sexta-feira, 13 de janeiro de 2012

O Espião que Sabia Demais


O Espião que Sabia Demais
(Tinker, Tailor, Soldier, Spy, 2011)
Drama/Thriller - 127 min.


Direção: Tomas Alfredson
Roteiro: Bridget O'Connor e Peter Straughton


Com: Gary Oldman, Colin Firth, Mark Strong, John Hurt, Toby Jones, Benedict Cumberbatch, Tom Hardy


A Espionagem em geral sempre foi um terreno fértil no Cinema. Desde os tensos thrillers realistas como O Alfaiate do Panamá e O Dia do Chacal até os engenhosos blockbusters como Jogos Patrióticos e Missão Impossível, passando pela cine-série de James Bond, o gênero encontrava nos fãs de ação um público fiel, ainda que fossem competentes o suficiente para agradar os cinéfilos. Assim como Ian Fleming, John Le Carré foi um mestre desse gênero na literatura, construindo densas narrativas e povoando-as com excepcionais personagens. Porém, se Fleming se baseava em uma vertente mais pop da espionagem, com suas intrigas e reviravoltas como palco para a ação e charme de seu 007, Le Carré era mais cru, verossimilhante. Seus espiões não tinham o mesmo glamour e a famosa licença para matar, mas eram claramente mais complexos e inteligentes.


E em uma análise básica, é exatamente sobre isso que é O Espião que Sabia Demais, novo trabalho do diretor sueco Tomas Alfredson. Sombrio, tenaz, intrincado e extremamente impessoal, o projeto encanta por suas ousadas escolhas narrativas e seu desenvolvimento impecável de personagens, ainda que enfoque melhor a rotina da espionagem em geral.

Jim Pridoux (Mark Strong) está na Hungria. Ele acaba de receber uma informação de seu chefe, Control, que continha a evidência de um espião infiltrado no alto escalão britânico, o Circus. Porém, algo dá errado. O trabalho, árduo, perdia seu principal analista. O correto então seria reconsiderar o emprego do maior deles. George Smiley (Gary Oldman) então ajeita seus óculos, volta para seu trabalho e tenta achar o traidor interno.




Como disse o Alfaiate,  um dos cinco suspeitos, "nada parecer ser como realmente é". Esse pensamento não poderia estar mais correto. Pridoux começa sua conversa com seu informante e atenta para todos os lugares. Nessa cena pré-créditos, uma das melhores sequências da nova década, a natureza fria e pesada dos espiões se percebe como um soco. A grávida na cena e o olhar desesperado de Mark Strong dão o tom da gravidade da situação. Logo, é interessante enxergar em Espião um filme atmosférico. Não só pela granulação da estupenda fotografia chiaroscura de Hoyte van Hoytema, mas pela impessoalidade com que o roteiro de Peter Straughan e Bridget O'Conner trata seus personagens e situações, privilegiando o estudo da espionagem.

Cada take, engrandecido por uma perfeccionista direção de arte, exala a década de 70. Mas mesmo assim, um visual incrível não causaria uma imersão tão expressiva como o jogo de intrigas a que somos submetidos no filme.

A tensão dá as cartas desde o princípio. Em Budapeste, o silêncio predominava em relação aos diálogos. Pridoux olhava para todos com um ar desconfiado. Essa angústia é o que toma a narrativa de assalto, ao impor sempre dualidade em suas cenas, onde todos desconfiam de todos. O teor da atmosfera é medido pelas lentes de Alfredson com destreza. A imponente troca de foco, que revela John Hurt na sala de reuniões no início, dá o ritmo paciente que o filme toma, sempre analisando com cuidado tudo o que vê. Apresentando com cuidado todos os envolvidos sem que isso os torne menos suspeitos (o que os créditos iniciais e a conversa de Oldman e Cumberbatch fazem com primor), o roteiro demonstra um domínio pleno sobre o gênero, entregando uma obra que observa e questiona.




O registro preciso das ações, obviamente, é o que se mais espera em uma película que investe tanto no estudo (seja de personagens ou situações). Alfredson, como bom cineasta europeu, vai na contramão dos diretores de suspense e abre mão de uma interferência maior como narrador em prol de uma brilhante lógica visual. Ao enfocar as ações em planos subjetivos, a meia distância e munido de zooms milimetricamente calculados, Alfredson examina a espionagem como um verdadeiro espião, encaixando as situações e decifrando os mistérios enquanto realiza seu panorama da tensa época da Guerra Fria. Trabalhando com close-ups somente quando se é necessário extrair alguma informação do personagem (seja ela literal ou uma investigação emocional de alguém como Smiley), o diretor sueco impressiona pelo cuidado e ousadia com sua abordagem técnica. E, como bom espião, desconfia até mesmo do registro da sua imagem, o que impressiona pela proposta. Não temos um narrador ditador, nem um espião passivo. Temos um diretor-espião.

Roteiro e direção em sintonia, portanto. A força de Espião, além da fidelidade ao estudo da espionagem, é seu roteiro complexo, onde a tensão não diminui por um minuto sequer. Uma abordagem essencialmente visual para a narrativa, afinal, é o que um filme como esse teria mais dificuldade de obter. Mesmo obras excelentes, como o Inception de Christopher Nolan, se rendiam ao falatório para verbalizar suas complexas escolhas de roteiro. Espião, porém, vai além. Alfredson, ciente da capacidade analítica de seu público (e de si mesmo), liga seu quebra-cabeça por pequenas sacadas. A intrigante montagem, que mal nos deixa saber em que tempo estamos (fundamental para um exemplar de espionagem), é auxiliada por Alfredson, que estabelece o óculos de Smiley como mediador oculto do tempo. Sabemos que aquela festa, esfumaçada por Hoytema, se passa no passado porque nosso protagonista foi ao oculista mudar suas lentes nos créditos iniciais. E conceber elegantes transições como aquela mediada pelo trilho do trem é notável.

Impessoalidade, aliás, que não nos impede de ter uma relativa ligação com os personagens. Gary Oldman, digno de Oscar, entrega uma segurança impecável a seu personagem (e Alfredson é perfeito ao introduzi-lo por pequenas ações, que retratam a personalidade do inglês). Ricki Tarr, vivido por um preciso Tom Hardy, é impulsivo e é conhecido pelo espectador logo nas sombras, numa sutil referência á natureza "black-ops" das ações de seu trabalho. Logo depois, somos informados de seus impulsos emocionais, o que o tornam a peça mais vulnerável do tabuleiro. Colin Firth e Toby Jones entregam uma competência habitual, enquanto Benedict Cumberbatch e Mark Strong impressionam por suas presenças únicas em cena. Esse último, aliás, merece tantos prêmios quanto Oldman, em um elenco magistralmente preparado por Jina Jay.




E quando vemos uma cena extremamente tensa ter uma música da época como fundo, enxergamos que pode ter algo acontecendo ali. Cumberbatch olha tenso para os lugares. Será que estão me observando? Será que havia escutas? Nem tudo é o que parece. Por que o meu investigador está cantarolando sobre o tal senhor Wu?

O jogo de intrigas se exacerba. Nesse meio, qualquer coisa pode ter segundas intenções. Até mesmo os amores e casos extraconjugais são parte de algo maior. A exaustão causada pelo intrigante e desafiador modo de analisar seus antigos colegas toma vias extremas. Nada pessoal, obviamente. Afinal, um espião tem que ser frio e observador, inteligente e racional (assim como o filme, em geral). Para alguém tão focado e centralizado em seu ofício, não há beleza maior que encontrar uma epifania. A emoção não vem de descobrirmos que é o traidor. Alfredson é fantástico em tornar a descoberta de Smiley, na outra cena da escuta, o motivo de maior catarse. É o estudo que está em questão, afinal. O traidor é só mais um mistério, perto de vários apresentados.

E, em teoria, não há nada mais angustiante que uma tortura desesperada, com um som ensurdecedor nos ouvidos. Mas talvez ver um amigo ser ameaçado a sofrer exatamente a mesma coisa pode ser pior. Ou, quem sabe, não exista algo mais desesperador que ser descoberto. Aquela lágrima, sem dúvida, foi por compaixão. Mas o tiro foi por isso ou por uma auto-proteção de uma possível segunda personalidade? Espiões e suas infinitas possibilidades.



O Espião que Sabia Demais é perfeito pelo seu engenhoso roteiro e cuidadoso planejamento de personagens, mas transcende qualquer competência ao tratar seu público como um ser inteligente, adulto e maduro. Como um receptor de informações fornecidas pelo espião Tomas Alfredson.

Porque um filme tão confiante em quem está do outro lado da tela, que transforma o esquema "diretor-espectador" em "espião-informado", merece ser visto.

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