terça-feira, 3 de maio de 2011

Thor
(Thor, 2011)
Ação/Aventura - 114 min.

Direção: Kenneth Branagh
Roteiro: Ashley Miller, Zack Stentz, Don Payne, J. Michael Straczynski e Mark Protosevich

Com: Chris Hemsworth, Natalie Portman, Anthony Hopkins, Tom Hiddleston, Stellan Skasgard

Depois de Blade, lançado em 1998, Hollywood percebeu que o público poderia se entreter novamente com super-heróis, após o declínio do gênero após Batman & Robin e a ausência de Superman nas telas. O rio de adaptações que vieram depois não foi totalmente saudável para as histórias em quadrinhos. Se Homem Aranha veio como um das mais belas adaptações do gênero, A Liga Extraordinária e Do Inferno assassinaram a obra de Alan Moore. A Marvel havia entrado na onda dos filmes já com Blade e após isso, desesperada pela crise econômica na empresa, vendeu seus direitos de personagem por preços baixos para a Sony e a Fox. Enquanto a primeira realizou a lucrativa franquia do Cabeça de Teia, a segunda lançou os competentes X-Men e os limitados Quarteto Fantástico e Demolidor. Porém, a Marvel ainda tinha muitos heróis para serem adaptados. E se a DC tinha controle sobre suas obras (em virtude da mesma ser uma divisão da Warner, que as adapta pras telonas) porque a Marvel não poderia também? Nenhum dos Vingadores havia sido trazido a vida. Lançou-se o Marvel Studios.



A iniciativa é espetacular. Diferente dos filmes meramente lucrativos e fechados das distribuidoras, a Marvel tinha controle criativo sobre os roteiros, sem ter que ver seus melhores personagens virarem meros blockbusters de verão nas mãos hollywoodianas. A bela estratégia de criar um Universo inteiro só da Casa de Ideias nas telas é maravilhosa e teve seu primeiro passo com Homem de Ferro, o excelente hit de 2008.



Após o filme do Hulk e a sequência do ferroso, o Universo deveria expandir. E a decisão de lançar Thor agora é ousadíssima, já que é hábil em abrir os horizontes do Universo e ainda introduz o mundo mágico da editora nos cinemas, coisa que os científicos filmes de 2008 e 2010 não eram. Protagonizado por desconhecidos (Chris Hemsworth e Tom Hiddleton), o projeto é um passo no escuro para o bem-sucedido comercialmente estúdio. O desnecessário 3D nada mais é que uma garantia maior de lucros. E é bom ver que se Homem de Ferro e Hulk foram bem sucedidos ao apresentar bem os personagens ao público e manterem suas características pros fãs, Thor cria um boa lógica pra se adaptar aos desejos comerciais e aumentar o Universo Marvel introduzindo muito bem o personagem mais complicado da editora. O problema principal do filme, porém, é justamente essa lógica.


Em termos de adaptação, os fãs podem ficar tranquilos. Thor é vivido com grande presença por Hemsworth e tem seu espírito e essência idênticos ás HQs, com uma construção formidável no excelente início do filme. Algumas passagens ecoam o visual e narrativa das histórias mais originais de Stan Lee, o que é um tremendo acerto. O visual de Asgard, aliás, está fidelíssimo ao material de origem e cria um belíssimo espetáculo nas sequências fantasiosas. As tomadas aéreas do lugar são de tirar o fôlego, com uma direção de arte impecável ao retratar o cenário com tons fortes, desde o vermelho ao dourado, esse último uma constante na riquíssima Asgard. As internas do local são ótimas também, com tons escuros e que ostentam uma oportuna nobreza.



Já os grandiosos salões, dourados e sempre recheados com os habitantes da cidade(vestidos com os lindos figurinos), são o palco pras melhores partes do filme. A interação entre Odin, Thor e Loki é emocionante por abordar com precisão a energia carregada de culpa que a conturbada relação entre pai e filhos leva. A boa performance de Hemsworth e as inspiradas atuações de Hiddleton e Hopkins só potencializam essa emoção que os realizadores almejavam. Ao investir numa temática shakespeariana, captada com precisão pelas lentes tortas (falarei disso adiante) do especialista no assunto Kenneth Branagh, o roteiro de Ashley Edward Miller, Zack Stentz e Don Payne é extremamente feliz ao criar esses laços de sangue e o que eles geram no governo de Asgard. Sempre que a cidade fantástica entra em tela, a admiração pelo trabalho da Marvel cresce mais ainda. Construída com parcimônia, a mitologia em torno da cidade e os seres que a governam é o ponto alto da produção, que cria esses belos instantes que transcendem o cinemão pipoca, como a melhor cena do filme, a que Odin deserda Thor com rasgantes berros melancólicos.


Porém, se em Asgard a narrativa, os diálogos e a construção de personagens são fantásticos, nas cenas terráqueas a coisa desanda (e feio). A precariedade dos personagens é crucial pra narrativa naqueles momentos. Após a excelente cena que abre o filme, que a montagem de Paul Rubell mescla bem Terra e Asgard, as cenas com Jane Foster (Natalie Portman), Eric Selvig (Stellan Skaarsgard) e Darcy (Kat Dennings) ficam fracas. Tratados de forma ridiculamente simplória, visando uma maior identificação com o público leigo em Thor, os personagens são reduzidos a um par de adjetivos. Jane é a mera cientista interesse romântico do herói, que senão fosse vivida com tanto talento por Natalie, seria uma pateta. Eric é o doutor preocupado em demasia, a contraparte controlada da destemperada Jane. Darcy é a "besta"e alívio cômico. Isso atrapalha bastante o interesse do espectador atento em ver os personagens percorrerem a trama, mas facilita a vida do público médio em conhecer o Universo de forma mais mastigada. Aí que se percebe pela primeira vez as fraturas da lógica comercial criada, que pode até ser eficiente pras massas, mas é falha como arte.



E se o filme oscila nessa balança perigosa do ótimo e do fraco, o roteiro apresenta a sua carta na manga: a criação do Universo Marvel, baseada em referências. Confesso que é emocionante pra um fã ver o Gavião Arqueiro em cena pela primeira vez ou ver uma espetacular luta no planeta de Laufey ou até mesmo a Ponte de Asgard que leva a outras dimensões. Além das ótimas referências aos quadrinhos, as citações ao vindouro Os Vingadores são excelentes e servem bastante para o propósito da criação. A SHIELD, representada pelo Agente Coulson (o bom Clark Gregg), está tão presente quanto em Homem de Ferro 2 e o esquema montado pela organização em torno do Mjolnir caído no deserto rende uma cena de ação das mais empolgantes. Interessante constatar, então, que Thor é um filme de origem como Homem de Ferro mas, é bom para o propósito geral do estúdio, como é Homem de Ferro 2. Na teoria, isso seria perfeito, porém a supra-citada lógica comercial freia o filme de alçar voos maiores. Se Tony Stark é um personagem que o público irá se identificar tranquilamente por ser mais palatável (anti-heróis estão na moda...), Thor é complexo e suas relações familiares são emocionalmente intrincadas. Ferro não precisou ser abrandado pra se encaixar no interesse das massas, mas Thor é diferente. E paga o preço por isso.


Na ação, porém, Thor em nada fica devendo a Homem de Ferro. A pancadaria é das mais empolgantes e Kenneth Branagh é preciso ao captá-la de maneira fluente, sem cortes rápidos. Ainda dirigindo de maneira competente as partes dramáticas, Branagh tem um bom cuidado técnico, ainda que visivelmente não queira passar nada a mais com seus enquadramentos. A grande síntese disso é seu modo torto de enquadramento, o ângulo holandês, uma constante na produção. Esse tipo de ângulo é utilizado pra ilustrar o desconforto do personagem em cena. Mas diferente de Tom Hooper, que enquadrou Colin Firth no canto da tela tentando causar desconforto e se perdeu ao enquadrar todo mundo assim, Branagh não tenta passar nada ao empregar o holandês. É estranho e chega a ser engraçado em alguns pontos, mas o enquadramento é meramente estilístico, o que não diminui a força da direção, o que quase condenou O Discurso do Rei.



O uso da câmera lenta pelo diretor é fantástico também, sem arroubos e determinando com competência momentos de emoção, como a linda parte em que Thor tenta retirar o Mjolnir da pedra (a chuva aumenta a carga dramática de uma bela maneira). Ainda que o 3D (quem puder, fuja dele) deixe mais escura a imagem, é inegável perceber a beleza da fotografia de Haris Zambarloukos, que contribui pra deixar Asgard mais austera, a Terra mais dessaturada (o filme se passa no Novo México) e as batalhas, balanceadas em suas transições de cores. Bonita, a fotografia encontra unidade até mesmo ao filmar a Ponte colorida de Asgard e produz belas imagens, como Jane, Eric e Darcy apenas nas sombras com o céu azul e laranja ao fundo, registrado em contra-plongée por Branagh.


Sendo imperfeito em suas transições ambiciosas entre Terra e Asgard, Thor termina com dignidade e consegue se sagrar como um bom filme, sendo impossibilitado apenas por contrastar tanto sua natureza fantasiosa e o apego excessivo ao público. Se enrolando em funcionar apenas como filme de origem, Thor investe no pano de fundo de ambientação no Universo super-heróico para abrir o caminho pro vindouro Vingadores com destreza, mas nos lembra de que isso, afinal, não era uma abordagem densa á um deus emocionante e sim um filme de super-herói descompromissado. Ás vezes, os super-heróis tem que ser menos pipoca e mais arte...


Não há como negar que o bom Thor é interessante e divertido, mas funciona mais pros Vingadores do que pra ele mesmo.


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