quinta-feira, 3 de março de 2011

Inverno da Alma
(Winter's Bone, 2010)
Drama - 100 min.


Direção: Debra Granik
Roteiro: Debra Granik, Anne Rosellini

Com: Jennifer Lawrence, John Hawkes, Garret Dilahunt e Dale Dickey



Talvez vocês estejam familiarizados com a expressão "white trash", que denomina as pessoas mais pobres, desfavorecidas pela vida, sem cultura ou mesmo educação básica dos Estados Unidos. Inverno da Alma flerta com a idéia de apresentar essas pessoas e trás uma coleção de personagens perversos, amargos e problemáticos onde apenas a jovem Ree e seus irmãos ainda mais jovens são poupados.


Ree (Jennifer Lawrence) é uma garota de dezessete anos que tem de tomar conta dos dois irmãos menores e da mãe com problemas mentais, depois que o pai - um ex-presidiário - some sem deixar rastros. Apesar das enormes dificuldades Ree segue sua vida, tentando encontrar alguma alegria e satisfação em sua rotina dolorosa. Tudo muda, quando Ree precisa desesperadamente encontrar seu pai para manter-se dona de sua casa, dada como garantia da fiança do "fujão".



O filme passa a acompanhar a jornada de Ree para encontrar seu pai, que vive uma odisséia digna de uma amazona, enfrentando tudo e a todos que estão no seu caminho.


Jennifer Lawrence é sem dúvida o grande destaque do filme. Sua personagem marcada pela vida dura e sem escolhas é talvez o único ponto não completamente cinzento na paisagem pintada com grande competência por Michael McDonough. A diretora Debra Granik é muito feliz ao não querer beatificar sua heroína que não odeia o pai porque ele é um traficante, mas porque ele "caiu". Por que foi preso.


Todos os personagens do filme têm essa dualidade muito humana e que é cada vez mais rara em produções cinematográficas comerciais, coisa que Inverno definitivamente não é. Mesmo os mais cruéis personagens apresentam humanidade latente e isso fica claro na sequência - já antológica - do "passeio" de barco pelo rio. Mesmo em uma situação completamente horrorosa você percebe que as personagens criam um laço (mesmo que dure apenas por esse pequeno período) que se reflete na compreensão do espectador sobre aquelas mulheres.



Teardrop, o tio de Ree, (uma interpretação muito boa de John Hawkes) é outro exemplo disso, pois em sua primeira aparição além de medo daquele personagem, o público o enxerga como um psicopata a beira do abismo. Debra - muito inteligente - não muda essa impressão, e continua dizendo "hey, esse cara é maluco", mas mostra que ele não é só isso, é igualmente preocupado com sua família e tenta de tudo para poder ajudar sua sobrinha.


Esse é dos filmes mais feministas - no bom sentido - da atual temporada, e verdadeiramente celebra a força - positiva ou negativa - da mulher no mundo. Protagonizado e recheado de atrizes talentosas, com direção e roteiro dividido entre duas mulheres (a diretora Debra Granik e Anne Rosellini) mostra o impacto dessa realidade suja pelo olhar feminino, geralmente mais sutil e sensível.


Quando os homens tornam-se boçais, são presos ou transformam-se em viciados resta às mulheres assumirem a batalha. E nessa "conversinha de mulher" é que Ree tem de enfrentar seus demônios, peitar os homens no poder e ainda demonstrar sensibilidade com seus irmãos e sua mãe (na sequência mais tocante, Lawrence deixa transparecer toda sua infantilidade reprimida em uma conversa desesperadora com sua mãe).



Incrível notar a idade de Lawrence, 20 anos, e perceber como ela se despiu (metaforicamente) de suas vaidades para incorporar essa garota que sabe que seus sonhos são tão inatingíveis que resta a ela tocar o banjo e aguardar a próxima tragédia - anunciada - em sua vida.


Num mundo justo, Inverno da Alma teria um reconhecimento ainda maior. Trata-se de um dos filmes mais duros e cruéis em muitos anos vindos dos Estados Unidos, que deixa fisicamente o espectador cansado com tantas dificuldades e problemas enfrentados por seus personagens, e em especial por sua protagonista ser tão jovem e já ter de arcar com tantas responsabilidades e resolver tantos conflitos. Uma história de luta eterna e de final tão agridoce quanto à própria vida.

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