Garotas Fora de Rumo
(Havoc, 2005)Drama - 85 min.
Direção: Barbara Kopple
Roteiro: Stephen Gaghan e Jessica Kaplan
Com: Anne Hathaway, Bijou Phillips, Channing Tatum, Michael Biehn, Joseph Gordon-Levitt, Matt O'Leary e Freddy Rodriguez
Stephen Gaghan é um bom escritor, isso é inegável. Ele tem em seu currículo o espetacular filme panorama Traffic e o competente porém mal-explorado Syriana. Um escritor que eu não diria que é irregular, mas um cara competente que cometeu pequenos erros. Porém, quando vemos Garotas sem Rumo, nem reconhecemos Gaghan direito. Afinal, é fácil notar a forma panorâmica e de introdução que vemos no início do filme, mas é difícil perceber algum traço da genial construção de personagens de Syriana e Traffic. Quando Gaghan tenta se aprofundar em algo na película, nada dá muito certo. Talvez dê pra colocar a culpa em Jessica Kaplan, dona do primeiro roteiro que ganhou o tratamento de Gaghan em 2003, ano da morte da garota, num acidente de avião. E aí, tudo até ficaria bem compreensível: Kaplan escreveu o roteiro baseado no que ela via no dia-a-dia, com 14 anos, cometendo falhas de construção de roteiro que só poderiam ser explicadas por um roteiro escrito por uma amadora dessa idade.
Porém, apesar de parecer um filme bem fraco, uma tentativa pior ainda de Aos Treze, o filme tem seus méritos. Algumas cenas, principalmente as iniciais, demonstram uma boa ambientação ao mundo das aparências de Los Angeles e da fútil vidinha rica dos adolescentes de lá. Além disso, situações são demonstradas muito bem, apesar da clara falta de realismo. Mas lá pro minuto 20, aparecem algumas incongruências que fazem o filme derrapar, mas jamais implodir.
A trama segue os adolescentes de Los Angeles e suas emoções, suas insatisfações com a vida e com seus pais, uma espécie de Patricinhas de Beverly Hills pesado e dramático. Encarando um modo de vida alternativo por medo de viver uma realidade desoladora e angustiante (para eles), um grupo de jovens capitaneados por Allison (Anne Hathaway) e Em (Bijou Phillips) prefere o modo gangster de viver, imitando porto-riquenhos e negros que são os chefes do gangsta way of life nos USA. De seu modo de vestir até seu modo de falar e se comportar, os jovens exageram a ponto de dizer que gostam muito mais de sua personalidade caricata e exagerada de gangster do que sua própria existência como brancos. Porém, quando está saindo com a "gangue", Allison vê que seu namorado Tob (Mike Vogel), quando vai comprar uma droga, acaba sendo ridicularizado pelo gângster porto-riquenho Hector (Freddy Rodriguez). A partir daí, Allison vê que seu mundo é apenas de mentira e que os verdadeiros gângsters estão nas ruas, longe do mundinho rico e restrito da alta Los Angeles. Começa a aproximação de Allison e Em até os porto-riquenhos.
O filme parece seguir por uma linha em que vai mostrar a realidade nua e crua dos mimados adolescentes entediados, condenando esse modo de vida, mas o texto de Gaghan parece estar mais preocupado em humanizar os bandidos do que condenar a ação de Allison e seus amigos. Até aí, tudo bem, afinal o texto se assume no final, quando Hector diz para Allison: "Você não é real, eu sou real, nada em você é real". Trata-se então, claramente, de um filme que quer distanciar os gangsters poser dos de verdade. Porém, a veia do filme-denúncia aparece claramente (e não é só uma vez). No final do filme, é passado novamente o vídeo gravado por Eric (Matt O'Leary), um sinal de que esse cinema quer contar uma história, mas quer conscientizar os mimados da alta roda que querem ir pro gueto. Logo, já soaria meio indecisa essa decisão do filme em atirar pra todos os lados.
A coisa piora quando é constatado que o texto de Gaghan não só atira pra todos os lados, como fica na superfície de todos eles. Temos um caso paradoxal de rico que quer ser bandido, que é exemplificado pela conversa de Allison e Eric. Enquanto Allison parece só discursar como uma vadia mimada que quer apenas um pouco de emoção, Eric tenta alertá-la sobre sua patética vida. A discussão poderia, sim, abrir uma brecha pra um momento de introspecção da personagem, mas corta-se logo isso quando na próxima cena, vemos Allison indo ao gueto, sem ao menos pensar sobre o que diabos ela estaria fazendo. Podendo investir num lado dramático, que se aprofundaria em construção de personagens, o roteiro nega isso por ter uma precária construção e se preocupa mais em ser um GTA poser. Continuando sua empreitada por atirar pra tudo que vê e nada acertar, Gaghan então cria um final para a jornada de Allison e Em. Porém, esse fim depende de um apego prévio aos personagens, pra potencializar o que está ocorrendo na tela, coisa de que o filme carece. Afinal, o final do filme começa com cerca de 50 minutos, o que impede a mínima preocupação com o personagem. O espectador fica, sem dúvida, nem aí pro que vai acontecer com as protagonistas.
Já o lado caricatual que citei no início do texto, é uma constante em Garotas sem Rumo. Gaghan escreve as passagens iniciais, de introdução, com certa destreza, criando uma atmosfera necessária. Porém, é nos personagens que o roteiro volta a escorregar. Criando personagens caricatuais e que não demonstram a mínima empatia, aliado ao fato de eles brotarem e sumirem na tela inexplicavelmente quando o filme muda para a discussão moral de Allison e Em, o roteiro falha nesse quesito, apenas entretendo rapidamente com essas passagens que poderiam até chocar, mas são risíveis. A bagunça se intensifica em uma emblemática cena final, que três gangsters ricos miram suas armas pra câmera, falando como bandidos de TV e prometendo vingança com frases de efeito que não colam e SE LEVANDO A SÉRIO. Sim, um filme que escreve o caricato e é atuado de forma séria. Um drama risível, sem focar em um só tema.
Depois de tantos erros, seria difícil apontar um só acerto em Garotas sem Rumo. Mas justamente o fato que tanto prejudica o filme de se tornar marcante é o que torna ele, mesmo forçando a barra e sendo generoso, aceitável. Por fazer várias perguntas e criar uma atmosfera de um legítimo GTA, o roteiro se torna uma experiência que, quando não se leva a sério, diverte de forma quase sádica os cinéfilos que procuravam naquilo TUDO, ABSOLUTAMENTE TUDO, menos um filme caricato sobre um tema tão sério quanto a incursão de pessoas com oportunidade no mundo da criminalidade. Rir pra não chorar é o grande lema pra se assistir Garotas sem Rumo. Umas parcas ceninhas boas não salvariam o filme do ridículo não fosse essa epifania de qualidade ás avessas, uma incursão inconsciente no caricato.
Tecnicamente, o filme apresenta um novo paradoxo. Temos a direção de Barbara Kopple, que alterna de forma estilosa entre o documental de um Traffic e o agressivo de um Escafandro e a Borboleta, criando alguns momentos que são registrados de forma precisa e cinematograficamente satisfatórios. Acompanhando a direção, temos uma edição precisa, que lembra trabalhos consagrados como o de Traffic. Porém, o paradoxo se cria quando temos uma ridícula fotografia que emula vários telefilmes toscos de Los Angeles. Se um Dante Spinotti conseguiria tirar nuances espetaculares dessa verdadeira metrópole, nesse filme o máximo que conseguimos é um clima interessante em algumas cenas noturnas, uma fotografia suja e esverdeada que apesar de boa, demonstra a falta de uniformidade fotografica, alternando entre o OK e o ridículo. Se mudanças bruscas de fotografia geralmente podem ser espetaculares nas mãos de alguns caras competentes, aqui soa imbecil e patético, uma tremenda barbeiragem. Pífia, uma fotografia que extrai uma ou duas boas imagens, mas falha grandiosamente em extrair 85 minutos de pura falta de estética.
Aliada a essa fotografia, temos a trilha sonora. E aqui temos um caso peculiar: O tema do filme estragou grandiosamente o talento do compositor. Cliff Martinez, ótimo compositor dos filmes antigos do Soderbergh, é conhecido por seu talento em criar melodias minimalistas e contemplativas nos filmes de circuito independente, onde ele opera. Logo, são criadas trilhas marcantes e leves como Solaris e Narc. Se Cliff segue uma linha do gênio Clint Mansell na trilha construída, sua escolha de músicas teve de ser restrita. O filme trata sobre a cultura do hip-hop. E é extremamente triste ver tanta música ruim e mal introduzida por um cara tão completo como Martinez, o que soa risível o fato dele estar DESCONFORTÁVEL em seu trabalho. Acho que a dificuldade de um homem estar desconfortável no trabalho que ama é tão grande que isso só poderia ocorrer num festival de bizarrices extremas e contrastantes como Garotas sem Rumo. Se o roteiro já é uma salada que não se decide entre o tosco e o imperdível, a estética do filme só reforça esse lado. Parece até mesmo um trabalho independente e ruim de um Linklater, com direção boa, mas uma fotografia baratíssima.
As atuações de Garotas sem Rumo são, como tudo no filme, um festival que vaga em algum lugar entre dois espectros distintos. Anne Hathaway, aqui recém-saída da "franquia" Diário da Princesa, está em plena ascenção. No mesmo ano de sua atuação boa em Brokeback Mountain, a atriz já prova que tem competência e tem o melhor papel do elenco, mesmo sem passar do aceitável. Algumas cenas, como a do quarto com Em, exigiam uma atuação desmitificadora, uma nova chance que o roteiro dava ao filme de seus personagens ganharem profundidade. Porém, o próprio texto não segura a cena e nem Anne consegue fazer muita coisa. O texto tenta tanto, de todas as formas, estragar o filme que Anne começa a cantar uma música de rap em vez de se aprofundar no âmago do personagem. Se pensarmos que aquela ali não é uma profissional competente como Anne Hathaway e é uma atriz qualquer de filmes independentes baratos, poderemos achar genial. Bijou Phillips, egressa dos filmes do diretor Larry Clark e conhecida por seu papel em Hostel Part II, mantém seu padrão. Nada além do normal, mas interessante. Freddy Rodriguez se sai melhor, atuando de forma aceitável como o gângster, passando realismo.
Porém, temos inexplicáveis atuações de Joseph Gordon-Levitt e Channing Tatum. Os dois atores, principalmente o cada vez melhor Levitt, tem competência suficiente pra segurar um papel, por menor que ele seja. Mas aqui, as atuações são tão caricatuais, tão falsas, tão estúpidas, que não dá pra achar nem um pingo de realismo naquilo. Levitt, quando perguntado se gosta de alguma coisa "branca" nele, fala que prefere tudo dos negros, mas só gosta de seu traseiro branco. Nada além de um "What the Fuck?!" pro momento. Se passasse pelo menos com realismo esse seu sentimento, tudo soaria absurdo mas realista, o que chocaria. Porém, Levitt parece ter tanta confiança naquele texto estranho e caricato que Gaghan escreveu que acredita de forma debochada naquilo, atuando de forma entre o automático e o bizarramente esdrúxulo. Já Channing Tatum está mais inexplicável ainda, levando em conta o fato de que ele deve aparecer em 5 minutos de filme, sem a menor relevância, servindo como um brucutu que serve de escada pra ridícula cena do quarto de hotel, que envolve Mike Vogel, Tatum e Levitt.
No veredito, é duro aceitar o que Garotas sem Rumo quer passar. Tem atuações burocráticas, uma estética que não se decide entre o elegante e o kitch e um roteiro que mira todos os pontos que pode, mas não se aprofunda em absolutamente nada. Um legítimo filme que fica na superfície. E, que por isso, ganhe alguns pontos. Insinuando um milhão de coisas, Garotas sem Rumo pelo menos entretem. E quando digo isso de um drama que joga com o filme-denúncia e o estudo de personalidade, é bizarro demais. Talvez por um sentimento sádico e uma extrema boa vontade de minha parte, em considerar que a entrada inconsciente no mundo caricatual que o roteiro tem, seja plenamente compatível com a situação das protagonistas. Force a barra e considere que todos aqueles personagens estão atuando de forma tosca propositalmente. Apenas assim para considerar Garotas sem Rumo uma experiência digerível.
Ainda não conferi, mas é impressionante as críticas negativas que o filme contém....
ResponderExcluirAbs.