J.Edgar
(J.Edgar, 2011)
Drama - 137 min.
Direção: Clint Eastwood
Roteiro: Dustin Lance Black
Com: Leonardo DiCaprio, Armie Hammer, Naomi Watts e Judi Dench
Quando a decepção vem de alguém que admiramos, parece que ela ofende mais. Talvez se J.Edgar fosse dirigido por um cineasta qualquer não me sentiria tão irritado com o filme. Se o diretor fosse outro, que não Clint Eastwood, talvez até entendesse melhor algumas ideias do filme, ou suas intenções. Mas, vindo de alguém que está a tanto tempo no cinema e que é responsável por uma serie de grandes trabalhos, J.Edgar é sem dúvida um dos filmes mais patéticos do ano (sim, e estamos só em janeiro).
Apostando na frágil ideia de contar a historia de seu personagem principal a partir de flashbacks do mesmo enquanto narra seu passado no intuito de contar suas memórias, J.Edgar é um convite a irritação e ao incômodo.
Irritação causada pelo frágil, covarde, raso e reacionário roteiro assinado por Dustin Lance Black (surpreendentemente o mesmo autor de Milk, que é o oposto na questão de ousadia) que usa a ideia dos flashbacks como muleta para evitar tocar em feridas mais doloridas, como a perseguição doentia de Hoover a Hollywood, sua alegria quase orgástica ao descobrir os podres dos poderosos e sua moral doentia e hipócrita. Não que o personagem seja apresentado como um herói, mas as cores que Eastwood pinta Hoover são suaves demais para o personagem mostrado. É como fazer um filme sobre Genghis Khan e mostrar os massacres feitos em sua conquista, justificando-os como "mas ele tinha, no começo, um ideal honesto".
Claro que o FBI, e as policias mundo afora tem uma divida com Hoover, já que foi a partir de seus esforços que as digitais e os métodos de analise forense foram incorporados ao dia a dia das investigações policiais. Mas, novamente usando o subterfúgio do flashback contado pelo biografado, o filme perde uma enorme chance em mostrar o ponto de vista do próprio Hoover em relação a momentos mais questionáveis de sua vida. Outro problema até de caráter moral é o filme claramente colocar o presidente americano Richard Nixon como alguém pior do que Hoover em determinado momento da projeção. No mínimo, e sendo muito, mas muito gentil com ambos, são farinhas do mesmo saco, dois personagens nefastos da história americana.
Já o incomodo surge pela maneira caricata com que o relacionamento dele e de seu amante Clyde Tolson (Armie Hammer) é mostrado. Ok, compramos a ideia de que Hoover jamais se assumiu homossexual, compramos também o fato de que sua adoração pela mãe (que rende momentos de profundo mau gosto, com Hoover experimentando as roupas da própria mãe falecida) fazia com que ele tivesse um medo brutal de sentir-se dessa forma, mas mesmo assim é impossível comprar a relação distante e platônica entre os dois. Não é possível crer que em um relacionamento de mais de trinta anos, ambos permaneceram castos.
Por outro lado é impossível negar que Hammer, está muito bem como Tolson. Seguro, intenso e mesmo brutalmente atrapalhado por um dos piores trabalhos de maquiagem recentes, ainda assim consegue sair-se bem. O mesmo não pode ser dito de Naomi Watts, aqui vivendo a secretária de Hoover, que é uma mera figura decorativa, que nunca se impõe, aconselha ou mesmo surge como ponto de equilíbrio para o famigerado personagem. Sempre que está em, tela, Helen Gandy parece ser uma empregada do início do século XX, que mesmo relutante serve a seu senhor sem pestanejar. Falta conflito, falta intensidade. O mesmo problema da brilhante Judi Dench (vivendo a mãe de J.Edgar), que tem pouco tempo para demonstrar todo o seu domínio psicológico sobre Hoover.
DiCaprio está bem, é verdade, mas longe de figurar em uma lista de melhores do ano. Sua figura não ajuda a dar credibilidade ao personagem biografado, surgindo sempre como um sujeito jovem em um corpo de velho, auxiliado por uma maquiagem estranha, porém eficiente. Longe da intensidade de um Ryan Gosling em Tudo Pelo Poder, por exemplo, um ator que certamente não estará na lista dos indicados ao Oscar, sendo substituído por Leonardo.
Clint por sua vez parece acovardado. Parece ter sentido a dificuldade de contar essa história, e mesmo tendo a feliz ideia (quase no final do filme) em mostrar que talvez o que tivéssemos vendo não fosse a verdade legitima dos fatos, isso só deixa mais dúvidas a respeito de suas intenções com o filme.
Afinal, para quem Clint fez o filme? Para si, chegando ao final da vida e preocupado com o julgamento que a historia dará a ele e a seu trabalho, portanto nada mais justo do que se solidarizar com um "monstro" que nunca foi ouvido? Para um público, especialmente nos Estados Unidos, reacionário e órfão de líderes que "defendem a América" (o discurso sobre a falta de aprendizado da América com os problemas sociais do passado, utilizando-se de imagens das revoltas civis nos anos 60, é perturbador) ? Ou para os liberais que podem enxergar o filme como o retrato de uma mente profundamente perturbada e que via tudo e a todos como inimigos a serem combatidos?
De qualquer forma, todas essas interpretações (e mais algumas certamente) podem encontrar espaço em J.Edgar, que tem como único fato inalienável, a constatação de que durante toda a sua vida, Hoover viveu um amor proibido para seus termos e ideais, e que se talvez tivesse sido menos intolerante consigo mesmo, pudesse ser visto hoje com menos ranço e ódio.
Ainda não sei exatamente o que pensar a respeito de J.Edgar. Minha reação foi de fúria ao deixar a sessão, mas ela vem se amenizando, e apesar de não retirar nenhuma vírgula a respeito dos vários problemas do roteiro do filme, passo a enxergar o esforço hercúleo de um acovardado Eastwood, para manter-se independente de pré-conceitos ao contar sua história (e dai talvez venham tantas interpretações ao filme) o que resulta em um filme estranho de ser analisado. Hoje, o considero um dos grandes desastres da carreira do diretor, mas não estranhem se em alguns anos, quando o rever (coisa que certamente o farei) pinte com cores mais brandas o retrato de J.Edgar
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