quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

Além da Vida
(Hereafter, 2010)
Drama - 129 min.

Direção: Clint Eastwood
Roteiro: Peter Morgan

Com: Matt Damon, Cécile de France e Bryce Dallas Howard

Atualmente, parece que roteiros que lidam com a temática de vida após a morte vêm ganhando mais e mais força dentro e fora do Brasil. Há todos os tipos de formas de abordar o tema: dentro do Brasil, pudemos avaliar a força de movimentação de público que os filmes de Chico Xavier conseguiram. Chico Xavier e Nosso Lar constaram como recordistas de bilheteria no Brasil em 2010, e seguiram - principalmente, Nosso Lar - para a abordagem religiosa propriamente dita. Fora do Brasil, pudemos observar um diretor premiado - Peter Jackson - brincar com o argumento de Um Olhar do Paraíso, nos entregando um filme fraco e descompassado, que tendia para a fantasia. Mais recentemente, Enter the Void, do genial Gaspar Noé, contribuiu com umtipo de visão do pós-morte inovadora, tanto no modo de se filmar, quanto no modo de se narrar. Agora, chega à vez de Clint Eastwood, um mestre consagrado e experiente, dar sua visão ao tema que tanto deu o que falar nos últimos tempos, principalmente dentro do Brasil.

E Além da Vida procura enxergar o tema por um viés menos religioso e mais expansivo, ou seja, sem definir um tipo de religião exata, tentando dissertar sobre a narrativa dos espíritos de forma mais geral, onde até uma pessoa que não possui uma religião definida, por exemplo, possa enxergar os acontecimentos relatados, sem ter que abraçar alguma crença específica. Este é um lado interessante de Além da Vida, e o único problema é que é um dos raros diferenciais encontrados no longa , que apenas fica na média, no seu conteúdo.
 

A trama fala sobre três personagens, que, em pontos diferentes do globo terrestre, apresentam um dilema com a morte - e a possível vida posterior. Nos Estados Unidos, George Lonnegan (Matt Damon) é um médium que tenta se afastar da sua antiga profissão como vidente profissional, para tentar alcançar uma vida normal. Na França, Marie Lelay (Cecile de France), é uma jornalista que, após passar por uma experiência de quase-morte numa viagem de suas férias, busca aprender mais sobre o mundo que existe depois da morte. Já em Londres, na Inglaterra, somos apresentados ao drama do garoto Marcus, que não consegue superar a recente perda do irmão gêmeo Jason.

O roteiro do habilidoso Peter Morgan - que escreveu o excelente Frost/Nixon - se desenvolve sem pressa, costurando com detalhes as três linhas narrativas que, como a própria sinopse oficial do filme já dizia, uma hora iriam se cruzar. Tudo se baseia no desenvolvimento isolado de cada arco até, basicamente, o desfecho do filme. E no aspecto de desenvolver arcos narrativos, Morgan utiliza sua experiência para não cometer deslizes, e manter um desenrolar de trama muito palatável. Como já escrevi anteriormente, Além da Vida tem uma visão do pós-morte interessante, pois não se apega a nenhuma religião, construindo sua história paralela a isso. O roteiro encontra muita facilidade ao retratar o tema dessa maneira, e Morgan carrega sua história de maneira convincente. Entretanto, não vai além. Não se desenha nada mais ousado ou diferenciado. Toda a narrativa é coerente, consegue até nos envolver, mas é trabalhada com certo comedimento. Não sai muito da superficialidade, e atraca na zona segura de alguns clichês. Deveras, faltou um pouco de ousadia.


Entretanto, entra em cena então, o fator que atua como o grande diferencial em Além da Vida: Clint Eastwood. Como um verdadeiro Midas, o experiente diretor consegue tirar o filme da mediocridade com seu modo de filmar tão redondo e limpo. Eastwood não abusa, (não expõe arroubos que já vimos anteriormente na sua carreira), mas com o mínimo de seu talento expresso na película, o longa já ganha muitos pontos. A competência de Eastwood em tirar o melhor de seu elenco e o seu olhar muito característico e intimista atribui ao filme um fôlego extra, evitando que seja facilmente esquecido. E que já fique registrado como uma das melhores seqüências do filme, a dos tsunamis na Tailândia. Eastwood trabalha com os efeitos especiais de maneira muito eficiente, e o resultado final é uma cena belíssima e aterradora.

Também auxilia o filme o fato de seu elenco responder ao que seu diretor pede com muita eficiência. Matt Damon atua de forma bastante interessante ao interpretar um médium que deseja se afastar de seu dom, tratando-o como uma maldição. Sem exageros, Damon encarna seu personagem com realismo. Eastwood fez bem ao fazer questão de que ele estivesse no filme.

Nos quesitos técnicos, Além da Vida segue o estilo belíssimo dos outros filmes de Eastwood. Tom Stern, colaborador freqüente do cineasta, apresenta uma fotografia límpida e bonita, típica dos filmes de Clint. A trilha, então, nos remete imediatamente a Gran Torino. Basicamente, se repete nas partes técnicas, o que deu certo em longas anteriores.


É possível dizer, num apanhado geral, que Além da Vida teve em seu roteiro (razoavelmente bem trabalhado por Peter Morgan), um ponto mediano que peca por não fazê-lo ir além disso . Levou seu barco até um porto seguro, e preferiu não se arriscar a ir até um destino mais longinquo. O grande diferencial fica mesmo por conta de Eastwood, que, ao emprestar seu olhar ao filme, eleva-o de nível onde pode. É a diferença que a presença de um verdadeiro cineasta faz num filme.




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