quarta-feira, 27 de outubro de 2010

Liga da Justiça: A Nova Fronteira
(Justice League: The New Frontier, 2008)
Aventura - 75 min.

Direção: Dave Bullock
Roteiro: Stan Berkowitz

Com as vozes de: David Boreanaz, Miguel Ferrer, Neil Patrick Harris, John Heard, Lucy Lawless, Kyle McLachlan, Kyra Sedgwick e Brooke Shields

Liga da Justiça - A Nova Fronteira é uma homenagem a uma época da história americana, realizada na graphic novel de Darwyn Cooke. Nela o escritor coloca o panteão da DC no período entre o fim da segunda guerra mundial e o início da guerra do Vietnã, período em que a população e a política americana eram afligidas por um sentimento de impotência e de tensão constante.


No meio desse contexto, Cooke, insere os personagens icônicos da DC, apresentando mudanças em alguns deles e origens de outros. O plot fala sobre O Centro, uma entidade que domina mentalmente as pessoas, forçando-as a agir de forma insanamente violenta, o que alimenta o poder da entidade, que tem como objetivo - o velho clichê - de destruir o mundo.

Ok, concordo que o plot narrativo é comum e que não empolga ninguém, mas se levarmos em consideração que a história de Cooke é ambientada no período de maior "invencionismo" na ficção científica do século XX, a homenagem aqui talvez caiba. O mesmo vale para os personagens que são apresentados aqui como criações desce período e portanto obedecem o código de moral e tem seu design relacionado à época.


Dando um passo a mais do que Morte do Superman apresentava, Liga trás diversos elementos que inserem o filme em um contexto mais realista e mais próximo do público, inserindo fatos históricos que cativam os fãs de HQ e ainda tem a intenção de fazer o não-fã se aproximar da animação. Referências a Guerra da Coréia, Indochina, Macarthismo, racismo, o "perigo vermelho", Rosa Parks, Edward Murrow (o famoso "Boa Noite e Boa Sorte") e a idéia dos marcianos verdes tão presente na ficção científica nos anos 50.

Ao mesmo tempo em que fala sobre a ameaça do Centro, o filme apresenta a origem de dois heróis seminais do universo DC, o Lanterna Verde e o Caçador de Marte. O Lanterna é visto como o ex-piloto americano Hal Jordan que se envolve numa empresa de aviação experimental e se torna o "test-driver" de uma viagem a Marte. O Caçador segue sua origem clássica da HQ, e as duas narrativas se interligam quando a empresa para qual Hal Jordan trabalha descobre que um marciano chegou a terra e pretende enviar uma missão até o planeta vermelho em busca de vida no planeta.


O Caçador é de longe o personagem mais interessante, agindo como um imigrante comum que tenta se habituar aquela realidade que agora faz parte, usando de um artifício bastante comum para aprender sobre sua nova "casa" : a televisão. A Partir dela ele aprende os costumes, qualidade e defeitos do povo (tudo a partir de personagens e tipos comuns aos primórdios da TV, incluindo ai o Pernalonga) e resolve estudá-lo e ajudá-lo, usando sua habilidade de transformação para se tornar um detetive particular no melhor estilo noir.

A reverência que a obra faz a chamada "Era de Ouro" dos quadrinhos é muito bem realizada. Os uniformes e a própria caracterização dos personagens reforçam essa sensação de nostalgia. O Batman que é um coadjuvante nessa história, surge com o visual de Bob Kane, aquele em que sua inspiração de morcego era mais nítida, quase amedrontadora, o que é reforçado na seqüência em que o personagem surge na história.

Marcando essa mudança de ares, quando o personagem aparece pela segunda vez, seu visual já segue o clássico visual "ameno" com azul e cinza, contando com a presença ainda do Robin. Na história a sugestão de mudança surge com a interferência do Caçador que durante uma ação em conjunto com o morcego (disfarçado de detetive) percebe que uma criança fica apavorada com o visual sombrio do cavaleiro das trevas. Com isso, o Morcego percebe que sua imagem apavorava não somente os seus inimigos, mas também seus aliados e protegidos.


Na realidade a mudança do uniforme de Batman nos quadrinhos teve razões comerciais: os editores da época imaginavam que uma transformação do personagem em alguém mais leve e menos violento poderia alavancar mais vendas e trazer mais lucros. Já o surgimento do Robin, foi visto como elo de ligação entre o público alvo e a história mostrada.

Ainda no campo da caracterização é interessante notar como as pinups inspiraram o conceito das personagens femininas na obra. Todas, com maior ou menor grau, lembram Betty Page e companhia, sendo mais uma homenagem que a nostálgica obra faz.

Assim como no filme anterior da DC (Morte de Superman) o filme mostra aqui e ali que pretende ser mais do que um desenho animado escapista e para os mais jovens. A seqüência da guerra da Coréia, que abre o filme é - apesar de discreta - violenta para os padrões do politicamente correto que domina a cultura mundial. A poética seqüência do avião invisível, que se torna visível pelo rastro vermelho de sua cabine é uma das imagens mais fortes que a animação americana produziu na década.


O elenco de dubladores também reforça essa "preocupação" em parecer mais adulto e sério. Entre os inúmeros atores que dão voz aos personagens, temos David Boreanaz (da série Angel e Buffy, como o Lanterna Verde), Miguel Ferrer (da série Crossing Jordan, como o Caçador de Marte), Neil Patrick Harris (da série How I Met Your Mother, como o Flash), John Heard (o pai de Esqueceram de Mim, como Ace Morgan), Lucy Lawless (a eterna Xena, como Mulher Maravilha), Kyle McLachlan (de Duna e Veludo Azul como Superman), Kyra Sedgwick (da série The Closer, como Lois Lane) e Brooke Shields (como Carol Ferris). Uma beleza de elenco que não faria feio numa super-produção hollywoodiana.

Outro destaque dessa questão "adulta" é que seus verdadeiros heróis não são os superpoderosos Superman ou Mulher Maravilha (apesar de ambos terem participação importante), mas os "recém-nascidos" Lanterna Verde e Caçador de Marte que completam o trio principal com o Flash (Barry Allen). Todos os três tem medos muito claros, defeitos e são falíveis, o que contrabalanceia com a aventura inocente (vilão monstruoso que quer dominar o mundo) que era comum durante os quadrinhos da época. É uma mistura desses perspicazes elementos mais sérios com a simplicidade desse tipo de aventura que faz do filme uma experiência diferente em relação a todos os demais filmes DC.


O que pode incomodar os espectadores de hoje, é seu arco final. Quando os heróis se reúnem (numa proto-Liga da Justiça) para enfrentar a ameaça do Centro, o sentido de comprometimento com a pátria, o "heroísmo" americano e até John Kennedy são exaltados. Para nós, esse discurso soa hoje, risível e até ofensivo. Porém, se colocarmos no contexto daquele período histórico, faz sentido. Estamos falando de um país em crise interna e que vivia uma caça as bruxas (termo usado ad-nauseum) entre todos os seus cidadãos. As aspirações, diálogos e ações dos heróis da história refletem o que vemos nas produções cinematográficas de época. Ou seja, Liga da Justiça - Nova Fronteira é uma grande homenagem a esse período histórico e a essa era nos quadrinhos.

Caso víssemos esse discurso "americanóide" sendo proferido numa produção de cenário comtemporâneo, certamente o desconforto seria maior do que já é.

Por outro lado, esse excesso de homenagens pode soar revisionista e reacionário. Quase como uma declaração de amor ao "american way of life" em contraposição a globalização presente no mundo hoje. Isso é perigoso, já que discursos assim, caso não sejam bem geridos e administrados, podem sugerir uma ligeira xenofobia e um descaso ao que não se encaixa nessa postura.


A cena "Os Eleitos" em que os heróis marcham para a "glória" é um desses exemplos, que foi claramente pensado para evocar essa união "pela pátria e pelo povo". Algo que soa piegas e até ridículo hoje. O perigo é o quanto isso não passa de uma homenagem pura e simples e o quanto é o desejo implícito do roteirista e diretor de que tal situação ainda se repetisse hoje em dia.

Além disso, o filme tem os mesmos defeitos estruturais em seu terceiro ato que Morte do Superman tem. Sofre por ser muito curto e apresentar soluções simplistas e corridas. Novamente (e me repito quase textualmente) uns vinte minutos a mais não faria mal ao filme e ao espectador.

Nova Fronteira não chega a ser um grande filme, mas é superior a Morte do Superman pois combina de forma mais orgânica a ação dos personagens com as pitadas de maturidade, revestido com uma camada de homenagem - mesmo que piegas e apelativa - a uma época em que muito do que hoje lemos foi criado.

(Obs: para os fãs neófitos, legal notar que durante o discurso final - que conta com a voz de John Kennedy - diversas cenas da história da Liga são mostradas, entre elas a famosa luta contra Starro, que marcou o debut da Liga nos quadrinhos)

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