quinta-feira, 12 de abril de 2012

À Toda Prova

À Toda Prova
(Haywire, 2012)
Ação - 93 min.

Direção: Steven Soderbergh
Roteiro: Lem Dobbs

Com: Gina Carano, Ewan McGregor, Channing Tatum, Antonio Banderas, Michael Fassbender, Michael Douglas

Desde sua arrebatadora estreia em Sexo, Mentiras e Videotape, o diretor americano Steven Soderbergh desenvolve uma carreira que mescla trabalhos profundamente autorais (com orçamentos baixos e influência indie) e projetos com viés comercial. O que diferencia o diretor dos demais, além de sua facilidade em transitar por gêneros com a mesma competência, é seu estilo ousado que exala segurança no que se propõe. Logo, Soderbergh dirige com a mesma energia seus blockbusters como Onze Homens e um Segredo e cults complexos como Bubble - o que eleva os filmes mesmo quando seus roteiros não sejam inovadores ou engenhosos.

Com o escritor Lem Dobbs, Soderbergh trabalhou em um de seus cults menores, o suspense O Estranho. Dobbs não é um profissional com a energia de Soderbergh (seu último roteiro escrito sozinho foi justamente O Estranho, de 1999), mas é dono de um estilo de estruturação de roteiro bem interessante. No suspense estrelado por Terence Stamp, a concisão e imediatismo se faziam valer a todo o momento - e isso se tornou a marca dos Dobbs. O quê dialoga diretamente com Haywire, a nova parceria de Dobbs e Soderbergh.

Explosivo e vigoroso, Á Toda Prova é uma astuta homenagem aos antigos thrillers de espionagem. Encontrando em sua protagonista uma presença de cena excelente, que fornece mais personalidade ao filme, Soderbergh detecta os aspectos rasos e descompromissados do roteiro e aproveita para construir uma ação bem coordenada e criar um explícito exercício de estilo que se apropria de todas as regras do gênero de forma consciente.




Acertadamente, o diretor já nos introduz os personagens com o intuito de desenvolvê-los através de sua ação, o que é essencial em um filme que não para completamente em nenhum instante. O olhar frio e concentrado de Mallory Kane analisa todo o café do prólogo como algo natural, corriqueiro. É a técnica que fora questionada por Jason Bourne no primeiro filme de sua série, aplicada da maneira correta. Não tarda para, após um tenso diálogo (especialidade de Dobbs, vale ressaltar), Mallory demonstrar toda sua destreza no combate corporal - e os confrontos de Haywire, especialmente esse inicial, são crus de uma maneira satisfatoriamente intensa. Para obter essa surpreendente verossimilhança, Soderbergh usa até da mixagem de som para obter o efeito necessário (repare como o abafado som do tiro no café causa angústia justamente por ter sido desenhado de forma realista).

Mas se o realismo é o foco da ação de Soderbergh, o mesmo não pode se dizer do roteiro. Dobbs cria uma trama rasa, obviamente exagerada, que serve como saudosista ode aos exemplares de espionagem (de forma consciente, vale ressaltar). O motivo da traição á personagem é previsível, assim como a estrutura do script; as motivações tem - como sempre - um fundo financeiro; as operações da empresa de Kenneth são elaboradas, mas retratadas da maneira mais simples possível. Essa motivação de Dobbs na concisão se demonstra mais clara ainda mais clara na vasta galeria de personagens arquetípicos do filme: temos o matador, o chefe da firma, o misterioso contratante, o informante, o espião-antagonista, o civil diante do caos e, claro, o obscuro mafioso.

Nessa mescla de abordagens, Soderbergh e Dobbs equilibram o filme. Se o roteiro não se aprofunda em questões morais ou emocionais, cabe á direção se aprofundar na ação. As operações são elaboradas, mas não tem medo para desencadear um tiroteio no meio da rua. Uma perseguição em especial, de Mallory fugindo nas ruas da Irlanda, é brilhante em sua construção. Extensa, a sequencia começa cadenciada e tensa para depois, gradativamente, explodir em um frenesi caótico. E, aqui se consolida o tão importante desenvolvimento de Mallory: é sua queda que a humaniza não sua relação com o pai. Preocupamos-nos com o destino da espiã em função de sua bela construção. Quando a protagonista entra no prédio sem que saibamos o que ela disse, isso nem se nota; sabemos de sua competência devido ao seu olhar e suas ações. O que nos leva a cena final, que consolida de forma soberba essa lógica de construção.




Mallory e Aaron analisam seu alvo por diversos momentos, de forma realista e cautelosa - exatamente como seria uma operação real. Porém, na hora de executar um alvo no hotel, a protagonista não hesita (mesmo que o longa explique, de forma bastante natural, como ninguém percebeu o assassinato). Esse contraste do real com o exagerado se aplica de uma maneira que ambos se tornam complementares. A simplificação não é por falta de criatividade ou competência do Dobbs; é, sim, pela opção do roteiro em tornar tudo o mais conciso possível para Soderbergh, Carano e a espionagem brilharem. Não por acaso, todos em Haywire são meras peças de outros filmes: todos, menos nossa heroína, são conhecidos apenas por um nome (Paul, Kenneth, Aaron, Coblenz, Rodrigo). O que, definitivamente, seria incomum em um filme que se levasse a sério.

Nesse jogo da espionagem ora glamourizada ora realista, Gina Carano é liberada para executar com maestria seu papel de heroína de ação. Mas que exímia lutadora, a ex-integrante do MMA é uma forte presença diante da Red-One do diretor americano (que ainda brinca com sua destreza na luta, quando Kenneth diz pra Paul que ele é melhor que ela). Soderbergh, por sua vez, sabe que é aqui o filme perfeito para liberar seu arsenal de estilo: ao iniciar o primeiro tiroteio de Haywire, a película se torna preto-e-branca. A luta final ocorre sob um Sol que cria um belíssimo contraluz. Se não bastasse essa aliança entre a fotografia vintage ultra-distorcida e a direção impecável, a trilha sonora de David Holmes ainda saúda os thrillers setentistas e os atualiza numa atmosfera á là Onze Homens e um Segredo.

Nas sequências de ação, a precisa direção de arte europeia ajuda o público a se ambientar melhor (o que a direção limpa, anti-videoclíptica, de Soderbergh, só eleva). Um esquema de imersão total no que o filme tem a propor de melhor, o que só é potencializado com os criativos ângulos que o diretor busca a todo o momento.




E através dessa fotografia elegante, estática, a ação é contemplada de uma forma que se percebe que Haywire se constrói com uma cena de ação atrás da outra, sem deixar seu ritmo cair. Raso sim, mas com muita energia. Tremenda homenagem estilística, assumida como poucas.

Nenhum comentário:

Postar um comentário