quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

Millenium - Os Homens que Não Amavam as Mulheres


Millenium - Os Homens que Não Amavam as Mulheres
(The Girl with the Dragon Tattoo, 2011)
Suspense/Drama - 158 min.


Direção: David Fincher
Roteiro: Steven Zaillian


Com: Daniel Craig, Rooney Mara, Christopher Plummer, Stellan Skarsgard, Robin Wright, Joely Richardson e Yorick van Wageningen

Fazer de um remake uma obra pessoal e com assinatura é um caso raro. Na história do cinema, pouquíssimos filmes conseguiram a proeza de serem tão, ou até mesmo melhores do que a obra original que inspiraram. São os casos de Onze Homens e um Segredo, Scarface (que empata com o original de Howard Hawks em 32), Ben-Hur, Nosferatu (a versão de 1979), O Enigma de Outro Mundo, A Mosca, Fogo contra Fogo (que é a versão para o cinema de um filme para tv), Falcão Maltês (a versão de 1941 dirigida por John Huston é um remake de outro filme de mesmo título lançado em 31), O Homem que Sabia Demais (caso raríssimo de um remake produzido pelo mesmo autor do original, no caso, ninguém menos que Alfred Hitchcock), Os Dez Mandamentos (cuja primeira versão é de 1923) entre alguns outros que conseguiram a proeza de alcançarem um patamar de excelência que os permite caminhar com as próprias pernas sem comparações constantes com a obra original.

David Fincher pode colocar seu filme nessa lista. Seu Millenium - Os Homens que Não Amavam as Mulheres é uma obra que reverencia o texto original, tem respeito ao filme sueco e mesmo assim é uma obra profundamente pessoal, com os dedos de Fincher por todo o filme.

Desde a sua preocupação conhecida com a fotografia e o design de produção, que deixam seus filmes (a exceção de Benjamin Button que era um drama histórico e muito mais leve do que sua produção "normal") com um ar de mundo decadente, sujo e apocalíptico (e que aqui é perfeito para a história a ser contada), passando pela trilha sonora que (novamente excetuando-se Button, que é o pior filme do diretor) opta pelo atonalismo, pela robustez de temas e pelo generoso uso de recursos modernos, seguindo pela criatividade dos planos e principalmente para as soluções visuais encontradas para impressionar o espectador (como a já clássica sequencia de abertura do filme, que mistura video-arte com conceitos a serem vistos no filme e a famosa versão para Immigrant Song de autoria de Trent Reznor) e a habilidade do diretor em encaixar atores em situações até então desconhecidas para eles (exemplos não faltam: Forest Whitaker em Quarto do Pânico, Brad Pitt e Helena Botam Carter em Clube da Luta, Jesse Eisenberg em Rede Social, Morgan Freeman em Seven e aqui Daniel Craig e Rooney Mara) obtendo resultados quase sempre excelentes.


Porém, Fincher parece mais maduro aqui. Quem teve a chance de ver o filme original sueco (leia nossa crítica aqui) sabe que um dos momentos mais importantes da trama é mostrado com extrema violência, um voyeurismo quase sádico, e aqui Fincher, apesar de mostrar a situação da forma descrita nos livros, tem alguns pudores e inteligência suficiente para perceber o momento certo e o que mostrar. Outra questão que nos livros fica mais clara e que no filme, Fincher preferiu aliviar, é a questão do relacionamento entre seu personagem masculino principal e sua amante, que nos livros vive em um casamento aberto, com seu marido sabendo exatamente onde e com quem ela está, enquanto aqui a situação é camuflada.

Outra alteração tanto em relação ao livro quanto ao filme original, é seu final, que aqui muda a identidade de um personagem importante transformando o desfecho da história, tornando-a mais redonda e evitando um maior excesso de personagens, além de inserir (também para dar um encerramento a todas as pontas soltas) trechos do segundo livro.

Personagens esses que estão envolvidos na história do jornalista Mikael Blomqvist (Daniel Craig), que acaba de ser condenado pela justiça sueca a pagar uma substancial quantia para um industrial importante que foi acusado sem provas na publicação para qual trabalha (a revista Millenium). Ao mesmo tempo o industrial Henrik Vanger (Christopher Plummer) há quarenta anos recebe todos os anos uma flor emoldurada que o relembra do misterioso sumiço de sua sobrinha Harriet, ocorrida em sua própria casa, uma afastada ilha no norte da Suécia. Henrik pede uma investigação sobre Mikael, tentando cooptá-lo a assumir uma pretensa investigação sobre o caso, para de uma vez por todas chegar a uma conclusão sobre o sumiço da garota. Para isso, contrata uma empresa que prepara um dossiê sobre o jornalista. Lisbeth Salander (Rooney Mara), uma hacker de visual agressivo, inquieta e que não leva desaforo para casa entra em cena. Em determinado momento da trama (evitando os spoilers aqui) Lisbeth e Mikael passam a trabalhar juntos para encontrar a verdade por trás da história.


Fincher consegue caminhar por três linhas narrativas diferentes com tranquilidade, apesar da longa duração do filme, conseguindo explorar a situação de Mikael e seus problemas com a justiça, a vida de Lisbeth Salander e ainda a investigação sobre o sumiço de Harriet que acaba resvalando em temas espinhosos.

Mikael, aqui vívido por Daniel Craig, é o herói do filme, apesar de seu comportamento não indicar que ele é um sujeito bonzinho e dócil. Craig não é o herói de ação dos filmes de Bond e até encaixa aqui e ali algumas piadas, tornando-se o elo do espectador com o filme, em especial quando está em companhia de Lisbeth.

Essa por sinal, é brilhantemente vivida por Rooney Mara, de forma diferente do original sueco. Se Noomi Rapace fez de Lisbeth uma figura sombria e que era indecifrável, Mara fez de Lisbeth uma garota igualmente complicada mas que está tentando encontrar ligações com a humanidade, apesar de ter uma história de vida complicada. Outra mudança é que Rapace era mais seca e seu envolvimento com Mikael é direto e objetivo, enquanto Mara apesar de seca tem em seu olhar uma característica mais compreensiva e mais humanizada em relação ao filme original. De qualquer forma, Mara tanto por sua transformação física (auxiliada por uma ótima maquiagem que incluí tatuagens, piercings e um corte de cabelo ousado) quanto por sua ousadia em se apresentar de forma tão "lavada" no filme, merece sim os elogios dados pela imprensa internacional.


Os demais coadjuvantes (muito bem escolhidos) não comprometem. Plummer, um ator que voltou a ganhar seguidos papéis depois de idoso, faz de Henrik um sujeito apaixonado pela vida e por sua sobrinha desaparecida, enquanto Stellan Skarsgard faz de Martin, o CEO da empresa Vanger, um sujeito divertido e boa praça, sempre pronto a ajudar Mikael, o que obviamente gera desconfianças do público, assim como as atitudes do advogado da empresa Gert Frode (Steven Berkoff) que surge cauteloso quanto à importância de Mikael. 


Entre as mulheres Robin Wright como a amante de Mikael e dona da revista Millenium, Erika Berger, tem pouco tempo de tela, já que se torna personagem realmente importante nos livros dois e três. Joely Richardson é outra que tem pouco tempo de tela mas sua Anita vem a se tornar peça fundamental na história. O único ponto negativo, é a forma com que o ator holandês Yorick van Wageningen construiu o personagem de Bjurman (o tutor de Lisbeth). Nos livros e no filme original, Bjurman exalava sujeira e era até viscoso. Aqui, Fincher opta por apresentar o personagem como um sujeito duro, mas que aos poucos vai se revelando um canalha. Uma opção que talvez se apóie na ideia de que os monstros estão bem camuflados em nossa sociedade, mas que para o filme faz do personagem mais fraco do que ele deveria ser.

Fincher está em grande fase. Vindo dos ótimos Zodíaco e Rede Social (Button é mesmo um acidente em sua carreira) firma-se ainda mais como um dos poucos autores no cinema comercial americano. Um sujeito que pega seu material de origem e faz de seu filme, um projeto com assinatura própria, com suas marcas e qualidades únicas. Aproveitando-se do gélido ambiente de sua história, Fincher constrói aqui mais um excelente exemplar dos filmes de serial killer, não tão intenso e visceral quanto Seven, mas sem dúvida,  merecedor de elogios e de figurar no panteão dos grandes trabalhos sobre o tema.

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