domingo, 2 de setembro de 2012

A Rebelião


A Rebelião
(L'Ordre et la Morale, 2011)
Drama - 136 min.

Direção: Matthieu Kassovitz
Roteiro: Matthieu Kassovitz, Benoit Jaubert e Pierre Geller

com: Matthieu Kassovitz, Iabe Lapacas


Matthieu Kassovitz, mais conhecido por seus papeis como ator em filmes como Fabuloso Destino de Amélie Poulain, Munique, A Isca Perfeita é sim um diretor talentoso. Seu segundo filme, O Ódio é um cult por excelência, e seu primeiro trabalho de "gênero" rendeu o ótimo policial Rios Vermelhos, estrelado por Jean Reno e Vincent Cassel. Em compensação, Kassovitz vinha de dois trabalhos bem fracos, o medonho Na Companhia do Medo (estrelado por Halle Berry) e a ficção científica meia boca Missão Babilônia (essa estrelada por Vin Diesel).

Kassovitz levou três anos desde seu último filme, o citado Missão Babilônia, para voltar à cadeira de diretor, mas o fez com grande competência nesse drama de guerra, aqui chamado A Rebelião.

Contando a "historia real" da intervenção policial e militar no arquipélago da Nova Caledônia, uma das muitas colônias francesas no final dos anos 80, Kassovitz mostra como a defesa "da ordem e da moral" nem sempre são caminhos corretos e tem como real motivação a resolução dos problemas enfrentados.


Em 1988, insurgentes do povo kanak invadiram um posto policial como protesto contra uma lei que poderia destruir a cultura local e na tentativa de conseguir sua independência. No meio da confusão, a invasão pacifica acabou tomando ares trágicos e quatro policiais foram mortos e diversos outros acabaram sendo sequestrados. Muito próximo da eleição francesa, a GIGN (espécie de SWAT francesa) é enviada até o arquipélago para solucionar a situação dos reféns, já que a Nova Caledônia, apesar de encravada no Pacífico (fica próximo às ilhas de Fiji) é parte do território francês e, portanto responsabilidade da policia do país.

Acompanhamos a historia pelos olhos do capitão Philippe Legorjus (Kassovitz) especialista em negociação que é enviado para liderar as forças especiais e resgatar os reféns dos insurgentes. Porém, ao desembarcar no país acaba sendo informado que sua atuação no país seria limitada diante do comando militar que assumiria a situação.

A Rebelião aponta claramente culpados, e não tem medo de dizer que os responsáveis pela enorme bagunça que se seguiu à chegada da GIGN (se tiverem curiosidade procurem Internet a fora o resultado da intervenção) é dos governantes, o alto escalão da política francesa, interessados em resolver a coisa de forma rápida sem medir consequências e temendo a influencia eleitoreira que um problema na colônia resultaria.


Os rebeldes são retratados como homens simples, mas orgulhosos de sua cultura e que se veem metidos em uma situação nunca antes planejada por eles. Já Legorjus é um homem que a principio tenta se manter neutro, cumprindo ordens e tentando resolver a situação da forma mais rápida possível. Porém, quando a calamidade toma conta do país, ele precisa se posicionar e é aí que A Rebelião se transforma em um excelente drama não só de guerra, mas político e humano. Desde a primeira cena, em que vemos os resultados de uma ação em campo, Kassovitz nos mostra sem pudores as dificuldades de se encontrar uma solução racional e razoável diante daquela crise.

Em flashbacks acompanhamos os dez dias que antecederam os eventos mostrados na primeira cena do filme, sempre de forma fluída, sem interrupções e com um trabalho técnico exemplar. Encerrando esta primeira cena com um close forte e vigoroso de Legorjus, o diretor (e protagonista) logo corta para o dia em que tudo passa a ser responsabilidade daquele homem, que acordado no meio da noite precisa resolver uma solução muito mais complexa do que ele poderia imaginar.

A fotografia nos coloca rapidamente no clima do país, uma linda coleção de ilhas verdejantes cortada pelo mar azul, praias serenas e uma vastidão de florestas densas e úmidas. É um contraste e tanto entre a beleza visual e cultural dos habitantes com a desolação e a sensação de tensão quase alienígena que Legorjus tem ao desembarcar. É como se um astronauta estivesse pisando pela primeira vez em um planeta desconhecido e reconhecesse uma nova civilização com sua cultura própria e tão complexa quanto à situação em que está metido.


A montagem é outro destaque. Existe uma sequência fluída em que o diretor esconde (ou talvez nem tenha os feito, mas enfim) os cortes enquanto a partir do relato de um homem nos mostra a ação perpetrada pelos rebeldes. Influenciado por Scorsese e por Cidade de Deus, a sequência é tecnicamente irretocável, com a câmera passeando interna e externamente dando escopo a toda a ação, interrompendo-a (literalmente parando a imagem) para que a testemunha diga textualmente como cada soldado foi morto. Ao mesmo tempo em que o passado é mostrado, Legorjus e a testemunha estão no mesmíssimo ambiente e quase contracenam com o passado do lugar. Cheia de estilo e muito eficiente em conseguir de forma agilíssima apresentar os fatos ao espectador sem cansá-lo.

Outro destaque técnico é a trilha sonora, que praticamente não existe de forma melódica. São sons dissonantes e que formam uma sinfonia exótica e rítmica de tambores metálicos que marcam o compasso de uma tragédia.

Apesar do inicio tecnicamente irretocável, Kassovitz rende-se ao lugar comum durante boa parte da narrativa, não ousando na forma de apresentar sua historia, o que de forma alguma deve ser encarado como um demérito, já que, diante de uma historia tensa e complexa, com muitas mudanças de andamento e de personagens entrando e saindo da trama, quanto mais simples for a abordagem mais facilmente a mensagem poderá ser percebida pelo publico e compreendida.


No entanto, o diretor apresenta ainda dois outros momentos de virtuosismo durante seu filme. O primeiro, um virtuosismo de mensagem, ao apresentar um debate eleitoral real, mas montado de forma a transformar os políticos na tela em falastrões (de fato o são, sejamos honestos) que muito falam mais muito pouco dizem de verdade. Os cortes nos olhares dos homens e nas bocas que se mexem, mas que tem suas vozes misturadas, são um triunfo.

O segundo virtuosismo está na parte final do filme, e envolve uma longa e claustrofóbica sequência de ação no meio da mata fechada com uma câmera documental sem nenhum "respeito" pela ação, que parece presa aos poros daqueles personagens. A visibilidade é limitada, a tensão e o medo da morte constante e o resultado é tenso e muito funcional.

Embora tecnicamente excelente, A Rebelião também conta com bons atores, especialmente Kassovitz que tem sua "jornada do anti-herói" moldada diante de nossos olhos. Leborjus vai se transformando de soldado exemplar e cumpridor de ordens sem interesse em especial pela historia e cultura dos kanaks, em um homem melhor, mais honesto consigo mesmo e que mesmo diante das falhas assumidas pelo personagem, mantém-se integro diante de suas escolhas.


A Rebelião é um libelo político e dramático contra a insensibilidade das autoridades diante de um fato muito maior do que uma reles eleição. A historia de um povo oprimido, de um homem encontrando uma forma de defender sua cultura e de outro que precisa encontrar uma forma de solucionar uma crise muito maior e mais asquerosa do que ele poderia imaginar. É um retrato duro da imbecilidade política a serviço do poder em detrimento da paz e da justiça

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