A Viagem
(Cloud Atlas, 2012)
Drama/Sci-Fi/Aventura - 172 min.
Direção: Andy Wachowski, Lana Wachowski e Tom Tykwer
Roteiro: Andy Wachowski, Lana Wachowski e Tom Tykwer
com: Tom Hanks, Halle Berry, Jim Broadbent, Hugh Grant, Ben Whishaw, Hugo Weaving, James D'Arcy, Doona Bae, Susan Sarandon
Os irmãos
Wachowski vivem à sombra de Matrix. Isso parece (pra ficar no tema do filme) um
karma cósmico que sempre nos fará comparar cada uma de suas obras com a mais
bem sucedida. O mesmo pode ser dito de Tom Tykwer, outro assombrado por sua própria
glória pregressa com o fenomenal Corra, Lola Corra. Da união dessas três mentes
surge a adaptação de Cloud Atlas de David Mitchell, um livro daqueles que o
próprio autor considerava inadaptável para a tela grande, mediante a quantidade
absurda de tramas paralelas e da tentativa de misturá-las. Digo tudo isso
baseado em comentários daqueles que leram o livro e do próprio autor.
Pois bem, A Viagem
(ou Cloud Atlas, título mais poético) narra uma serie de historias que tem como
tema provar a teoria de que estamos todos interligados, de que nossas vidas são
eternas e que nosso espaço no cosmo é infinito. Espinhoso, não? Como conseguir
filmar uma teoria de forma a mantê-la coesa e ainda sim não esquecer de que
antes mais nada, existe um filme a ser mostrado.
Saúdo os
realizadores por sua audácia, por ousarem, por pensarem fora da caixa e de
tentarem apresentar coesão em suas histórias. Mas, infelizmente, essa tentativa
esbarra na qualidade dessas histórias, em quesitos técnicos e na escolha
equivocada de manter os mesmos interpretes em quase todas as narrativas.
Comecemos
explicando de fato, o que são as "viagens" do filme: em 1849 acompanhamos a viagem de Adam Ewing (Jim Sturgees) que cruza o Pacífico da Austrália
até San Francisco para encontrar sua amada; em 1939, as vésperas da Segunda
Guerra Mundial, um prodigioso compositor (Robert Frobisher vivido por
Ben Whishaw) tenta encontrar seu caminho de sucesso enquanto mantém um caso
secreto com seu amante mais rico; na década de setenta, uma jornalista (Luisa
Rey vivida por Halle Berry) investiga uma usina nuclear prestes a ser aberta; em 2012 um agente literário (Timothy Cavendish vivido por Jim Broadbent)
precisa fugir da sua prisão imposta em um asilo; em 2144 vemos a Nova Seul
recheada de clones produzidos para servir o homem e a revolta de uma delas
(Sonmi 451 vivido por Doona Bae) contra o sistema em que vive e finalmente um
futuro muito a frente (2321 e 2346), um homem (Zachry vivido por Tom Hanks)
precisa enfrentar seus medos e levar uma estranha a um monte sagrado em sua vila,
diante de uma realidade pós-apocalíptica onde o homem vive em condições quase
neandertais.
Parece confuso não?
E principalmente como podemos conseguir acompanhar tantas historias sem nos
perder? Vendido como algo complexo e indecifrável, na verdade A Viagem é
bastante simples. Basta compreender que cada história é interligada a uma outra, que os temas são repetidos e que os personagens "dialogam" entre si,
diante da teoria da conectividade. Basicamente, quando vemos Luisa Rey (Halle Berry), lendo as cartas de Frobisher (Ben Whishaw) para seu amante, ou quando a composição de Frobisher é executada em Nova Seul, ou quando a andróide Sonmi 451 vira peça importantíssima na vida e cultura em um futuro ainda mais distante. Isso sem contar com as referências temáticas, que colocam casais trágicos, lutadores pela liberdade, sonhadores, espalhados em cada realidade.
Vale lembrar que
apesar de cada historia ter um protagonista claro, todos esses atores que
encabeçam suas historias, ao lado de figuras como Hugh Grant, Susan Sarandon,
Hugo Weaving, Keith David e James D'Arcy se encarregam de viver os coadjuvantes
de cada historia, o que para cada ator deve ter proporcionado muito trabalho,
mas uma tremenda diversão, já que Tom Hanks, por exemplo, vive um médico
cafajeste e interesseiro, um gerente de hotel mesquinho, um cientista nuclear,
um escritor mal encarado, um ator e o já citado homem simplório. Cada um com
mais ou menos importância para as tramas.
Porém, para o
filme realmente não parecer enfadonho ou cansativo (em suas mais de três horas
de duração) cada uma dessas narrativas precisaria ser de alta qualidade, o que
não é caso.
Na trama do navio, além do cenário ser praticamente o mesmo, a relação entre o personagem de Sturgees e o de Tom Hanks demora a engrenar e é
levada em "banho-maria" e mesmo com a adição de uma sub-trama que
envolve um escravo fugitivo parece vazia e com cheiro de já vi isso antes. Nem
mesmo visualmente o filme acerta aqui, já que temos uma serie de planos abertos
do navio, mas muito pouco dele em
ação. A segunda trama já é mais interessante, graças a bons
momentos de Ben Whishaw e de seu patrão vivido por Jim Broadbent. Apesar de
estarmos vendo um dramalhão típico inglês (uma quase versão de Jane Austen gay)
com direito a tragédias mil, a trama por si só é interessante. Não é inovadora
e tem cheiro de comida requentada, mas agrega valor pelos bons atores.
A pior
das tramas (e que curiosamente parece ser a que mais tem sequências de ação) é
a ambientada nos anos 70. Além da ideia da investigação ser óbvia do primeiro
ao último minuto, a revelação do segredo da usina é genérica e por mais que
possamos vê-lo ressoar em outras narrativas, é uma ideia rocambolesca demais
que não convence de sua seriedade. A trama que mais me agradou é que parece ser
a mais singela e simples de todas. Uma mistura de Guy Ritchie com comédia de
situação, sobre um molho do melhor do humor negro a trama do agente
literário de Jim Broadbent e sua fuga desesperada para escapar dos capangas de
seu escritor maluco é muito divertida e fica melhor depois que ele acaba preso
e precisa fugir.
As duas ultimas
tramas merecem um parágrafo especial já que brincam com a ficção científica,
tema que os Wachowski são muito bons (ou eram, enfim). Na trama em Nova Seul , o visual é
impecável realmente, mas novamente esbarramos em uma historia corrida demais,
em que não conseguimos nos afeiçoar aqueles personagens em especial ao caso de
amor trágico entre a clone de Doona Bae e o rebelde vivido por Jim Sturgees.
Mesmo com visual futurista bem construído, fica a impressão de que estamos
vendo um trailer muito longo de um filme inacabado. O mesmo vale para o último
segmento, que mistura um futuro a lá Mad Max na floresta com conceitos de
divindade ritualísticos, selvagens saídos da imaginação de Robert Howard ou
figurantes do Highlander original e a personificação de seres futuristas
vestidos de branco e cheios de tecnologia e em busca de respostas. Quando elas
chegam, a sensação é de vazio, e a compreensão de que as respostas não
existiam, que a tal busca era um grande McGuffin e que a historia real era a daquela
jornada. Curiosa, mas ainda assim irregular.
Percebam então que
a irregularidade narrativa mata a ideia de coesão e de unidade que é a mola
propulsora do filme. Essa mesma irregularidade é percebida nas questões técnicas.
Se os efeitos visuais futuristas são excelentes e muito bonitos de serem
vistos, a montagem de Alexander Berner é hercúlea e muito, mas muito boa, já
que consegue ir ligando as narrativas por questões visuais, mas principalmente
por diálogos que apresentam o segmento a seguir, o que pode ser visto com
alguma frequência em histórias em quadrinhos.
Erros assim, em um
filme que procura a unidade a todo o tempo, quase um alinhamento estelar para
passar sua mensagem tira imediatamente o espectador do filme, já que não é possível
crer naquelas figuras a nossa frente, mesmo levando em consideração questões
como o ambiente em que as historias se passam. Em determinado momento a
narrativa é tão fajuta que passamos a tentar adivinhar quem está por baixo de
cada camada de látex mal colocado.
Como disse acima
os atores devem ter se divertido demais com essa oportunidade, mas a ideia de manter
um mesmo elenco para interpretar praticamente todos os papéis cria um incomodo
tanto visual, como de qualidade de interpretação, já que não são todos os
atores que conseguem acertar. Hugh Grant, por exemplo, mesmo com a maquiagem ruin, está ótimo como o já
citado Jabba cover no segmento contemporâneo, mas péssimo como o dono de usina.
Já Halle Berry está mal no segmento em que é protagonista (o texto não ajuda),
mas bem no segmento hiper-futurista, e mesmo Tom Hanks é um coadjuvante mediano
no segmento do navio. O único que parece parecer incólume é Jim Broadbent,
muito bem em cada segmento.
A Viagem é uma experiência
incompleta. Perde-se na tentativa de ser profundo, de ter conceitos filosóficos
e talvez no afã de ser relevante escorregue na questão mais importante em
qualquer filme: contar uma boa história. A Viagem é formada por clipes de
filmes que variam de promissores a modorrentos, e por isso não consegue ser
mais do que uma ousada tentativa de ser diferente.
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