Inception: escher audio-visual
O inglês Cristopher Nolan talvez seja o mais intrigante diretor do cinema americano recente. Tem arquitetado com maestria filmes que conseguem algo dificílimo: serem autorais e altamente criativos sem nunca perderem o cobiçado potencial comercial. Filmes pipoca de qualidade. De muita qualidade.
Com este novo “A Origem”, Nolan mostra-se confortável em seguir a mesma linha de seus filmes antecessores, as espetaculares re-invenções do homem-morcego “Batman Begins” e “O Cavaleiro das Trevas”. Entrega um filme de visual sombrio, cheio de cenas de ação espetaculares e efeitos visuais incríveis. E o melhor: tudo isso costurado por um roteiro engenhoso e muito bem articulado.
Tinha ouvido de algumas pessoas que “Inception” pecava por tentar ser esperto demais e acabar mesmo sendo muito confuso. Confesso que esta opinião acabou servindo como “alerta”. Entrei no cinema de certa forma sugestionado (o que eu odeio, diga-se de passagem), esperando um filme cheio de idas e vindas, que arrogantemente se pressupunha brilhante em sua teia narrativa e no final só fizesse mesmo afastar o espectador, que é constantemente reafirmado de seu papel de observador, lutando para encontrar sentido naquilo tudo – “Sinedóque, New York”, de Charlie Kaufman, por exemplo, teve exatamente este efeito em mim.
Surpresa boa. “A Origem” desafia o espectador, é verdade, mas em momento algum torna-se confuso demais a ponto de dar um nó insolúvel em nossas mentes. Os nós aqui são propositais e temos todas as ferramentas necessárias para desfazê-los, pouco a pouco, participando do filme. A trama constrói sua complexa estrutura narrativa em um universo em que é possível “entrar” nos sonhos das pessoas; artifício utilizado por Cobb, personagem de Leonardo DiCaprio e sua equipe para roubar idéias e descobrir segredos industriais. Essa premissa de “vida dentro dos sonhos” poderia dar carta branca para Nolan tomar praticamente qualquer rumo com a historia e se permitir as mais inverossímeis surpresas. Mas é aí que está o grande trunfo: o diretor cria “regras” que permeiam esse universo absurdo; normas que fazem com que tudo aquilo se torne crível dentro deste set-up irreal e isso deixa tudo ainda mais interessante.
O ponto de partida da trama é um grande desafio proposto à equipe de DiCaprio por um importante empresário japonês (interpretado por Ken Watanabe): ele os contrata não para roubar; mas para implantar uma idéia na mente de seu maior concorrente. As regras que Nolan criou estabelecem que realizar este feito é bem mais complexo do fazer aquilo que os ladrões de idéias já estavam acostumados – segundo o filme, para que uma idéia seja plantada em uma mente de forma eficaz, é necessário que a “vítima” não consiga fazer distinção entre aquilo que foi levada a pensar e o que era genuínamente seu. Por isso, o grupo precisoair fundo no subconsciente; algo difícil e arriscado. Temos aí um conflito. A historia vai em frente e Nolan subverte algumas das regras que ele mesmo criou, aumentando os riscos e elevando a tensão; mas faz isso de maneira verdadeiramente brilhante. Não se trai e, mais importante, não trai o espectador.
Leonardo DiCaprio entrega mais uma excelente performance, ainda que note-se a todo tempo ecos de seu Teddy Daniels, detetive atormentado que busca por respostas no estranho “Shutter Island”, de Martin Scorserse. Mas ele não rouba a cena sozinho. O elenco “de apoio”, que compõe o time de profissionais que embarca neste absurda missão é composto por atores de peso. Ellen Page abandona a adolescência de sua Juno e entrega uma estudante de arquitetura contratada para projetar o visual dos sonhos que eles irão invadir. Sua personagem é também a forma como Nolan nos situa no universo imaginado por ele: como é nova na equipe, é ela quem verbaliza todas as perguntas que estão pipocando em nossas mentes conforme a historia vai em frente; descobrimos com ela este novo universo e isso nos aproxima do filme. Joseph Gordon-Levitt (do excelente “500 Dias com Ela”) também se destaca como o responsável pela pesquisa sobre a vítima em questão e serve de alívio cômico em parceria com o ingles Tom Hardy (de “RocknRolla”), o grande estrategista do grupo, cuja função é pensar nos mais criativos modos de driblar a mente explorada e penetrá-la cada vez mais profundamente. Para completar temos ainda uma ponta luxuosa de Michael Caine como o pai de DiCaprio e a incrível Marion Cottilard (a eterna “Piaf”) em um papel misterioso, que explora o caráter lúdico do filme – afinal estamos sim, em um filme sobre sonhos. Ela interpreta a mulher de DiCaprio, uma presença constante na mente e nos sonhos do personagem e tema de seu grande conflito existencial, que coloca seus companheiros em grave perigo e pode colocar toda a missão a perder.
Temos um filme fantasticamente elaborado, que utiliza-se do impacto visual não só explorando seu potencial estético, mas como importante ferramenta narrativa. A seqüência em que a personagem de Ellen Page descobre como manipular e construir os ambientes dos sonhos é memorável, sem contar nas inúmeras cenas que fazem referência ao trabalho do artista gráfico holandês M. C. Escher, famoso por obras que desafiam a lógica matemática das dimensões e da proporção. Somam-se a isso, cenas de ação de tirar o fôlego, personagens elaboradíssimos e, acreditem, ainda uma dolorosa história de amor e a busca de um homem por redenção. “Inception” não é um filme-cabeça. É uma historia muito bem elaborada a partir de uma premissa interessante e que utiliza-se da complexidade desta premissa para manter o espectador fisgado pela história do início ao final (brilhante, diga-se de passagem). Nem em sonho vê-se cinema Hollywoodiano desta qualidade com a freqüência que gostaríamos de ver.
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