quarta-feira, 9 de outubro de 2013

Festival do Rio: Um Episódio na Vida de um Catador de Ferro-Velho

Um Episódio na Vida de um Catador de Ferro-Velho
(Epizoda u Zivotu Beraca Zeljeza, 2013)
Drama - 75 min.

Direção: Danis Tanovic
Roteiro: Danis Tanovic

com: Senada Alimonavic, Nazif Mujic, Sandra Mujic, Semsa Mujic

Nazif é um homem comum, trabalhador que sustenta sua família, ele, sua mulher e duas filhas. Sai de tarde para cortar lenha, raspa o gelo do carro, e procura ferro-velho abandonado para catar e vender – a baixíssimo custo. O protagonista do novo filme do bósnio Danis Tanovic habita uma história tipicamente neo-realista, com seus homens sofrendo na pele os problemas econômicos do país. E o diretor reconhece isso a todo o momento, realizando um drama muito próximo da verdade, não coincidente, por valorizar o que há de mais social no caráter populacional da Bósnia atual.

A estrutura do roteiro se concentra na rotina de Nazif e Senada para introduzir a humilde vida do homem, sempre preocupado em conseguir arranjar o dinheiro necessário para passar o mês. O desenvolvimento ocorre com poucos diálogos, pacientemente observando os personagens e o ambiente onde vivem com atuações marcantes de todos da família. Tanovic não se preocupa em estabelecer uma mise-en-scene complexa, compondo situações naturalistas, eficientes em provocar uma intimidade com os habitantes da aldeia. A câmera na mão auxilia nessa intimidade, criando momentos até claustrofóbicos que a montagem ressalta, com cortes abruptos (como do carro ruim para o cano de descarga). E nessa iniciativa, Tanovic concebe momentos poderosos, que soam tão espontâneos quanto simbólicos, como a montanha de lixo.

Quando Senada sofre com uma dor no abdômen, Nazif tem de levá-la ao hospital. É aí que o filme tem seu ponto de ruptura: a secretária do hospital se nega a tratar de Senada, com sérios riscos de aborto, e o momento-chave leva o longa a uma discussão sobre o papel do governo na qualidade de vida do cidadão – novamente, como o Neo-realismo. Nazif implora, em vão, porque sabe não estar em um ambiente propício à qualidade de vida. Em certo momento, Nazif diz que “era melhor na Guerra”, o que denota um desespero claro em seu pensamento. O homem divaga sobre seu momento na guerra, de como servira o país e fora esquecido. Não é uma fala apenas sobre o passado; é sobre o presente.


Essa discussão social é o que Um Episódio na Vida de um Catador de Ferro-Velho tem de mais complexo. A família de Nazif vive numa aldeia onde todos se respeitam se cumprimentam, se ajudam; é o contraponto extremo da impessoalidade do sistema de saúde da Bósnia-Herzegovina. O hospital onde Senada é levada insiste na apresentação do dinheiro para tratar um caso de emergência, o que culmina no desespero de Nazif buscando recursos financeiros. O lixo, a degradação do ambiente gelado e as agruras do catador são expostos de maneira simples, por toques visuais (a já citada montanha de lixo) ou pelo próprio texto (“94 marcos”).

As usinas da cidade, visão corriqueira no drama, são a representações que Tanovic encontra para comentar a frieza da metrópole, um lugar onde o protagonista fica claramente desconfortável. Um lugar de dualidade temporal. É um parecer realista não só pelo fato de Nazif-personagem e Nazif-ator serem praticamente a mesma pessoa; é uma extensão da realidade do leste europeu filmada pelo bósnio desde seu Terra de Ninguém, que dolorosamente soa politicamente estagnada – ainda que inversa – há mais de 20 anos, desde o fim da União Soviética.

Além da camada social, há um belo estudo de personagem no filme. Um desenvolvimento de personagens é bem realizado quando se sente à emoção de um homem que tenta fazer de tudo para tranquilizar sua família. Seja no ótimo plano dos quatro deixando o hospital ou no semblante feliz de Nazif, o filme é tocante, cheio de vida. Uma influência, diga-se de passagem, dos heróis de Vittorio de Sica, que tem a árdua tarefa de viver em tempos difíceis, mas o superam com solidariedade e a pureza da humilde alegria de abraçar sua mulher.



E é a solidariedade dos aldeões versus a impessoalidade da cidade moderna é o que Um Episódio... é eficiente em expor. Quando as barreiras do que é ficcional e do que é real é rompida – ao surgir o nome dos “atores” –, o filme adentra num contexto de confissão documental. Visceralmente documental.


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