por que a namorada drogada de Elias está no filme? E por que, ó Deus, não matam a maldita filha logo? Estaria mentindo quem dissesse que não tem nem um pouco de prazer em ver Reféns. Ver Gajdusek patinar com tanto gosto é bonito, até.




O absurdo é tão vergonhoso que a cada grito de qualquer um temos certa disposição em acompanhar o sofrimento. A fotografia sóbria de Andrezj Bartkowiak ajuda a instalar o clima sério que torna o suspense mais engraçado ainda. Sem deixar de se levar a sério por um instante sequer, o filme só potencializa a piada involuntária. Quando Avery está fugindo de casa embalada por uma trilha típica de filmes de assalto, já se percebe que tem algo de errado. Os deselegantes zooms de Schumacher, dados abruptamente em cenas de impacto, também não colaboram. Pelo menos, ao entortar a câmera para criar desconforto, o diretor se apossa de uma lógica visual que, ainda que previsível, funciona.

A falta de condução de um diretor que tenha noção do que responde por "atuação" acaba prejudicando Cage e, de certo modo, todo o elenco. O sobrinho de Francis Ford Coppola parece querer misturar seu Big Daddy e o Dr. Fu Manchu nesse vendedor de jóias. Se Werner Herzog deixou o ator sem controle em Vício Frenético, é justamente por confiar no talento do mesmo e por querer conceber uma história essencialmente caótica. Matthew Vaughn também deixou Cage livre, mas com o intuito de imitar Adam West. Em Reféns, Schumacher não o controla por não ter noção do que isso significa. Assim como não controla ninguém no filme. Kidman está cada vez mais rígida, Mendelsohn parece realmente determinado em tirar o Framboesa de Ouro de Cage, Cam Gigandet demonstra estar mais seguro de ser um galã do que já fez em outros trabalhos e não resta nada além de pena da talentosa Liana Liberato num papel tão imbecil.

Detentor de algumas das mais estúpidas frases de efeito da história recente do Cinema, o roteiro de Gajdusek nos brinda com diálogos que fariam Tarantino chorar de emoção, como "Hey man, it's still my show!" (Ei, cara, ainda é o meu show) ou "Motherfucker! You're a m-o-t-h-e-r-f-u-c-k-e-r!" (Filho da puta! Você é um f-i-l-h-o-d-a-p-u-t-a!). Ainda tentando justificar a psicopatia de Jonah ao retratá-lo como um homem obsessivo e apaixonado (o que não demonstrava ser nem no presente e nem nos flashbacks), Gajdusek erra em absolutamente tudo o que se propõe.




Apostando até em conceitos datados como o da "casa ultra-tecnológica" para transformar o único cenário em um mega-desenvolvido set, justamente para compensar a falta deles, Reféns consegue ser vergonhoso em tudo ao longo de seus inchadíssimos 91 minutos, desde sua tentativa idiota em se levar á sério até ao utilizar a mesma estrutura que Violência Gratuita tanto criticou. As incongruências saltam tanto aos olhos que se torna impossível ao menos tolerar o filme.

Mas quando se vê Nicolas Cage gritando um "No!" tão intenso, não adianta. Não dá para não admirar um ator que se presta tanto ao ridículo assim. E nem digo apenas pelo overacting, mais descontrolado do que nunca, do ator.

Me refiro ao ridículo que é participar de um produto tão risível, descarado e indefensável quanto esse.



domingo, 20 de novembro de 2011


Cold Fish
(Tsumetai Nettaigyo, 2010)
Drama – 144 min.

Direção: Shion Sono
Roteiro: Shion Sono e Yoshiki Takahashi

Com: Mitsuru Fukikoshi, Denden, Megumi Kagurazaka, Hikari Kajiwara e Asuka Kurosawa

Visceral, sujo, levemente doentio e de moral profundamente duvidosa, Cold Fish é um desbunde selvagem e agressivo parido pela mente única de Shion Sono, diretor, poeta e pensador japonês. Conta a história do dono de uma loja de peixes (Nobuyuki), um pacato e passivo típico cidadão japonês que vive em conflito em meio aos problemas de relacionamento de sua nova esposa, a sexy Taeko e sua jovem e rebelde filha Mitsuko.

Mitsuko não aceita a nova esposa do pai, que por sua vez se ve tolhida em seu relacionamento pela presença da garota. Nobuyuki, por sua vez, é o estereótipo do "Mr. Nice Guy", um sujeito silencioso, de gestos contidos e apaixonado pelas estrelas, que parece se envergonhar de sua própria existência, não tendo pulso para conter a guerra fria que se instaurou em sua casa.

Sua vida muda radicalmente, quando, acidentalmente conhece o extrovertido e carismático Murata, outro dono de uma loja de peixes, com mania de grandeza e que esconde um pequeno segredo: quando seus sócios ou eventuais parceiros comerciais o desagradam, ele os elimina da face da terra, com requintes de crueldade sádica. Aproveitando-se da personalidade passivo-agressiva de Nobuyuki, Murata o envolve e a toda a sua família em uma espiral conspiratória e altamente sexualizada.


Sono aponta o gatilho para a sexualidade reprimida no japonês, e para a eterna dificuldade dos habitantes do país em se abrirem e resolverem diretamente seus problemas, em vez de ficarem pelos cantos chorando pela vida dura e por um amor impossível. Ao mesmo tempo, Sono mostra na tela uma simbólica cirurgia de construção de um Frankenstein, já que Murata não apenas envolve a família em uma teia de "rabos presos" a fim de mantê-los fiéis, mas acolhe o patriarca da família como aprendiz de serial killer e junto a sua perturbada esposa Aiko, mostra em detalhes todos os passos para a destruição completa de um ser vivo.

A intensa profusão de sangue (entre outras coisas) derramada pela tela durante todo o filme, é usada para mostrar a diferença entre o mundo perturbado dos Murata e a entrada forçada e abrupta do medroso Nobuyuki nessa vida. O filme tem alguns problemas para explicar a motivação para tamanha violência vinda de Murata, apelando para alguns clichês óbvios, e transforma sua esposa em uma caricatura exagerada. No entanto acerta em cheio quando mostra o (óbvio e esperado) conflito criatura e criador, que desencadeia em uma meia hora final que faz jus aos adjetivos que início essa crítica.

Contando com interpretações excelentes de todo o elenco, mas especialmente da belíssima Megumi Kagurazaka (Taeko) e do mais que competente Denden (Murata), que fazem da complexa e aparentemente entediada Taeko e do mais que perturbado Murata personagem ainda mais intensos.


Sono aproveita o fato de Megumi exalar sexualidade (afinal a atriz também é modelo erótica) para subverter nossa expectativa com sua personagem, que apesar de não deixar de usar roupas profundamente sensuais é - em personalidade - o oposto disso. Uma ótima sacada de Sono, que quando mostra Nobuyuki explodindo com sua esposa, nos faz realmente crer na dificuldade da personagem da atriz.

Mitsuru Fukikoshi tem o trabalho mais difícil e apesar de não ser brilhante, quando completa sua transformação é estupendo, fazendo do final de Cold Fish um dos mais intensos do ano, um verdadeiro desbunde de violência física e mental que encerra o estudo de Shion sobre a problemática e castradora sociedade japonesa.