quarta-feira, 29 de setembro de 2010

Feliz Natal
(Feliz Natal, 2008)
Drama - 100 min.

Direção: Selton Mello
Roteiro: Selton Mello e Marcelo Vindicato

Com: Leonardo Medeiros, Darlene Glória, Graziela Moretto, Paulo Guarnieri e Lúcio Mauro

Selton Mello talvez seja o ator mais importante do cinema nacional. Talvez, porque afirmar isso categoricamente além de ser um exercício de arrogância tremendo, pode ser perigoso, já que todo grande - e mesmo os medianos - ator precisa de bons papéis que sacramentem sua condição e seu talento.

Sabendo disso, é que Mello (vislumbrando o futuro, talvez) trás ao público Feliz Natal, sua estréia por trás das câmeras. É nítido, mesmo aos leigos, que a maior preocupação de Mello são seus personagens, aquela gente perturbada que por quase uma hora e meia ilumina a tela trazendo a tona problemas e situações que muita gente deve ter passado. É claro que Mello - e aqui cabe um elogio de cara - é deverás inteligente ao incutir em cada personagem características "over acted" que auxiliam na identificação do público com a história.

Na prática isso quer dizer que, ao embutir nos tipos de seu filme características excessivas ele consegue aquele laço (quase intransponível em alguns momentos) entre a história e o público, já que esse último consegue gostar do que vê, se colocando numa posição cômoda, ao identificar-se com aqueles personagens de maneira superficial e (por cada elemento estar nessa esfera mais exagerada) ainda assim manter-se numa posição de superioridade que julga de maneira vil e arrogante a história a sua frente.


Se o público vê um fac-símile de sua vida retratado em tela, dificilmente ele compra aquela idéia, já que o choque de realidade é tamanho que afasta aquela sensação de entretenimento que é fundamental quando se conta qualquer história ficcional. Caso o espectador queira ver um retrato real da vida, ele busca (quem se interessa por isso) um documentário.

Por isso, julgar qualquer filme mais cru de "retrato fiel da vida" é uma bobagem, e os grandes nomes do cinema independente sabiam muito bem disso. Selton Mello parece ter entendido a mensagem e referencia por diversas vezes a obra de John Cassavettes e Dogma 95. De Cassavettes, por exemplo, ele tira os diálogos realistas, a invasão da psique dos seus personagens e a personagem de Darlene Glória que parece muito com a vivida por Gena Rowlands em Mulher Sob Influência. Ambas são mulheres em estado de insanidade e que fazem aqueles ao seu redor se sentirem desconfortáveis a seu redor. Do Dogma 95, vem a estética granulada e "imunda" de filmar, com muita câmera na mão, closes e super-closes e a fotografia que usa apenas luz natural, inclusive nas cenas noturnas. Porém Mello não é xiita e por diversas vezes aposta (com resultados positivos na maioria das vezes) no uso de trilha sonora e até de interlúdios musicais.


Os atores estão - todos - bem. Bom ver de volta ao cinema Paulo Guarnieri que rouba a cena a cada aparição como o frustrado e depressivo Theo. Um cara que tenta encontrar saídas onde elas não existem e tenta unir o que já foi quebrado. Darlene Glória, já citada, compõe Mércia como uma mulher perdida e esquecida pelo tempo, num paralelo curioso e inteligente com a carreira da própria atriz. Leonardo Medeiros que é muito melhor no cinema do que na televisão é um homem amargurado e que usa o natal - essa festa melancólica por excelência - como terapia para expurgar de vez seus fantasmas, e Graziella Moretto tenta trazer o filme ao chão, sendo de todos os personagens, aquele que mais se parece com alguém de carne e osso, e talvez aquele que o espectador, imagino que por esse motivo, tenha mais dificuldade de se relacionar.

O maior trunfo para com que seu quarteto de atores funcione bem é seu texto, que é ferino, sensível e bastante natural. Uma pena que o desenvolvimento da narrativa seja o calcanhar de Aquiles da produção.


Apesar de as idéias estarem lá, e no fundo o filme falar sobre situações que somente a vida pode consertar, ele perde tempo com os interlúdios que funcionam, visualmente muito bem, mas que deixam uma sensação de "por quê ?". Qual a necessidade narrativa de partir para isso? O que motiva essa escolha?

Essas opções surgem descompassadas e apesar de obterem resultados visuais acachapantes (notem a cena em que a ceia de Natal é consumida pelas moscas) não funcionam tão bem quanto ao andamento da história, parecendo uma longa procissão rumo ao vazio. Mesmo quando se revela o motivo para que Caio (o personagem de Medeiros) seja considerado um pária , pensamos "é muito barulho, mas muito mesmo, para uma explicação tão rasa". Não que seja algo banal, mas o personagem já cumpriu seu calvário e todos ao seu redor o tratam quase como um verme nocivo. Interessante ao retratar o que uma mancha numa colcha branca pode representar, mas vazio quando vemos que tudo ao seu redor é, talvez, mais sujo do que qualquer mancha que Caio possa representar.


Talvez esteja ai o mérito do filme: apresentar tudo sem hipocrisia. Tudo é sujo, tudo é escurecido e apodrecido pelo tempo e pela vida. Mello conseguiu um debut bastante interessante, que apesar das falhas pontuais mostra-se uma história inteligente, intrigante e muito cruel, assim como a vida pode ser.

 

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