terça-feira, 1 de outubro de 2013

Festival do Rio: Nebraska

Nebraska
(Nebraska, 2013)
Drama - 115 min.

Direção: Alexander Payne
Roteiro: Bob Nelson

com: Bruce Dern, Will Forte, June Squibb, Bob Odenkirk, Stacy Keach

Alexander Payne é um dos mais laureados diretores de temática independente, os famosos “humanistas” da cinematografia norte-americana – que inclui ainda o irregular Thomas McCarthy. Suas temáticas giram em torno do emotivo, do desenvolvimento familiar e daquela melancolia, o agridoce da existência. O fato de Payne ser um roteirista pouco criativo, como se percebe por Os Descendentes, não afeta Nebraska; o roteiro de Bob Nelson é preciso, pois captura esse coração do cinema de Payne e o refina, com bons resultados.
E o diretor sabe como extrair uma boa atuação. Se em Confissões de Schmidt era Jack Nicholson, em Os Descendentes era George Clooney - e aqui é Bruce Dern. O grande Dern encarna o que há de inteligente – e debilitado – em seu personagem de forma contida, mas marcante. Em seus ombros, e nos de Will Forte, Payne deposita o peso do Road-movie: simpático como se esperava, além de menos pretensioso que Os Descendentes.

As tonalidades acinzentadas do preto e branco da fotografia de Nebraska dão o tom desde o princípio. É a melancolia da idade, da existência, mas bastante solar e agradável. Essa leveza, capturada pela excelente trilha, se estende para a trama, que se inicia na crença de Woody (Dern) ter ganhado um milhão de dólares, para a partir daí investir em sua aproximação com o filho David, vivido por Forte. Não apenas a premissa tem seu quê de absurdo. No filme, os absurdos servem de válvula de escape; logo ao chegar ao estado, Woody perde sua dentadura na linha do trem. No retrato da cidadezinha de interior, Payne e Nelson lançam mão de alguma caricatura: caracterizam os primos de David como arquétipos do caipira norte-americano, constroem a mulher de Woody como uma metralhadora de diálogos. A direção ainda investe em quadros que mostram o absurdo do tédio da rotina ali, como os velhos reunidos na sala em plano geral, o que reforça o tom gentil com que o filme trabalha a relação de pai-filho e os temas que ela provoca.

É na dinâmica entre Woody e seu filho que Nebraska funciona além do indie-de-grife da vez. Na vida do sisudo David, nada é marcante: seu antigo relacionamento mal aparece em tela, seu carro é um Subaru Outback 95, sua postura é curvada, tentando se esconder do mundo. Quando começa a viagem com o pai, não parece mudar. Sua presença mal é notada pelos amigos do pai e os primos o sacaneiam falando da velocidade de seu carro. 


Porém, David é alertado por sua mãe: “nisso que pode se transformar”, num momento que Payne capta de forma interessante. Ao apontar para as falhas do pai, o diretor enquadra pai e filho paralelos em cena, um na profundidade e outro no foco, como se um fosse extensão do outro. Em um filme sobre passado, no qual quando uma criança aparece em tela é um choque, o americano percebe com sutileza o peso do passado na vida dos habitantes.

Numa cidade de muitos horizontes, planos abertos abundantes ressaltando tanto o isolamento quanto o tédio de uma população idosa, Payne encontra um palco apropriado para seu estudo. Os homens dormem ou observam os carros passando lentamente, as mulheres fofocam ou cozinham. Mesmo os adultos voltam à infância, agindo como crianças em um roubo. Ali, é até inevitável que David bata de frente com seu conformismo – o que também combina com seu pai, uma relíquia do passado que começa a não suportar o ambiente como extensão de seu comportamento. A descoberta afeta também os relacionamentos da vida dos protagonistas. Os melhores diálogos do filme são os fortes comentários de Woody nas conversas com o filho, seja falando sobre o seu casamento (seu amor verdadeiro, seus planos pra filhos), seja revelando sua afeição (“queria deixar algo pra vocês”). Uma meditação sobre o efeito do tempo refletido no espaço, o que agrada no contexto de Nebraska.


Não são reflexões propriamente novidadeiras, menos ainda perfeitas (David nunca deixa de ser o loser típico em busca de reinvenção que povoam os filmes do gênero), mas são relevantes, honestas. Alexander Payne é um diretor mediano, que não consegue evocar o agridoce da vida com o poder de uma Sofia Coppola, mas é competente o suficiente para criar um retrato sincero sobre a revitalização de um homem e a aproximação de pai e filho nos anacronismos do Nebraska.


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