quarta-feira, 9 de março de 2011


O Filmes para ver antes de Morrer nunca tentou - e nem vai tentar - criticar ou analisar uma obra que por motivos óbvios está no panteão das maiores (na opinião da equipe) já produzidas pela sétima arte, por isso o espaço aqui é para relembrarmos, homenagearmos e apresentarmos a quem não viu, grandes filmes da história do cinema.

Amadeus
(Amadeus, 1984)


Wolfgang Amadeus Mozart é dos maiores e mais talentosos seres humanos que já respiraram na história de toda a humanidade. Descrever a capacidade desse artista é tão desnecessário quanto dizer a alguém que se ela não beber água vai desidratar e futuramente morrer. É obvio, e todo ser humano, em qualquer canto do planeta já teve o prazer de ouvir nem que seja um trecho de sua fabulosa obra.

Mas, Amadeus o filme, não fala de Mozart. Essa é a grande sacada do genial Milos Forman. Amadeus é a história de Antonio Salieri, um compositor contemporâneo de Mozart e que viveu sua vida (segundo o filme) numa mistura doentia de admiração extrema e ódio profundo quando ao homem Wolfgang e a obra de Mozart.


Forman aqui apresenta a confissão (literal) do compositor italiano ao público e por meio de longos flashbacks nos conta a impressão de Salieri sobre o homem.


Essa é uma idéia inteligentíssima, pois é muito mais fácil falar sobre um compositor de segundo escalão (com todo respeito aos 18 die hard fãs de Salieri espalhados mundo afora) do que biografar cada passo de um dos maiores artistas da história da humanidade. Com isso Forman, deixou de contar a história de Mozart, para mostrar a visão de Salieri sobre aquele homem.


Salieri o via como um alienígena bufo e exagerado. Mulherengo e sem a menor noção de modos e etiqueta social, mas dotado de um talento que o fazia realmente de outro mundo.


Algumas seqüências reforçam essa percepção, como a que Mozart chega ao palácio do imperador alemão e decora ao vir andando da ante-sala até a presença do monarca a melodia preparada por Salieri em homenagem a sua visita. E pior, com apenas uma única audição, senta ao piano e a toca de maneira perfeita alterando as notas e ainda sugerindo melhorias. A interpretação de F. Murray Abraham nessa cena dá o tom de todo o restante da longa película. Seu olhar incrédulo, impossível de definir entre um profundo respeito ao artista e um ódio feroz ao petulante garoto.


Tom Hulce, em seu melhor papel, faz de seu Mozart uma eterna criança, que muitos viram como um quase rockstar, cercado de festa, mulheres e promiscuidade. Prefiro ver a interpretação de Hulce como uma demonstração da reverencia de Forman ao personagem. Impossível de ser enquadrado como um "homem comum", como Salieri, Forman pede a Hulce uma interpretação recheada de over actting, talvez pensando que Mozart era tão consciente de sua genialidade que não fazia a menor questão de demonstrar sua superioridade aos outros. Ele simplesmente sabia que era melhor. E quando você sabe, não existem motivos para esfregar sua competência na cara dos outros, você só segue sua vida e se diverte com o talento que tem.


Mas é Murray Abraham quem levou o prêmio da Academia, um dos merecidos oito prêmios que o filme recebeu (direção de arte, figurino, maquiagem, som, roteiro adaptado e diretor e filme, além do de Abraham para melhor ator) e é com ele que o espectador acompanha o crescimento de Mozart. Salieri não chega a ser um vilão na concepção da palavra, é mais uma figura trágica, fracassada e eternamente destinada a perder. Numa comparação pop, é como assistirmos o desenho Corrida Maluca e torcermos para Dick Vigarista ganhar (embora ele tenha ganhado uma vez). O espectador sabe, e Forman usa isso muito bem, que por Salieri estar se confessando, que seu relato é cheio de remorso e por conseqüência agridoce em relação a sua vida ao lado de Mozart.


Existem seqüências fabulosas de musica no filme também. A interpretação da única opera de Mozart, Fidélio, é em especial estupidamente eficiente. Notem Tom Hulce "jogando pra fora" todas as neuroses e frustrações de seu personagem que desde cedo viveu como um garoto prodígio e gênio em miniatura. Quando seu pai morre, é o momento de catarse e de descuido do personagem, quando - e ai entra a parte fictícia que funcionou tão bem - Salieri "ataca".


A historia não conta como Mozart morreu, e o roteiro de Peter Schaffer imagina um plano de Salieri que deixa Mozart tão transtornado que o faz trabalhar literalmente até o limite máximo de suas forças. Essa sequência final de Hulce e Abraham é das mais magníficas da história do cinema. É o que sem duvida convenceu a Academia a premiar Abraham. É quando - por meio de diálogos - Abraham finalmente compreende que por mais que ele tente jamais conseguira atingir o mesmo nível de Mozart, que constrói melodias do mais completo vazio e as escuta em sua mente antes de colocar no papel. Salieri no papel de escrivão de uma obra de arte, sente na pele a dificuldade de acompanhar a incrível velocidade de raciocínio do genial Amadeus e ao conseguir - por alguns minutos - entrar na mesma sintonia mental de Amadeus, experimenta o gozo completo em ser um gênio e ali percebe o erro monumental que cometerá ao provocar - mesmo que de forma não intencional - a morte de uma figura rara na historia da humanidade.


Todos os aspectos técnicos do filme são impecáveis, o que é o mínimo exigido em um filme de época tão grandioquente como Amadeus. Direção de arte e figurino são impressionantes, fotografia segura e maquiagem bastante eficiente para a época (talvez hoje fosse mais realista) e todo o trabalho com o som é digno de aplausos. Nem vale a pena comentar sobre a trilha sonora, já que enfim... vocês sabem.


Forman aqui conquistou seu segundo e merecido Oscar, e ao conseguir sustentar essa imponente história, e com detalhes tão minuciosos e tanta coisa a ser dita na tela percebe-se seu dedo na tranqüila condução dos atores - nenhuma grande estrela - como já havia feito em Estranho no Ninho, que revelara uma dezena de atores talentosos. Nunca mais Abraham e Hulce tiverem papéis tão fortes a sua disposição. Uma pena, já que são dois atores extremamente competentes.


E quanto a Amadeus? Pessoalmente é dos meus filmes favoritos de todos os tempos, um dos poucos que apesar da longa duração (160 minutos) não me canso de rever. Seja para apreciar o talento de Forman, ou o duelo entre Abraham e Hulce, ou a ingenuidade excêntrica de Jeffrey Jones como o Imperador ou para ouvir e prestar homenagens a um dos maiores seres humanos da história da humanidade: Wolfgang Amadeus Mozart.

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