quarta-feira, 11 de abril de 2012

12 Horas

12 Horas

(Gone, 2011)
Drama - 94 min.

Direção: Heitor Dhalia
Roteiro: Allison Burnett

Com: Amanda Seyfried, Jennifer Carpenter, Wes Bentley, Daniel Sunjata

Desde sua estreia, o diretor Heitor Dhalia mostrou personalidade. Egresso da publicidade, Dhalia já começou com um desafio enorme. Em 2004, estreou com sua ambiciosa adaptação de Crime e Castigo, Nina. Demonstrando uma predileção pela literatura nacional, o diretor já possuía aqui a colaboração do talentoso escritor Marçal Aquino. O natural passo seguinte foi a excelente adaptação de O Cheiro do Ralo, de Lourenço Mutarelli. Se firmando como autor ao estabelecer preferências narrativas (flertes com o onírico, direção de arte suja, personagens bizarros e convolutos mentalmente), foi até uma interessante escolha a de Dhalia em dirigir um "coming-of-age" típico como Á Deriva, seu terceiro trabalho. Pela primeira vez, ali se notava certa influência estrangeira em Dhalia. Não só pela presença de capital internacional (o que rendeu a atuação de Vincent Cassel no filme), mas também pela forma com que a historia havia sido conduzida (coming-of-age é um gênero tipicamente estadunidense, à John Hughes e Sofia Coppola).

E esse jogo culmina em 12 Horas, um thriller americano desde sua raiz. Depois desse início promissor de carreira no Brasil, o paulista Dhalia conseguiu entrar completamente no mercado estrangeiro, mesmo que de forma tímida. Porém, é raríssimo quando algum estreante obtém controle criativo sobre sua obra, ainda mais quando está em um mercado que nem seu é. Para Dhalia, não ocorreu a exceção que comprova a regra: refém de um estúpido script escrito com desleixo notável, o brasileiro só piora 12 Horas ao comandar com incompetência irreconhecível o projeto.

Não que Dhalia erre por completo, claro. Introduzindo a narrativa com calma, nos atmosféricos créditos iniciais (que envolvem o espectador na história sem muito esforço), o diretor investe nas densas florestas e nos quase desabitados lugares de Portland para causar uma tensão inicial (a genérica trilha de David Buckley até ajuda), o que é uma grata surpresa. Porém, logo na primeira cena de diálogos, o roteiro de Alison Burnett já nos bombardeia com um irritante didatismo. Ao chegar em casa, a irmã de Jill logo pergunta: "Você foi ao parque novamente, não é?". Pela destreza com que a personagem abre caminho entre a mata e pelas marcações no mapa já dava perfeitamente para saber sobre as constantes idas, mas é subestimando o público a todo o momento que Burnett desenvolve sua narrativa.


E quando não está explicando seu roteiro, Burnett aposta nas formas mais esdrúxulas possíveis para desenvolver sua personagem. No jiu-jítsu, Jill perde o controle e começa a bater descontroladamente no professor; em casa, usa cada uma de suas dezenas de trancas na porta; em todo momento de tensão relacionado ao sequestro de anos atrás, um flashback explica melhor o que ocorreu. Essa falta de sutileza implode o primeiro ato da projeção de forma quase irreversível. Se Jill, em teoria, é traumatizada apenas devido ao sequestro que sofreu, isso não se faz valer na prática: a pobre protagonista age como se tivesse síndrome do pânico, claustrofobia e depressão aguda. Tudo ao mesmo tempo, toda hora.

Já que O Cheiro do Ralo era protagonizado por um atormentado e neurótico (assim como a protagonista vivida por Guta Stresser em Nina), o filme tinha em Selton Mello um ator perfeito para encarnar cada estresse que se passava na mente de Lourenço, o personagem principal. Isso nos remete á boa escolha de Amanda Seyfreid para o papel da problemática Jill, que com seus olhos grandes e sua pele pálida transmitem muito bem a gravidade do distúrbio mental de sua protagonista (esse tipo de personagem, aliás, está se tornando uma especialidade da atriz). O problema é justamente no tratamento dado ao desenvolvimento de Jill. A boa presença de Seyfreid, aliada ao overacting funcional da atriz, não serve para nada quando temos um roteiro que não sabe aproveitar essa oportunidade.

A predileção de Dhalia pelo estado mental conturbado de seus protagonistas poderia até transformar 12 Horas em um filme mais autoral. Porém, se em um produto mais ambicioso e bem cuidado a preocupação seria em estabelecer uma atmosfera bizarra para testar a sanidade da personagem em questão, aqui o foco é em resolver as peças do quebra-cabeça. Um material que se desperdiça com gosto, acreditando no ridículo teatro absurdo que é estabelecido. É impressionante como Burnett cria uma tensão em volta do sequestro (não sabemos se a irmã foi sequestrada ou não até o final) mesmo após estabelecer pistas absurdas que contrariavam o ato. Assim, 12 Horas se assemelha a filmes como O Turista, que sacrificam sua já rasa historia em prol de surpresas inverossímeis.


Aos poucos, portanto, o filme vai se tornando um suspense B do maior nível caricato possível. As tentativas de humor (ou de "humanizar os personagens do filme", como deve ter dito o manual de roteiro que Burnett provavelmente leu pra escrever) soam tolas e, ainda de quebra, quebram o ritmo da historia - o que não poderia ser pior em um thriller. Não é uma mera passagem isolada nem "forçacão" de barra: é difícil se deixar levar pela tensão quando fazem piada com Scrubs. Ou ouvindo as confidências sexuais ("Tracei sua irmã") de um policial metido a macho-alfa. A atmosfera dos créditos iniciais (que somem rapidamente) dá lugar á frases genéricas e uma galeria de personagens imbecis. "Vou dormir quando ele morrer", diz Jill para o Tenente vivido por um péssimo Michael Paré. Pouco depois, está nossa durona protagonista sacando um ostensivo .38 no meio de uma movimentada rua; sem ninguém ver nada.

Essas incongruências chegam a assustar. A falta de esmero artístico da roteirista fica evidente. O reforço policial chega em questão de cinco a dez segundos; Jill acha a Van por acidente enquanto anda de carro na rua; Amanda Seyfreid reforça sua fama de maratonista adquirida em In Time e resolve fugir a pé, correndo das unidades policiais - e consegue; fica fácil Jill enganar a polícia com quem está falando no telefone já que, ao presenciar o telefonema com Billy, os policiais nem pedem pra colocar no viva-voz; toda a polícia da cidade parece perseguir Jill; a protagonista descobre a maior parte das informações sobre o sequestrador ao consultar o vendedor da loja de conveniência já que, sim, o criminoso contou TUDO sobre a sua vida para um mero vendedor que ele não conhecia. Do carro até onde ele mora. Mas principalmente, por Deus, como uma desequilibrada, sozinha, descobriu tantas informações agora se no caso dela, há anos, a polícia nada descobriu? Desconfio, então, que Alison Burnett escreveu 12 Horas num impulso de raiva para denunciar a incompetência da polícia de Portland. Só assim pra ver algum sentido nesses intermináveis 94 minutos.

Vendo essa quantidade de buracos no script, dá pra mapear as (involuntárias) intenções do filme: optando pelas soluções mais fáceis na melhor tradição do trash (mesmo que estas não façam sentido), o roteiro só reforça o espírito B da produção. Perto dos buracos de roteiro e continuidade, o desenvolvimento de Jill Conway parece até muito elaborado.


E construindo sua lógica visual sem saber muito para onde ir, Dhalia escorrega feio e se porta como um mero diretor de aluguel estreando no cinema sob influência dos produtores. Estabelecendo planos ilógicos de grua junto com o fraquíssimo fotógrafo Michael Grady, Dhalia se porta como amador até em sua direção de atores: quando o vizinho recluso conversa com Jill, ele nem ao menos olha nos olhos dela, parecendo estar conversando com alguém ATRÁS da personagem. Acreditando na tensão que o roteiro queria passar, o diretor ainda faz com que muitos personagens secundários se tornem suspeitos por mera circunstância. Para quê tornar o dono da empresa chaveira um homem tão mal-humorado? Impossível que não seja para criar uma falsa tensão. E o que dizer da tentativa rasa de humor criada ao enfocar um colega gay de Jill com seu parceiro? Sabemos que algo está errado quando Dhalia resolve até apelar para o susto do gato preto surgindo depois do silêncio.

Errando ainda nos quesitos mais básicos de direção de arte (a Van ficou estacionada na mesma posição de onde a foto do Google foi tirada), 12 Horas é o exemplo mais extremo de quando um roteiro intrincado é escrito por qualquer patife alfabetizado. Arrogante, o filme não detecta em momento algum sua falta de inteligência e sua essência de produto descompromissado.

Pelo menos, não tomamos susto com a identidade do sequestrador; qualquer um a descobre em sua primeira (e, acreditem, quase ÚNICA) aparição. Culpa de Heitor Dhalia.

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