Imortais
(Immortals, 2011)
Ação/Aventura - 110 min.
Direção: Tarsem Singh
Roteiro: Charley Parlapanides e Vlas Parlapanides
Com: Henry Cavill, Mickey Rourke, Stephen Dorff, Freida Pinto, Luke Evans, John Hurt
O gênero épico, muito popular até a década de 70, era uma garantia de sucesso. Desde os grandiosos (em duração e escala) filmes de David Lean até o maior ganhador do Oscar da história, o Ben-Hur de William Wyler, o gênero era responsável pelas produções mais imponentes do Cinema. Na Itália, em estúdios como o lendário Cinecittà, essas produções eram o foco, até a chegada do Faroeste Spaghetti, para aparecer como uma variação mais barata desses projetos enormes. Recentemente, os épicos ficaram desgastados e perderam espaço para os blockbusters. Com o sucesso de Gladiador, porém, os produtores da Meca do Cinema acharam que o gênero poderia voltar ao auge. Daí vieram exemplares como Troia, que mostrou que era necessária uma verdadeira revolução para alçar o Épico ao auge novamente.
E em 2007, surgiu 300. Com seu Green screen e sua fúria contagiante, que ia desde os combates estilizados até a trilha heavy medieval, Zack Snyder pintava com o visual de Frank Miller, ao conceber um estilo invejável e que modernizava o épico - sem que isso significasse esquecer das lições dos mestres da narrativa do gênero.
O que nos leva a esse Imortais. Desde o primeiro trailer, a nova produção da Relativity Media tenta entrar no caminho deixado por 300. Não por acaso, os produtores são os mesmo Mark Canton e Gianni Nunnari, do filme de Snyder. Porém, o diretor provou seu lado autor e moldou o visual ao seu gosto.
Vendo pelo lado artístico, foi uma questão de tempo até Tarsem Singh encontrar o gênero. Para um épico que visava uma estilização constante, Imortais tinha no assumido esteta Singh um diretor perfeito. E não poderia ser diferente: o melhor do projeto reside justamente nas qualidades gráficas do indiano.
Logo após o prólogo, o roteiro de Charley e Vlas Parlapanides volta no tempo para introduzir os personagens. Ao mesmo tempo em que Theseus é visto como bondoso homem do povo e do trabalho braçal, Hyperion é retratado como feroz ditador, de fala áspera e métodos cruéis de tortura. Porém, se o esquema de retratar os dois nêmesis logo de cara seja moderadamente convincente, excessivamente conveniente são as situações que delineiam o protagonista. Introduzi-lo como um pescador solitário, que é retratado como humilde mas rapidamente demonstra ser pleno conhecedor das artes marciais, é uma preguiça que vitima consideravelmente o desenvolvimento do maior dos personagens. No final, a impressão que fica é que Theseus é um homem movido pela vingança, não um humano nobre e digno de uma apoteose.
Já Hyperion tem um desenvolvimento mais rebuscado (o que não implica que o mesmo seja perfeito). A cena envolvendo um grande martelo é crucial para definir o imediatismo do rei, mesclado com suas iniciativas violentas. Além disso, há uma decapitação perto do fim que consolida perfeitamente essa característica, o que revela certo comprometimento do roteiro com a fidelidade ao caráter de seus personagens, que jamais fazem algo que não seja de seus feitios pré-estabelecidos.
Só que não basta apenas ser fiel á sua base se ela não suporta tanto. Imortais têm uma narrativa que flerta com o panorâmico, tendo diversos núcleos (enfoca os deuses, a ascensão de Hyperion, a tensão do rei prestes a ser atacado pelo vilão, a jornada de Theseus), mas que não obtém sucesso inquestionável em nenhum dele. A investida de Hyperion tem ótimos momentos, como a invasão perto do clímax. O "walk-movie" que leva Theseus até a batalha final também, como a onda gigante. Porém, dizer o mesmo sobre a abordagem dos deuses seria desserviço, afinal mal se nota a presença dos mesmos no filme, mesmo que o visual incrível proporcionado pela direção de arte e pelos figurinos de Eiko Matsuda se aliem à ultra violência na tarefa de chamar a atenção. Fora a questão estética, cortesia do sempre perfeccionista Singh, os deuses são mal explorados e porcamente lembrados pelo script da projeção.
Se não bastasse os erros estruturais, o roteiro dos Parlapanides ainda contém certas situações que resultam em buracos no guião. Por que colocar os dois antagonistas frente a frente para um mero diálogo pré-batalha? Por que Zeus relutou tanto em interferir nos planos de Hyperion (e nos humanos) se, desde criança, Theseus foi treinado exatamente pelo deus, disfarçado de humano? E o que dizer do caos narrativo, com direito a uma confusa montagem de Wyatt Jones, que a batalha final representa?
E aí entra a questão da pretensão do projeto. Caso assumisse exatamente o que é - a transformação de um humano em um Deus - Imortais poderia enxugar sua narrativa, aparar as diversas vias desnecessárias, e se tornar um projeto mais conciso. Ao muito almejar, o filme acaba perdendo a força naquilo que deveria ser seu maior forte: o desenvolvimento da ascensão de Theseus. Em momento algum, se sente o sacrifício que se requer para a apoteose contida aqui (e a atuação de um aqui limitado Henry Cavill não ajuda muito). Ao enfocar sem sucesso o pior dos núcleos, o da muralha prestes a ser invadida, o filme perde um tempo precioso. Basicamente, a impressão que fica é que Theseus não se fez um herói; apenas andou bastante, deu sorte de ser treinado pelo maior mestre de todos e teve habilidade ao usar o que aprendeu. Em um épico, nada é mais importante que a transformação do herói em algo mais. Em Imortais, isso é apenas um quase fato casual.
Não que o projeto não honre o gênero, claro. O respeito á mitologia, como provam as situações "históricas" e a atmosfera grega que o visual do filme tem, acabam compensando certos defeitos. Ainda que rasa, a representação dos deuses empolga esporadicamente, como na intensa e excepcional batalha contra os titãs. Fora que perto de quase épicos que se vestem de aventura para esconder sua ridícula estrutura narrativa, como o recente e péssimo Fúria de Titãs, Imortais é um projeto muito vigoroso até. E nisso, a segurança de Rourke como vilão ajuda bastante seu segmento. E, ainda que operísticas em excesso, as atuações dos deuses encontram uma unidade em sua teatralidade, o que não atrapalha o filme - ainda mais se levando em conta a boa presença de cena de Luke Evans.
Obviamente, esse vigor é alcançado através da direção de Singh. Ainda que não tenha a sensibilidade necessária para entender os problemas de seus heróis e corrigi-los, o diretor tem seu talento artístico mais uma vez comprovado. Em parceria com o diretor de fotografia Brendan Galvin, Singh pinta com a câmera quadros que beiram o realismo e iluminação do Renascimento, saindo-se incrivelmente bem ao compor os ângulos estritamente estéticos de seu filme, como as elegantes introduções e finalizações de cena onde o cenário se torna mais amplo. Além do mais, impossível não admirar as belas cenas com os deuses, a violência gráfica envolvente do clímax (embalada pela correta trilha de Trevor Morris) e as cenas de maior catarse, como o choque de Poseidon com a água ou a flecha que abre o cofre dos Titãs. E o que dizer do último take do filme, que tira o fôlego ao mostrar os deuses se guerreando, suspenso no ar?
Imortais é a prova de que há esperança na produção de bons épicos em Hollywood, ainda que também mostre a falta de sensibilidade de produtores em reconhecer os defeitos óbvios de uma produção, antes dela ser realizada. A falta de controle narrativo de Singh se fez valer pela primeira vez, o que vai totalmente ao oposto da experiência inteiramente autoral que o mesmo passou em Dublê de Anjo. Estiloso e competente Singh é, mas certamente precisa se sair melhor em encontrar defeitos no trabalho que filma.
Ao menos, o filme não existe por motivações puramente mercadológicas, como faziam parecer os anúncios que citavam 300 a todo o momento. Só de não ser uma mera cópia genérica de um projeto vitorioso, o filme de Singh já merece um pouco de atenção.
Afinal, se não honra o clássico gênero como o filme de Snyder fez, ao menos Imortais o respeita.
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