quinta-feira, 20 de setembro de 2012

Dredd


Dredd
(Dredd 3D, 2012)
Ação - 95 min.

Direção: Pete Travis
Roteiro: Alex Garland

com: Karl Urban, Lena Headey, Olivia Thirlby

Dredd tem tudo para fracassar vertiginosamente nas bilheterias. Vejamos: é baseado em um quadrinho underground cujo personagem fica usando um capacete que impede que se veja seu rosto durante todo o filme, é bastante violento, se passa quase que exclusivamente em um mesmo cenário, aposta em um desenvolvimento de personagens praticamente precário, montagem que beira o surto psicótico, uma trilha sonora marcial/eletrônica incomoda e interpretações apenas razoáveis.

E dai? O filme é ruim?

Pelo contrário. Pete Travis e equipe conseguem abraçar todos esses "defeitos", todas essas considerações óbvias para entregar o melhor filme de ação do ano, lançado nos cinemas no país em 2012. Faço essa ressalva já que Dredd bebe sem dó em dois filmes ainda mais underground e que são influencia na trama, e que foram/serão lançados em home video por aqui: Ataque ao Bloco - onde garotos de um conjunto habitacional precisam enfrentar aliens malvados que invadem seu prédio - e o fenômeno The Raid - filme de ação da Indonésia que coloca um grupo de policiais enfrentando bandidos presos dentro de um prédio.


Porém, nem Ataque - muito mais leve - nem The Raid - cujo foco é as lutas marciais muito bem realizadas - são parecidas na forma com que o que Dredd realiza. Visuamente, Travis cria uma trama que consegue justificar o uso regular do slow motion (um dos mais bem realizados que já vi em uma tela de cinema) o que deve fazer Zack Snyder, o rei do slow, ter ficado com inveja. Além disso, o 3D do filme é muito bem apresentado e apesar de apostar nos elementos básicos da tecnologia (água, vidro, tiros) consegue criar profundidade em muitos momentos. Apesar de estar um degrau abaixo do insuperável Hugo Cabret e de Resident Evil, a produção é competente.

A trama é bastante simples e coloca a personificação da lei em Mega City Um (um conglomerado de prédios de aço/concreto amontoados em uma gigantesca mega cidade que abriga quase um bilhão de pessoas) o juiz Dredd em meio a mais um caso comum, somente para nos mostrar a personalidade do personagem. Como disse, ninguém está especialmente bem no filme, mas é notório que Karl Urban é um personagem mais interessante (apesar de tentar criar a sua versão da voz do Batman de Nolan) do que a versão colorida de Stallone no pavoroso filme de 1995. Dredd é inflexível, uma sombra que vive para a lei, em uma sociedade sem burocracia e que beira o fascismo, onde Dredd e outros são policiais, juízes e carrascos.

Nessa abertura, conhecemos o que é Mega City Um. Uma cidade gigantesca recheada de contrastes sociais entre os ricos e pobres, uma versão "tunada" e suja de um futuro próximo, bem diferente daquele visual "gótico/apocalíptico" do filme da década de noventa. A ideia é "nolanizar" o máximo possível. Dentro das possibilidades do mundo de Dredd, deixá-lo o mais próximo possível da nossa realidade, então não é difícil ver naqueles moradores pobres como consequência de uma sociedade exploratória e sanguessuga.


Porém, em vez de apostar em uma trama politizado, Dredd insere um elemento humano na história, na figura da jovem Anderson, uma garota órfã que está em avaliação para tornar-se juíza. Como professor, ninguém menos que o próprio Dredd que decide levá-la em uma batida para avaliar seu desempenho. A garota, apesar de não ser uma aluna de primeiro nível, tem um poder especial: é uma espécie de médium e, portanto um acréscimo importante à força policial. Basicamente, os juizes chegam a um imenso prédio e são mantidos presos pelos traficantes locais, que comercializam uma nova droga chamada "Slo-Mo", que faz exatamente isso: deixa o tempo mais lento (e resulta numa ótima desculpa para Pete Travis filmar muita coisa com o recurso). Quem comanda tudo é a traficante Ma-Ma (Lena Headey) que em toda a sua impassividade, que os fãs de Game of Thrones já conhecem, funciona perfeitamente para representar a frieza do meio em que vive. Ela não tem pudores em mutilar, matar e destroçar alguém que esteja de alguma forma prejudicando-a. Presos dentro do prédio os dois juízes precisam enfrentar uma verdadeira horda assassina que busca sem cessar por aqueles dois personagens.

Dredd é violento, beirando o fetichismo, mas sem, no entanto se levar tão a sério. Sabendo que sua base é um quadrinho setentista inglês, momento histórico em que o país passava por profundas mudanças sociais e políticas, Travis sabe que está lidando com um personagem datado. Dredd é um fascistóide, um exemplar da submissão do indivíduo perante a força do Estado, e justamente por ser tão exagerado e fora de moda, é que seu impacto - hoje - é encarado de forma quase caricata. A violência está ali, mas é tão exagerada, tão fora do tom que é quase uma homenagem (torta) ao cinema de ação da época, onde não havia perdão e os anti-heróis dominavam as telas. Não que o filme pareça datado, pelo contrário, já que usa o que existe de melhor em termos visuais, mas tem em seus cenários uma clara alusão a um período do cinema que não existe mais. Cinzentos, simplórios e quase "baratos demais", os corredores do imenso Tree Peaches são um cenário perfeito para uma fantasia distópica, já que não tem personalidade alguma, deixando tudo a cargo de Dredd e suas frases de efeito e sua falta de pudor em acabar com o adversário.

Dredd é um cult por excelência. Travis sabe disso, Karl Urban também. Sabem que criaram um "filme de quadrinhos" incomum, com personalidade, estilo próprio e uma ousadia nada vista nas produções Marvel/DC. E por mais que o desenvolvimento dos personagens seja irregular (nunca sabemos as motivações de Dredd, por exemplo) e a trama rasa (basicamente é um conto sobre duas pessoas enfrentando o "mundo") é impossível não notar um frescor e uma liberdade conseguida apenas em uma produção menor e mais interessada em divertir o espectador do que em vender o merchandising.

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