sábado, 9 de outubro de 2010

Mr. Nobody
(Mr. Nobody, 2009)
Drama/Fantasia/Ficção Científica/Romance - 138 min.

Direção: Jaco Van Dormael
Roteiro: Jaco Van Dormael

Com: Jared Leto, Sarah Polley, Diane Kruger, Linh Dam Pham, Rhys Ifans, Natasha Little, Toby Regbo e Juno Temple

(Nota: Leia essa crítica caso tenha visto o filme, já que ela é tão complexa e "difícil" de entender quanto o filme, já que esse que escreve se absteve de dar spoilers durante a escrita da mesma, transformando seu texto num emaranhado de palavras que só farão total sentido se forem deglutidas com o filme analisado)

De tempos em tempos surge - geralmente do "nada" - um filme complexo e que faz o espectador e o crítico refletirem sobre o que viram e sobre as reais intenções do mesmo por horas a fio. Darren Aronofsky, diretor de obras como Fonte da Vida, Réquiem para um Sonho entre outros - so para exemplificar - é um dos baluartes dessa "estética" complexa e que pretende dizer mais do que mostra a primeira vista.

Mr. Nobody, do diretor e roteirista Jaco Van Dormael segue a "escola". Complexo até dizer chega, cheio de idas e vindas do roteiro e com mensagens pipocando pela narrativa. Mais acima de tudo isso, um triunfo por conseguir no meio de toda a complexidade apresentada manter o foco e conduzir o espectador a uma experiência audiovisual muito interessante.


A história gira em torno de Nemo Nobody, um homem de 118 anos que é o mais velho ser humano numa sociedade distópica onde todas as "alegrias" dos seres humanos foram castradas. Sem sexo, sem carne, o paraíso dos politicamente corretos de plantão. Nessa sociedade, que aboliu cientificamente a morte por velhice, Nemo é um fóssil de uma época em que vivíamos mais intensamente. Van Dormael no entanto não quer parar no óbvio e criticar as distopias absurdas que seguimos dia após dia em nosso caminhar rumo à mediocridade, mas quer discutir os motivos para que caminhemos para a perfeição e felicidade ou a profunda tristeza e incapacidade. Nemo tem visões de seu passado, onde ela tem uma esposa linda (Sarah Polley) e outra , igualmente interessante (Linh-Dam Pham) e ainda um amor profundo por uma terceira (Diane Kruger). Como isso é possível, pergunta o leitor?

Três diferentes histórias, que surgem no mesmo período de vida do personagem sendo cada uma completamente diferente da anterior? Como? Isso, somente acompanhando a história complexa de Mr. Nobody o espectador vai descobrir.

O grande triunfo do diretor é que ao mesmo tempo em que ele mantém o nível de complexidade lá no alto, inserindo dados científicos sobre tempo/espaço e mais uma "pancada" de idéias sobre física, ele é inteligente o suficiente para transformar Nemo (ou seriam Nemos ?) em um personagem muito interessante, em todas as suas muitas encarnações. Seja quando ele aborda a infância do personagem (com um humor herdado da escola Jeunet), na adolescência (com um lirismo que mistura 2046 com Brilho Eterno...) e na fase adulta quando podemos ver os ecos de Matadouro Cinco, Efeito Borboleta e até da idéia (veja bem, idéia) de Benjamin Button.

Tudo isso ancorado por interpretações poderosas de todo o elenco. Fabuloso notar como Jared Leto mostra cada vez mais ser um ator de grandes recursos, transformando o Nemo adulto e idoso em personagens diferentes mais que guardam a mesma raiz. Ou seja, por mais que a complexidade do roteiro aponte os caminhos diferentes da narrativa, Leto consegue impor o mesmo tom aos personagens, relacionando-os ao mesmo indivíduo-base, digamos assim.


Os interpretes do pequeno e do jovem Nemo também são muito talentosos. O pequeno Thomas Byrne tem a inocência e a melancolia ideais pra construir uma criança em meio a uma complexa "guerra" de amor e ódio. O jovem Toby Regbo, construindo o Ying e o Yang de seu personagem vai mais além, e mostra Nemo como um bichinho assustado e raivoso e triste, amargurado e internamente a beira de uma explosão.

Interessante notar que todos os coadjuvantes têm tempo e apresentam belas interpretações, o que é mais um indício que por baixo da camada científica, Jaco quis contar a história daquele homem e sua vida.

As mulheres da vida de Nemo são todas, além de personagens interessantes, completamente diferentes entre si, bastante fortes e mereciam atrizes que sustentassem a carga. Sarah Polley, que faz Elise tem talvez o trabalho mais - teoricamente - fácil, já que seu personagem (no período em que é mostrada) é tomada de uma profunda depressão, e seus diálogos e expressões só reforçam essa idéia. Diane Kruger - quem diria, era achincalhada em Tróia - desfila em tela, fazendo de Anna a mais interessante de todas as personagens coadjuvantes. Cheia de medos, complexos e culpas é um cachorrinho perdido em busca do dono. E Linh-Dam Pham, vivendo Jean, apesar de ter menos tempo que as demais, se mostra insegura e dependente de um insensível e quase doente Nemo. Destaque também para Juno Temple que encarna Anna mais nova com muita sensibilidade e muita química com o garoto Regbo. Além da semelhança física entre os dois que aumenta essa sensação - imagino que pensada - de simbiose.


Rhys Ifans vive o pai de Nemo em momentos diferentes e também é marcante, apenas Natasha Little, que vive a mãe incomoda um pouco, por estar sempre interpretando a mesma cena, digamos assim. Automatizada ela apresenta a mesma cara de tensão, o mesmo sofrimento contido e a mesma idéia de que talvez ela não consiga ser feliz. Uma pena, já que as cenas em que ela está envolvida perdem um pouco do impacto.

Isso nos leva ao que realmente vai impressionar o espectador de imediato. A beleza impressionante com que tudo é retratado. Desde o futuro, repleto de brancos e transparências - nada muito novo, é verdade - até a recriação dos anos 70/80 com destaque para todo o design de produção que faz cada cenário individualmente diferente dos demais, o que reforça essa questão de "vidas paralelas". O mesmo vale para os figurinos que acertam na época, e diferem cada personagem - em especial o protagonista - de acordo com o que é pedido pelo roteiro. Leto surge como pai dedicado, filhote do grunge, alguém marcado por uma tragédia, perdido na vida, mais um "robô" numa linha de montagem e explorador do desconhecido.


Outro triunfo é a "casadinha" efeitos visuais e fotografia. Os efeitos (do FlyStudios e Modus FX) são certinhos, e apresentam qualidade maior do que a que deve ter sido destinada a produção do longa.- que segundo o IMDB, saiu por 47 milhões - que só em comparação é quase o mesmo valor gasto na série Crepúsculo que tem efeito visuais bem piores. A fotografia de Christophe Beaucarne é deslumbrante, e acerta em cada frame. Quando precisa ser lúgubre, quando vemos luz, quando a inocência precisa ser enfatizada, quando o diretor pede que se destaque certas cores ou nuances. Um trabalho visualmente impecável e digno de figurar numa lista de melhores do ano. Assim como a maquiagem que faz de Jared Leto, uma quase múmia de cento e muitos anos. Apesar de não vermos nada de revolucionário, é bastante eficiente e impecável dentro da proposta.

Tecnicamente brilhante e narrativamente instigante, com todas as discussões sobre escolhas e as conseqüências delas, Mr. Nobody é um filme a ser visto com atenção, carinho e que vai deixar marcas em que ver. Seja pela beleza de suas imagens, ou pelo conceito - que parece complexo - mas que fala diretamente ao espectador sobre algo muito humano e atemporal: nossos sonhos, medos e caminhos percorridos.


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