sexta-feira, 27 de abril de 2012

Sete Dias com Marilyn


Sete Dias com Marilyn
(My Week with Marilyn, 2011)
Drama/Romance - 99 min.

Direção: Simon Curtis
Roteiro: Adrian Hodges

Com: Michelle Williams, Eddie Redmayne, Kenneth Branagh, Julia Ormond, Judi Dench

Marilyn Monroe é a mulher mais linda que já foi fotografada na história do cinema. Que me perdoem Elizabeth Taylor, Kate Winslet, Ava Gardner, Grace Kelly, Greta Garbo, Rachel Welch, Angelina Jolie, Megan Fox, Rachel Weisz entre tantas outras na historia.

Sete Dias com Marilyn é uma ode a beleza e a inexplicável capacidade da atriz americana em enfeitiçar todos a seu redor, conseguindo resplandecer a cada take de cada um de seus filmes, mesmo não sendo - na fria análise - uma grande atriz. Não é uma biografia da atriz, embora possa ter sido compreendida pelo público como tal.

O filme gira em torno de Colin (Eddie Redmayne) um jovem garoto rico que, segundo ele mesmo, não é especial diante de sua família de super dotados e criaturas especiais. Ele é um sonhador e se refugia dentro das salas de cinema, procurando ali um alento para uma vida tediosa e comum. Decide então "juntar-se ao circo", tentando a todo custo uma vaga na companhia do lendário Laurence Olivier, interpretado aqui por Kenneth Branagh.


Uma vez que consegue a vaga, começa a trabalhar justamente quando o mitológico Olivier acaba de fechar um contrato para dirigir e estrelar O Príncipe Encantado, uma comédia bobinha que funcionaria como veiculo para Laurence se firmar como estrela de cinema contracenando com a mulher mais desejada - e rentável - do cinema mundial, Marilyn Monroe.

Sete Dias é um filme leve, apesar de esbarrar nas questões mais complexas que envolvem Marilyn, como sua carência sem fim, sua dificuldade para aceitar-se como estrela e sua profunda dependência dos outros. Michelle Williams se esforça ao máximo para convencer de que é uma espécie de avatar da musa maior do cinema, recriando com sucesso algumas características mais conhecidas da atriz, como os sorrisos enviesados, as piscadelas sensuais e a voz ingênua que eram fundamentais para a criação do ícone de Marilyn.

Porém, Michelle não é fisicamente parecida com a biografada, que exalava sexualidade e talvez esse seja um pequeno problema do filme. Ao observamos Michelle não conseguimos perceber essa questão da sexualidade latente, talvez pela ideia do filme ser desmistificar essa impressão. No entanto, Michelle por ser uma atriz de grande capacidade faz de sua Marylin uma mulher sedutora e magnética, embora - que fique claro de uma vez - não seja uma representação 100% realista da personagem, mas a visão do ícone por um microscópio, no caso, a visão de Colin - que é o narrador da historia.


Os coadjuvantes estão todos muito bem e roubam à cena. Kenneth Branagh é excelente, treinado na "escola shakespeariana" e possivelmente conhecedor de Laurence Olivier, também não tenta mimetizar o personagem, mas retratar um homem profundamente talentoso e competente que se vê encantado pela beleza e charme de Marylin. Já Julia Ormond vive a esposa de Olivier, Vivan Leigh, a lendária atriz de E O Vento Levou que aqui surge como uma mulher que percebe o flerte de seu marido e se mantém "classuda" (como uma boa inglesa) embora esteja sempre preocupada com sua imagem e principalmente com o envelhecimento.

E Dame Judi Dench, mesmo com pouco tempo de tela é outra figura notória no filme. Fazendo de Sybil Thorndike, uma mulher educada e profundamente inteligente que sabe guiar Marilyn mesmo quando essa parece profundamente perdida e apavorada. Em uma cena - que exemplifica facilmente essa qualidade de sua personagem - ao notar que a bela loira não conseguia acertar suas falas, pede gentilmente a garota americana que ensaie com ela, pois, sendo uma senhora idosa, não tinha mais tanta facilidade para decorar seus diálogos. É claro que a ideia dela era na verdade ajudar Marylin, mas para evitar mais uma complicação para a garota, sai com a explicação de que ela na verdade a estaria ajudando.

Já o jovem Colin, que é o protagonista do filme, acerta mais do que erra, embora não convença como tão mais jovem que Marylin. Ele enxerga a atriz como uma musa embora alimente uma paixão - quase - platônica pela loira, o que amplifica a ideia da Marylin do filme não ser exatamente a “verdadeira”, mas a visão de um homem embasbacado.


O outro detalhe interessante do filme é a discussão a respeito do Método, uma forma de atuar que utiliza da memória emocional dos atores para criar as cenas as quais eram submetidos, ou seja, para interpretar uma determinada personagem, o ator do Método tem de "sentir" aquele personagem, entender completamente suas intenções para - uma vez compreendido - viver aquele personagem.

Olivier - vindo do teatro inglês - não conseguia compreender a necessidade de "entender" personagem, de criar uma história pregressa até aquele exato momento da ação entre outras características de atores do Método. Olivier acredita da simples representação, no "fingimento" sem grande preocupação com a questão emocional.

Marilyn sendo uma ferrenha seguidora do método tinha muitos problemas para entender seu personagem no filme, e o roteiro de Adrian Hodges insere diversas reações furiosa de Olivier quanto à dificuldade da atriz, sempre auxiliada por sua técnica de interpretação, Paula (Zoe Wanamaker).


E, apesar de visualmente bonito e com uma recriação das cenas e cenários do filme dentro do filme ser excelente, o ritmo inconstante da produção dá a impressão de faltarem diversas transições entre os pequenos momentos de clímax do filme. Quando vemos Marilyn - por exemplo - discursar de forma emocional para Colin, o filme não nos deixa digerir aquela situação, nos empurrando mais uma cena, sem a preocupação de ligá-las. No fundo, o filme parece uma grande coleção de pequenos sketches unidos por um fio muito tênue. Soma-se a sensação de muito barulho por nada proporcionada pelo filme, que tem alguns outros coadjuvantes mal construídos (como o empresário de Marilyn - Toby Jones - e um de seus "ex-amigos" - Dominic Cooper, além da figurinista que se apaixona por Colin - Emma Watson) e mal aproveitados, dando a sensação de estarmos vendo uma homenagem honesta a Marilyn, mas incapaz de penetrar mais fundo na personagem, apesar do esforço de Michelle Williams em nos deixar ver por trás da máscara de sensualidade e sedução que sempre caracterizou a atriz.

Sete Dias não é uma biografia da atriz, mas a visão de mais um apaixonado sobre um ícone quase indecifrável e que nos deixou muito antes de - talvez - conseguir ser compreendida.




quinta-feira, 26 de abril de 2012

Os Vingadores


Os Vingadores - The Avengers
(The Avengers, 2012)
Ação/Aventura - 142 min.

Direção: Joss Whedon
Roteiro: Joss Whedon

Com: Robert Downey Jr., Chris Hemsworth, Chris Pine, Mark Ruffalo, Jeremy Renner, Scarlett Johansson, Samuel L. Jackson, Tom Hiddlestone, Clark Gregg

Ano passado a Marvel apresentou dois filmes quase simultaneamente nas telas mundo afora. As origens de Capitão América e Thor foram contadas em gloriosas aventuras ano passado com resultados bastante irregulares. Se o filme do Capitão Bandeira era funcional e conseguiu a grande proeza de não "americanizar" ainda mais o personagem, tornando-o interessante para o público em geral, o filme do Deus do Trovão tentou atingir um público ainda mais amplo e se deu mal, em sua mistura de comédia romântica (ruim) e mitologia de boteco.

Pois bem, esse ano a Marvel aponta seu canhão em apenas uma direção. O júbilo de toda a criação de um "universo" que faz salivar fanboys e garotos crescidos que ainda acham Stan Lee, uma espécie de Deus, chega às telas do mundo inteiro com o portentoso e épico Vingadores.

O filme começa a partir do plot visto nos créditos finais de Thor (sim, se você não viu as cenas pós-créditos de Thor, veja), quando somos apresentados a um cubo de energia, capaz de romper as dimensões. O mesmo cubo que o Caveira Vermelha detinha em Capitão América, o que já cria a primeira ligação da franquia. Quando o filme começa,  vemos Loki reunindo-se com uma raça alienígena e planejando o roubo do artefato, que transformaria o deus nórdico em regente do planeta e daria abertura para que os alienígenas explorassem todo o cosmo (mais quadrinhos impossível). Uma vez que - claro - o artefato é roubado, cabe ao bad ass Nick Fury reunir um grupo de "cidadãos notáveis" para recuperar o objeto e impedir Loki de dominar o mundo. Simples e objetivo.


Reunindo todos os personagens que já haviam sido apresentados em cada um dos filmes individuais, Vingadores têm uma qualidade inquestionável: sabe a quem atingir e é cúmplice de seu público, deixando claro com um bom humor cristalino o que Joss Whedon (o capitão sem patente da nau "marvética") tentou resgatar dos filmes mais bem sucedidos do estúdio. Whedon sabiamente seguiu o caminho da "quase" paródia presente nos filmes de Homem de Ferro, misturando-o com um plot que não poderia ter saído de outro lugar senão dos quadrinhos. Conseguir misturar a "seriedade" com esse deboche é um triunfo, o que faz do filme realmente funcionar quando mostra suas armas. Em suma, Whedon sabe o que está filmando, e entende que para fazer funcionar uma história que versa sobre um grupo de superseres enfrentando uma ameaça desconhecida, não poderia apresentar seu filme como um tratado de filosofia e de análise de comportamento dos homens e mulheres da equipe, mas, como uma deliciosa sessão pipoca.

Outra qualidade do filme, e que parecia praticamente impossível de conceber, é conseguir transformar a produção em mais do que "Homem de Ferro e seus Amigos", como parecia ser diante dos trailers divulgados. Apesar de Tony Stark ser de longe a figura mais bem desenvolvida (graças, é claro, a dois filmes já realizados) não é o milionário que é o foco do filme. Whedon consegue, por exemplo, dar importância aos humanos da trama. Gavião Arqueiro, que aparece de relance em Thor, tem todo um arco importante sobre sua personagem, enquanto a Viúva Negra é mostrada em uma missão solo e tentando convencer o outro personagem "desconhecido" no filme, o Hulk.

Aqui abro um parêntese: o Gigante Esmeralda jamais foi bem mostrado no cinema, que me perdoem as viúvas do filme de Ang Lee, ou da ação dos morros de Louis Leterrier. Em ambos os filmes, o personagem Hulk e principalmente Bruce Banner sofreram na mão de roteiros medianos e histórias que eram sempre conduzidas para uma explosão de fúria do personagem que culmina em uma batalha e etc. Nunca Banner foi tão importante quanto o monstro, e o que os Vingadores fazem é - pela primeira vez - dar tanto espaço ao cientista Banner (e realmente mostrar o quanto ele é inteligente) quanto ao monstro. Visualmente impecável e estupidamente violento (para os padrões da censura do filme, sejamos claros), o monstro de CG finalmente funciona na tela. Seu alter-ego, o insosso Bruce Banner, é muito bem construído por Mark Ruffalo, como um homem cínico que sabe que está atado a uma bomba relógio prestar a explodir.


No entanto, existe um problema grave no Hulk. Durante o filme nos é pregado que o monstro é implacável, incontrolável e impossível de ser contido. Porém, quando o Hulk "vai pro pau", vemos um personagem contido pelo homem, uma fera domada, o que vai de encontro a tudo que o roteiro dizia até então.

Quanto aos humanos, essa é a grande "mágica" de Whedon, acostumado a dirigir equipes em seus projetos. Tanto em Buffy, quanto em sua obra prima e clássico da ficção científica Firefly, o - aqui - diretor conseguia dar espaço e fluência a todos os personagens, fazendo cada um ter seu momento de brilho, e é isso que até mesmo os coadjuvantes Viúva Negra e Gavião Arqueiro conseguem. Sem querer soltar spoilers, é preciso dizer que o Gavião Arqueiro é uma mistura de Legolas com Robin Hood anabolizada, enquanto a Viúva é a uma máquina sexy de matar.

Os demais personagens - para a Marvel - já foram suficientemente explorados em seus respectivos filmes. Capitão América, um soldado acima de tudo, continua em sua "tour-de-force" pelo mundo moderno, dessa vez tendo Chris Evans mais seguro do que faz. E também é bom vermos o que faz do supersoldado uma máquina de guerra tão eficiente. Já o Thor...


Bem, Chris Hemsworth é um ator fraco, porém é um sujeito que tem presença de tela (ou, o que a mulherada diria: "é gato") e para o papel não é um desastre, embora seu surgimento na trama seja completamente absurdo e inexplicável. Outro problema no personagem - sem dúvida o elo mais fraco do filme - é que ele ainda mantém as mesmas dúvidas em relação à Loki mostradas em seu filme solo. Para ele, não bastou o irmão ter exilado-o na Terra, tentando matar-lo, destruir a ponte que o levaria a Terra (o que amplia ainda a sensação de "como ele chegou aqui?"; e que nunca é explicada no filme de forma inteligente) para que ele concluísse que o sujeito não presta. A inesgotável paciência do personagem incomoda e o enfraquece.

Robert Downey Jr. manda no filme. Absolutamente seguro em uma persona que fundamentou sua carreira pós-drogas, é o responsável por dar ritmo ao filme, e consegue se integrar muito bem a narrativa de time, principalmente em suas cenas com Mark Ruffalo e Chris Evans. Dono das melhores piadas do filme é muito bom ver Downey Jr. bem e sem os exageros que o acometeram em Sherlock Holmes.

Já Tom Hiddlestone continua num crescendo como Loki. Se mesmo na bagunça que era Thor, conseguiu delinear o personagem e tentou transformá-lo em uma criatura tridimensional, aqui esquece um pouco dessa questão, para aprofundar-se como um criador de caso, um sujeito capaz de bagunçar a cabeça dos heróis e do espectador.


Joss Whedon não é um diretor de cinema. Falta a ele um maior cuidado com o tamanho da aventura que quer contar. Peca por excessos típicos da televisão, como o excesso de closes, mas tem ao seu lado uma noção muito boa de ritmo e de como lidar com muita gente em tela. Mesmo engessado pela fórmula - claramente produzida com mão de ferro pela Marvel - que o impede de tentar ousar um milímetro sequer, constrói um terceiro ato saído diretamente das paginas dos quadrinhos, com tudo que o leitor - mesmo aquele eventual - sempre imaginou ver quando pensa num grupo de heróis em combate.

Está lá, a formação em equipe para o fã gritar no cinema, um plano seqüência muito bem feito que - mesmo rápido - dá espaço a todos os personagens brilharem e principalmente a sensação de enormidade, de destruição em massa que um filme com essa premissa deveria ter.

Os Vingadores é o melhor blockbuster de 2012 até agora (o que sinceramente não é grande coisa diante da concorrência) e uma tremenda diversão mesmo com seus problemas. Uma ode ao garotinho de 13 anos dentro de cada um de nós.

PS: NÃO SAIA DO CINEMA antes dos créditos finais acabarem. Uma cena muito legal - especialmente para fãs dos quadrinhos - te aguarda.

sexta-feira, 20 de abril de 2012

Diário de um Jornalista Bêbado


Diário de um Jornalista Bêbado
(The Rum Diary, 2011)
Comédia/Drama - 120 min.

Direção: Bruce Robinson
Roteiro: Bruce Robinson

Com: Johnny Depp, Michael Rispoli, Aaron Eckhart, Amber Heard, Richard Jenkins, Giovanni Ribisi

O que é Diário de um Jornalista Bêbado? Uma comédia sobre um sujeito exagerado, recheado de personagens exóticos e excêntricos e ambientada num ambiente tropical? Ou uma tentativa de libelo contra a exploração colonial sobre os cucarachas locais? Ou um trágico amor platônico destinado a dar errado? Ou mesmo a historia de um derrotado, que sabe que apenas em uma utopia poderia vencer a máquina?

Diário de um Jornalista Bêbado é tudo isso. E faz tudo isso de forma - no mínimo - confusa. Acompanhamos Kemp(Johnny Depp) que na primeira cena do filme revela ser alcoólatra e que acaba de se transferir - não se explicam os motivos - para Porto Rico, com a intenção de trabalhar em um jornal local.

O filme é amparado por uma coleção de personagens exóticos e inverossímeis, claramente saídos da cabeça perturbada do mitológico Hunter S. Thompson - um dos pais do chamado jornalismo gonzo - a começar pelo editor do jornal. Lotterman (Richard Jenkins) é um assustado, estressado e irritante homem de meia idade, que divide o tempo entre administrar o jornal falido e desfilar com uma ridícula peruca. O fotógrafo Bob Sala (Michael Rispoli) se torna o Sancho Pança de Kemp, sempre acompanhando o personagem de Depp e funcionando como guia e consciência do personagem.


Completam os personagens principais, o misterioso e descolado Sanderson (Aaron Eckhart) que funciona como "o agente da mudança" no filme, oferecendo ao jornalista um arriscado e antiético trabalho, a bela e ingênua Chenault (Amber Heard) e o bizarro Moberg (Giovanni Ribisi), um maluco completamente alcoolizado com um gosto especial por ouvir os discursos de Hitler.

A tal proposta nunca é claramente explicada no filme, dando a sensação de que - no fundo ela não era tão importante assim. Porém, o que deveria ser explicado é o porquê, Kemp é o convidado. Como não existem respostas, podemos conjeturar: Por que ele era um personagem frágil e impressionável? Por que não tinha "assinatura" em nada que toinha feito até então? Por que Sanderson percebera seu flerte com a personagem de Amber Heard ? Ou simplesmente porque essa era a única forma de manter o interesse do espectador em personagens tão irritantes?

Outro problema é a falta de conceito da personagem de Chesnault. Ela começa o filme entediada com sua vidinha de patricinha, flertando claramente com o personagem de Depp, para em um momento posterior, simplesmente "se jogar na balada", fugir do mundo e voltar como um cordeirinho quando a vida lhe devolve um tapa na cara. A pergunta que fica é: faz sentido? Você desenvolve uma personagem inteiramente como alguém que quer sair daqui ambiente, para - no primeiro momento - a mostrar como mais uma "periguete" pré mini-saia? E para piorar, a mostra posteriormente como uma coitada arrependida? É muito problema de personalidade para a mesma pessoa.


Todos os coadjuvantes têm pouca função, a exceção de Sala. Dotado dos únicos bons momentos do filme, é aquele sujeito engraçado que cria boas gags ao lado de Depp em uma atuação que pouco lembra a do perturbado personagem de Medo e Delírio. Aqui, Depp mistura - para variar - seu pirata Jack Sparrow com a animação Rango - para conceber Kemp, como mais um freak em um mundo cínico e colorido (por mais bizarro que pareça). O cinismo vem do texto e da percepção de que claramente o jornalista e seus amigos sairão derrotados de tudo que tentarem fazer. A cor vem do próprio ambiente, que mistura praias, com aquele ar decadente das ilhas do Caribe que os americanos tanto gostam de mostrar, amparada pela "fauna de gringo", que inclui rinha de galo, macumba e bares étnicos.

E a assinatura de um texto de Thompson, está em uma deslocadíssima cena, em que Sala e Kemp usam um alucinógeno bizarro e experimentam viagens pelo cosmos e afins. Tudo o que caracterizou a vida de Thompson, mas que aqui parece completamente deslocado em uma historia que tenta fincar seus pés no chão.

Diário de um Jornalismo Bêbado não chega aos pés do perturbado Medo e Delírio, aquele sim, um verdadeiro filme com a marca de seu autor intelectual. Aqui, é um gigantesco caldeirão em que tudo foi misturado e o caldo é insosso.

Ps: Os créditos finais são de uma imbecilidade atroz. Além de quebrarem todo o cinismo do filme, tentam vender uma ideia vitoriosa onde não existe.


quinta-feira, 19 de abril de 2012

A Perseguição

A Perseguição

(The Grey, 2011)
Ação/Aventura/Drama - 117 min.

Direção: Joe Carnahan
Roteiro: Joe Carnahan e Ian Mackenzie Jeffers

Com: Liam Neeson, Dermot Mulroney, Frank Grillo

Se surpreendido no cinema é praticamente impossível nos dias de hoje. Além do bombardeio de imagens, sinopses e trailers, onde quer que se olhe toda a trama da maioria dos filmes lhe é entregue sem nenhum pudor. Essas experiências raras geralmente acontecem quando a campanha publicitária que cerca o filme é equivocada (para o bem ou para o mal) forçando o espectador a pensar o filme de uma determinada maneira, sem que, no entanto essa campanha tenha relação com a realidade do filme.

Normalmente, esse tipo de coisa acaba causando uma tremenda decepção, já que é muito mais comum o estúdio tentar camuflar algum problema no filme em que pretende vender, do que mudar a percepção do mesmo para o público, principalmente quando hoje, cada filme passa por um serie de testes antes de ir às telas. Isso não acontece com tanta frequência no mundo dos filmes independentes e afins, mas mesmo assim é incomum assistirmos hoje algo que não seja em teoria previamente conhecido.

Por isso, A Perseguição é um filme surpreendente. Não que seu plot seja originalíssimo, ou que exista no filme algo de realmente único, mas por fugir da regra - cada vez mais presente - de não ser aquilo que podíamos esperar. Temos Liam Neeson em um filme que foi teoricamente vendido como mais um exemplar dessa nova fase do ator, de muitos saltos, pancadaria e etc.


No entanto, A Perseguição não apela para as convenções do gênero e tem muito pouco de ação escapista. Beira o poético em alguns momentos, enquanto acompanhamos Ottway (Neeson), abrir a historia, já apresentando seus companheiros, um grupo de ex-condenados e parias que trabalham em uma companhia petrolífera no Alaska. Ele é uma espécie de segurança da refinaria, passando o dia com a arma em punho espantando e caçando os lobos que podem ameaçar a vida dos trabalhadores. O filme mostra a sordidez do ambiente, o frio constante e inerente, e a dificuldade de sobrevivência física e mental em condições complicadas. Ottway está em profunda depressão depois que - aparentemente - sua esposa o deixou, e pensa frequentemente em suicídio.

Acompanhado de uma lúgubre narração em off de Neeson, somos guiados até o avião que levará aqueles trabalhadores até bem merecidas férias. Ottway, leva em seu bolso uma carta de despedida, ainda preso a ideia de se matar, quando o avião sofre um terrível acidente e cai em meio à tundra do Alaska, durante um terrível inverno. Apenas oito passageiros sobrevivem, e cabe ao personagem de Neeson, transformar-se em um líder errático e guiar os sobreviventes em busca de salvação, enquanto são acossados pelo frio e por uma matilha de lobos que vêem seu território invadido por aqueles humanos.

Neeson está em um bom momento, assim como o elenco de apoio, mas os destaques vão para as ótimas escolhas da direção de Joe Carnahan (famoso por sua estreia em NARC) que mantém o filme em constante compasso de tensão, inserindo sempre que possível a ameaça lupina. Auxiliado pela boa fotografia de Masanobu Takayanagi, que faz do cenário ainda mais depressivo e faz o espectador crer menos ainda numa possível salvação dos homens naquelas condições, A Perseguição é um raro exemplar de thriller de ação com algo a mais.


No caso, as reflexões sobre escolhas mal tomadas, mortalidade e redenção. Todos os homens ali, fizeram escolhas equivocadas em suas vidas e pagam com o calvário de estarem trabalhando em um lugar quase inóspito, e parecem ter encontrado a chance de redenção quando acontece o acidente e todas as máscaras são forçadas a cair e a luta pela sobrevivência é muito mais importante do que manter uma postura cool e indiferente.

Mesmo com problemas eventuais - os lobos quando vistos de longe parecem mais efeitos digitais ruins (e são animais reais), muitos personagens não são desenvolvidos como deveriam e muitos são apenas figurantes de luxo - A Perseguição acerta ao enfocar a luta do homem contra a natureza, recheando sua historia com momentos de reflexão e de pura beleza. Em especial a redenção do personagem de Dermot Mulroney é tocante e simples, assim como a ideia inteligente para apresentar as nuances do personagem de Neeson, sua infância, sua relação com sua esposa e sua luta para manter-se vivo.

Poético sem cair na armadilha do pedantismo, bonito fotograficamente e comovente em sua "lição" sobre redenção. Um ótimo exemplo de produção que saindo de uma premissa óbvia consegue se destacar.

quarta-feira, 18 de abril de 2012

American Pie: O Reencontro

American Pie: O Reencontro

(American Reunion, 2012)
Comédia - 113 min.

Direção: Jon Hurwitz e Hayden Schlossberg
Roteiro: Jon Hurwitz e Hayden Schlossberg

Com: Jason Biggs, Alysson Hannigan, Chris Klein, Thomas Ian Nicholas, Tara Reid, Sean William Scott, Mena Suvari, Eddie Kaye Thomas, Jennifer Coolidge, Eugene Levy, Ali Cobrin, Dania Ramirez

Treze anos atrás, o mundo conheceu um grupo de adolescentes mal resolvidos e sedentos por sexo. Nada muito diferente do que qualquer grupo de adolescentes mundo afora, geralmente sempre preocupados com o trinômio: preciso me enquadrar no grupo, preciso pegar alguém, não quero ser excluído. E antes que alguém atire as primeiras pedras: sim, todos nós passamos por isso, praticamente sem exceção. Em algum momento da vida, sua adolescência vai girar em torno de um (ou mais) dos elementos citados.

No primeiro American Pie, acompanhamos Jim e seus amigos na jornada pela perda da virgindade antes da formatura. O segundo e terceiro filme da série continuou mostrando novas aventuras daquele grupo, tendo sempre Jim como protagonista, já que - para o filme - ele exemplifica perfeitamente o adolescente médio. Longe de ser popular, mas não se enquadrando no grupo dos parias, era inseguro com a mulherada e no fim, queria mesmo era encontrar um grande amor.

Grande amor esse, que foi apresentado de forma "violenta" no original, ganhou corpo no segundo filme e resultou no casamento no terceiro da série. Sim, eu sei, a franquia gerou mais alguns - péssimos - filmes, todos sem o menor charme do original, ou mesmo os atores desses filmes. Eugene Levy - o pai de Jim - é o único que marca presença nas outras sequências que focavam parentes, primos, amigos ou conhecidos do grupo original.


Chegamos a 2012, e American Pie: O Reencontro tenta apelar para a nostalgia de uma geração que tem mais ou menos a mesma idade dos personagens hoje. O foco agora é falar sobre como crescer. Como deixar as lembranças de nossas juventudes em um lugar nostálgico, mas, seguir em frente e nos tornarmos adultos.

Reunindo todo o elenco do capitulo inicial da serie, o filme coloca todos os personagens se reencontrando para um daqueles encontros escolares, que em geral serve apenas para descobrir quem está mais gordo, magro, bonito e feio, ou para mostrar aos pares o quão bem sucedido você está naquele momento. Em geral, as pessoas perdem contato e pouco tem em comum quando se revêem o que - felizmente - não é o caso dos quatro protagonistas do filme.

Jim (Jason Biggs) segue casado com Michelle (Alyson Hannigan), e tem um filho de dois anos. O casal vive na rotina e parece ter perdido o "fogo" que mantém a relação sexualmente interessante. Oz (Chris Klein) parece querer fugir da imagem de superficialidade ligada ao seu nome. Depois de ter participado de um reality show (uma cópia daquele Dancing with the Stars), apresenta um programa esportivo na TV e namora uma bela modelo. Kevin (Thomas Ian Nicholas) é arquiteto, mas trabalha em casa e divide as tarefas domésticas com a mulher e sua mania de acompanhar dezenas de series de tv. Já Finch (Eddie Kaye Thomas) surge cheio de mistério e aquela postura mais madura, mas que o filme - e o público - sabe ser de fachada. E Stifler... continua o mesmo idiota de sempre.


O único que não "cresceu" é o mais honesto do grupo, já que apesar de ter um chefe idiota e que o irrita profundamente, é aquele que não tem conflitos emocionais e parece - por mais absurdo que pareça - mais feliz com sua vida. Uma outra visão da mesma situação pode mostrar que no fundo, Stifler vive em fuga dos problemas e por isso não os encara. Mas o próprio filme trata de encerrar essa ideia, dizendo a todo o segundo possível que "Stifler é assim", ou seja, não é o caso de maturidade, mas o caso de um sujeito feliz sendo simplesmente, um idiota.

Além do grupo de garotos originais, está de volta o pai de Jim (eternizado por Eugene Levy), a mãe de Stifler (outro personagem ligado a sua interprete, Jennifer Coolidge), Vicky (Tara Reid), Heather (Mena Suvari) entre tantos outros que fizeram parte da serie original.

Já o plot, mistura a ideia do tal encontro estudantil, com o surgimento de uma garota que Jim - como sempre o protagonista do filme - tomava conta quando ela era criança e que obviamente cresceu e se transformou em uma bela mulher. Também referenciando as questões de conflitos de geração, a inclusão da garota é o gatilho para que as melhores gags do filme aconteçam, como sempre enfocando Jim e seus muitos "micos" e acidentes.


Apesar de mostrar vários personagens tentando crescer e enfrentar dificuldades (amparados pelo melhor do cinema auto-ajuda) o humor do filme continua intocado. Segue apostando na grosseria, nas gags físicas e na vergonha alheia, o que não deixa de causar uma impressão - constante - de estarmos vendo um remake do filme original.

Mas essa deve ser a intenção do filme, ser uma comédia que apela aos nostálgicos que continuam rindo das mesmas piadas de banheiro que faziam gargalhar aos 15 anos de idade, uma terrível - e muito verdadeira - ironia ao tema do filme. O próprio renascimento da franquia, que não ficou mais "extrema" para competir com os exemplares da comédia adolescente e "adulta" contemporâneas, como Se Beber Não Case e Projeto X, por exemplo, dá razão a essa teoria trágica. Se não fosse notado que o público continua mentalmente preso aos seus 15 anos de idade, existiria um motivo para que a franquia fosse ressuscitada, depois de tantos filmes horríveis lançados direto em home video?

Mas nesse aspecto, o filme já sai perdendo. Comparando-o aos exemplares mais modernos da comédia idiotizante americana, além de parecerem pudicos, falta o senso de perigo que esses filmes mais recentes detêm. O primeiro Se Beber Não Case, por exemplo, mantinha o espectador esperando a próxima absurda situação vivida pelo seu quarteto de personagens. Havia um senso de "perigo" no filme, e uma noção de que "tudo" era possível.


American Pie não aproveita a maioridade dos protagonistas e continua os enfurnando numa repetição sem fim de gags que funcionariam melhor se fossem realizadas por adolescentes e não por marmanjos barbados e com "problemas".

E quando tocamos no tema de filmes para adolescentes, basta assistir Projeto X, que é muito mais moderno e atual e cai muito mais no gosto dos adolescentes, do que American Pie, que deve servir apenas para os adultos que ainda riem quando vêem alguém "se aliviar" num cooler. Datado, previsível e requentado.

domingo, 15 de abril de 2012

Príncipe do Deserto

Príncipe do Deserto
(Black Gold, 2011)
Drama - 130 min.

Direção: Jean-Jacques Annaud
Roteiro: Menno Meyjes

Com: Tahar Rahim, Mark Strong, Antonio Banderas, Freida Pinto

Qual deve ser a sensação de um diretor ao terminar um filme e notar - imediatamente espero - que produziu um filme datado e ruim? Meses - ou anos - de preparo e produção para constatar que seu filme está pelo menos 20 anos atrasado na curva do tempo.

É o caso do cineasta Jean-Jacques Annaud, responsável por títulos importantes como O Nome da Rosa e Guerra do Fogo, que apresenta o fraco e insosso Príncipe do Deserto, uma coleção de clichês pseudo epicos, amparados por uma historinha água com açúcar da pior qualidade.

Príncipe do Deserto conta a historia do Príncipe Auda, um jovem herdeiro, que após ver seu pai, o Sultão Amar perder a guerra para o Emir Necib, é entregue aos cuidados do mesmo, ao lado do irmão como forma de encerrar as disputas políticas da região. Necib é progressista, deseja o desenvolvimento de seu país, enquanto Amar é apegado as muitas tradições de seu povo. Logo, o conflito além de envolver terra, envolve ideologias dissonantes.


O filme salta no tempo, e vemos o jovem Auda como um "nerd" árabe, com o nariz sempre enfurnado nos mais diferentes livros, enquanto seu irmão Ali é um líder em potencial, sempre ao lado de seu falcão de estimação e metido nos assuntos de Estado. Completa o elenco de personagens principais, a bela Princesa Leyla, filha legítima de Necib e que está prometida a Ali.

E todos viveriam suas vidinhas simples e tranquilas, entre dunas e camelos, se não fosse à chegada de um grupo de americanos que interpelam Necib com a ideia de que por baixo daquele deserto abandonado (que segundo um tratado pós-guerra, não deveria ser ocupado por mais ninguém, mantendo-se como uma espécie de "zona neutra" entre as terras dos dois influentes chefes de estado da região) reside uma quantidade muito generoso de petróleo, que até então era usada pelos árabes de maneira inocente.

Necib percebendo que o petróleo poderia ajudar seu plano de transformar sua cidade em uma metrópole digna dos países europeus invade a zona neutra e começa a perfurar a terra a atrás do "ouro negro". Claro que Amar discorda dessa posição e ameaça ir à guerra caso Necib não deixe de perfurar a terra.


E a partir desse ponto que Auda ganha espaço, graças a uma combinação de acidentes trágicos, inveja de seus semelhantes e astúcia de seu "protetor". Antes da metade do filme, o príncipe da biblioteca se vê como emissário de paz e peça fundamental na tentativa de se evitar uma guerra.

Tudo muito lindo e tudo muito chato. Já que o filme não consegue em momento algum ser uma divertida aventura épica, nem uma análise sobre a condição do árabe diante da guerra do petróleo e muito menos uma crônica familiar eficiente.

O filme tem uma serie de problemas sérios que fazem dele um dos grandes fiascos a chegarem aos cinemas brasileiros em 2012. Comecemos pelos atores: Antonio Banderas vive o Emir Necib, parecendo saído de uma novela ruim, cheio de trejeitos exagerados, uma entonação que complica a compreensão de suas frases e uma constante intenção de parecer engraçado, ou cool. No fundo, é mais uma performance de Banderas no automático, canastrão até o último fio de cabelo.


Mark Strong está um pouco (porém nem tanto) melhor que seu colega espanhol. O britânico vive o Sultão Amar como mais um de seus oitocentos e trinta e dois papeis vilanescos que o ator costuma fazer por ano. Não que Amar seja o vilão do filme (e nem vejo Necib dessa forma), mas Amar tem características dos papeis mais famosos de Strong, amparadas pela sabedoria de livro de auto-ajuda.

Tahar Rahim, do ótimo O Profeta, tem a dificílima tarefa de tentar salvar alguma coisa desse fraco épico de meia tigela. Como Auda, precisa passar de estudioso a herói, e se sai razoavelmente bem, principalmente quando se torna um estrategista. Já sua companheira, a bela Freida Pinto, tem muito pouco a fazer, além de observar os personagens pelas frestas em suas janelas, rezar e chorar.

Príncipe do Deserto comete os mesmos erros de todo e qualquer filme que vê os árabes por um prisma que margeia perigosamente o preconceito. Quando não são vistos como radicais estúpidos e grosseiros, fanáticos tacanhos ou ignorantes, são vistos como sábios perfeitos donos das grandes frases de sabedoria e momentos de reflexão a cada segundo. É absurdo, mas tentem notar a quantidade de cenas que são encerradas com algum personagem proferindo alguma frase edificante ou grandiloquente.


E o principal problema: o que afinal quer Príncipe do Deserto? Quer levantar alguma bandeira? Falar sobre como os americanos incutiram na mente dos habitantes da região que o petróleo poderia salvar suas vidas? Ou de apenas falar sobre a jornada de um homem que sai da completa desconfiança para a liderança de um povo? Ou mesmo sobre as dificuldades em mudar o status quo em uma sociedade tão amarrada aos seus dogmas?

Todos esses assuntos são abordados durante o filme, mas infelizmente todos, sem exceção de forma profundamente rasa e sem nenhum impacto. E mesmo quando o filme esboça uma epicidade em sua parte final (que inclui uma peregrinação extenuante de muitos personagens) nunca parece honesto, mas "atirado" em cima da hora numa tentativa desesperada de se destacar a qualquer custo.

Mesmo contando com um visual muito bonito, e muita grana na criação do filme (todo ele vindo dos próprios árabes, o que chega a ser assustador, já que o filme claramente não auxilia em nada a "causa") Príncipe do Deserto é uma coleção quase sem fim de clichês, indo do garoto ingênuo que vira líder, ao romance quase impossível, a batalhas em campo aberto e a trilha sonora que assim como o filme tenta ser algo que jamais conseguirá: contemporâneo e ressonante.

quinta-feira, 12 de abril de 2012

À Toda Prova

À Toda Prova
(Haywire, 2012)
Ação - 93 min.

Direção: Steven Soderbergh
Roteiro: Lem Dobbs

Com: Gina Carano, Ewan McGregor, Channing Tatum, Antonio Banderas, Michael Fassbender, Michael Douglas

Desde sua arrebatadora estreia em Sexo, Mentiras e Videotape, o diretor americano Steven Soderbergh desenvolve uma carreira que mescla trabalhos profundamente autorais (com orçamentos baixos e influência indie) e projetos com viés comercial. O que diferencia o diretor dos demais, além de sua facilidade em transitar por gêneros com a mesma competência, é seu estilo ousado que exala segurança no que se propõe. Logo, Soderbergh dirige com a mesma energia seus blockbusters como Onze Homens e um Segredo e cults complexos como Bubble - o que eleva os filmes mesmo quando seus roteiros não sejam inovadores ou engenhosos.

Com o escritor Lem Dobbs, Soderbergh trabalhou em um de seus cults menores, o suspense O Estranho. Dobbs não é um profissional com a energia de Soderbergh (seu último roteiro escrito sozinho foi justamente O Estranho, de 1999), mas é dono de um estilo de estruturação de roteiro bem interessante. No suspense estrelado por Terence Stamp, a concisão e imediatismo se faziam valer a todo o momento - e isso se tornou a marca dos Dobbs. O quê dialoga diretamente com Haywire, a nova parceria de Dobbs e Soderbergh.

Explosivo e vigoroso, Á Toda Prova é uma astuta homenagem aos antigos thrillers de espionagem. Encontrando em sua protagonista uma presença de cena excelente, que fornece mais personalidade ao filme, Soderbergh detecta os aspectos rasos e descompromissados do roteiro e aproveita para construir uma ação bem coordenada e criar um explícito exercício de estilo que se apropria de todas as regras do gênero de forma consciente.




Acertadamente, o diretor já nos introduz os personagens com o intuito de desenvolvê-los através de sua ação, o que é essencial em um filme que não para completamente em nenhum instante. O olhar frio e concentrado de Mallory Kane analisa todo o café do prólogo como algo natural, corriqueiro. É a técnica que fora questionada por Jason Bourne no primeiro filme de sua série, aplicada da maneira correta. Não tarda para, após um tenso diálogo (especialidade de Dobbs, vale ressaltar), Mallory demonstrar toda sua destreza no combate corporal - e os confrontos de Haywire, especialmente esse inicial, são crus de uma maneira satisfatoriamente intensa. Para obter essa surpreendente verossimilhança, Soderbergh usa até da mixagem de som para obter o efeito necessário (repare como o abafado som do tiro no café causa angústia justamente por ter sido desenhado de forma realista).

Mas se o realismo é o foco da ação de Soderbergh, o mesmo não pode se dizer do roteiro. Dobbs cria uma trama rasa, obviamente exagerada, que serve como saudosista ode aos exemplares de espionagem (de forma consciente, vale ressaltar). O motivo da traição á personagem é previsível, assim como a estrutura do script; as motivações tem - como sempre - um fundo financeiro; as operações da empresa de Kenneth são elaboradas, mas retratadas da maneira mais simples possível. Essa motivação de Dobbs na concisão se demonstra mais clara ainda mais clara na vasta galeria de personagens arquetípicos do filme: temos o matador, o chefe da firma, o misterioso contratante, o informante, o espião-antagonista, o civil diante do caos e, claro, o obscuro mafioso.

Nessa mescla de abordagens, Soderbergh e Dobbs equilibram o filme. Se o roteiro não se aprofunda em questões morais ou emocionais, cabe á direção se aprofundar na ação. As operações são elaboradas, mas não tem medo para desencadear um tiroteio no meio da rua. Uma perseguição em especial, de Mallory fugindo nas ruas da Irlanda, é brilhante em sua construção. Extensa, a sequencia começa cadenciada e tensa para depois, gradativamente, explodir em um frenesi caótico. E, aqui se consolida o tão importante desenvolvimento de Mallory: é sua queda que a humaniza não sua relação com o pai. Preocupamos-nos com o destino da espiã em função de sua bela construção. Quando a protagonista entra no prédio sem que saibamos o que ela disse, isso nem se nota; sabemos de sua competência devido ao seu olhar e suas ações. O que nos leva a cena final, que consolida de forma soberba essa lógica de construção.




Mallory e Aaron analisam seu alvo por diversos momentos, de forma realista e cautelosa - exatamente como seria uma operação real. Porém, na hora de executar um alvo no hotel, a protagonista não hesita (mesmo que o longa explique, de forma bastante natural, como ninguém percebeu o assassinato). Esse contraste do real com o exagerado se aplica de uma maneira que ambos se tornam complementares. A simplificação não é por falta de criatividade ou competência do Dobbs; é, sim, pela opção do roteiro em tornar tudo o mais conciso possível para Soderbergh, Carano e a espionagem brilharem. Não por acaso, todos em Haywire são meras peças de outros filmes: todos, menos nossa heroína, são conhecidos apenas por um nome (Paul, Kenneth, Aaron, Coblenz, Rodrigo). O que, definitivamente, seria incomum em um filme que se levasse a sério.

Nesse jogo da espionagem ora glamourizada ora realista, Gina Carano é liberada para executar com maestria seu papel de heroína de ação. Mas que exímia lutadora, a ex-integrante do MMA é uma forte presença diante da Red-One do diretor americano (que ainda brinca com sua destreza na luta, quando Kenneth diz pra Paul que ele é melhor que ela). Soderbergh, por sua vez, sabe que é aqui o filme perfeito para liberar seu arsenal de estilo: ao iniciar o primeiro tiroteio de Haywire, a película se torna preto-e-branca. A luta final ocorre sob um Sol que cria um belíssimo contraluz. Se não bastasse essa aliança entre a fotografia vintage ultra-distorcida e a direção impecável, a trilha sonora de David Holmes ainda saúda os thrillers setentistas e os atualiza numa atmosfera á là Onze Homens e um Segredo.

Nas sequências de ação, a precisa direção de arte europeia ajuda o público a se ambientar melhor (o que a direção limpa, anti-videoclíptica, de Soderbergh, só eleva). Um esquema de imersão total no que o filme tem a propor de melhor, o que só é potencializado com os criativos ângulos que o diretor busca a todo o momento.




E através dessa fotografia elegante, estática, a ação é contemplada de uma forma que se percebe que Haywire se constrói com uma cena de ação atrás da outra, sem deixar seu ritmo cair. Raso sim, mas com muita energia. Tremenda homenagem estilística, assumida como poucas.