Anjos da Lei
(21 Jump Street, 2012)
Comédia/Ação - 109 min.
Direção: Phil Lord e Chris Miller
Roteiro: Michael Bacall
Com: Jonah Hill, Channing Tatum, Ice Cube
Hollywood parece estar numa crise criativa. Adaptações
literárias sempre estiveram em pauta (grandes clássicos, como Lawrence da
Arábia e ...E O Vento Levou, originaram-se de livros celebrados), já que as mesmas
seriam o caminho mais seguro para que o novato Cinema nos anos 20/30 pudesse se
estabelecer. Com o crescimento dos investimentos no mercado cinematográfico, o
número de filmes de retorno financeiro seguro só crescia. A criação do conceito
"blockbuster", com a estreia de Tubarão em 1975, foi a salvação monetária
dos estúdios (e o principal catalisador de entretenimento para as massas).
Logo, o que já tem uma base pré-estabelecida com seu público-alvo tem mais
chances de dar certo. Com esse pensamento exclusivamente marqueteiro, o
conceito da Arte superior ao Entretenimento se instalou no imaginário coletivo
das cabeças ocupantes de cadeiras nas multiplexes.
E surgiram, assim, filmes que se baseiam em bonecos (Transformers, GI Joe), baseados em videogames de péssima qualidade (King of Fighters, Tekken) e até mesmo adaptações de... jogo de tabuleiro (o vindouro fracasso Battleship). A crise que assola a Meca do Cinema acaba tornando raro o produto original; para cada Source Code, temos três Cowboys & Aliens (o diretor Jon Favreau, inclusive, é um dos que manifestou sobre a tal crise criativa).
Porém, aliando uma temática adolescente fora de controle com uma afiada sátira aos filmes do gênero, chega Anjos da Lei. Baseando-se na série de TV oitentista, Jonah Hill e o roteirista Michael Bachall capturam os moldes da série e os subvertem para criar um surpreendente misto de Superbad, Jackass e Bad Boys. Desde seu principio, a adaptação tem na aceitação de sua natureza rasa, o seu maior acerto. As situações parodiadas no início do filme, que celebra a formação na polícia dos protagonistas sedentos por adrenalina, acabam ganhando contornos mais interessantes á medida que a projeção avança.
E o que isso tem a ver com a crise criativa? Tudo. Anjos da Lei é o que melhor a aproveita para criar uma obra de qualidade ao personalizar o seu material
genérico - e com toda a convicção. Porque como disse o comissário (em uma das excelentes passagens do esperto roteiro): "eles reciclam essas coisas dos anos
Logo que Jenko e Schmidt chegam no colégio, começam a notar os novos grupos ali presentes. Tudo mudou desde os tempos em que um tinha cabelo grande e, o outro, era loiro. E ali, a diferença de gerações é sentida por ambos: Jenko vê os antigos losers serem populares e Schmidt finalmente vê sua chance de se firmar num ambiente escolar. Mas como esses hipsters ("Eu não sei o que porra é isso", exclama Jenko ao se deparar primeiramente com eles), regados à natureza, atitude blasé e arrogância, chegaram a esse ponto? "Só pode ter sido Glee. Fuck you, Glee", diz o personagem de Tatum, dono das melhores frases do filme e em atuação inspiradíssima.
Destruindo e irritando todas as aglomerações imaturas dos adolescentes, Anjos da Lei tem incríveis sequências que, rompendo o limite do absurdo, surpreendem por um humor que concilia o melhor do "físico" com o mordaz sarcasmo das melhores sátiras. O efeito das drogas, desde sua primeira aparição no vídeo do estudante morto, rende passagens absurdamente hilárias. Quando Jenko e Schmidt experimentam a droga, as cenas que se sucedem são além da mera descrição. Tatum merecia algum prêmio só por se jogar em cima de um bumbo.
O universo surtado do filme opera nesse nível de humor. A festa, à Projeto X, vai além do limite do bom senso; as drogas são glamourizadas em certo ponto, para desenvolver a trama, sem temer a reação de um possível público conservador; aqui, um ménage a trois é bem mais estranho do que parece ("Pra quê a de trás serve?!"); Jesus Coreano e, mais que tudo, não basta bater em um negro ou em um gay: tem que bater em um negro gay.
E se analisar todos é a função, nada melhor do que crescer em cima do genérico. O tenente vivido por um á vontade Ice Cube é o maior exemplo dessa máxima. "Abracem os estereótipos", ele diz. O que era apenas uma ótima piada se revela mais: é se rendendo ao espetáculo das aparências que os nossos protagonistas irão se encontrar. Bacall seqüestra a sátira para, novamente, amadurecer seus protagonistas. Indo, assim, além dela.
Como demonstravam os dois trabalhos anteriores de Bacall (Scott Pilgrim e Projeto X), o roteirista tem uma facilidade maior em abordar temas adolescentes. Mais: tem aptidão ímpar quando encaixa seus personagens em uma trama de amadurecimento; o famoso "coming-of-age". E com Anjos da Lei, não é diferente. Após uma jornada efêmera e pouco expressiva na guarda policial, os oficiais Schmidt e Jenko tem que voltar ao colégio para ganhar a experiência que tanto almejam. Em síntese, é a mesma transformação de Scott em adulto e dos garotos sem noção de Projeto X, mas em um campo mais explícito (o colégio, o maior jogo de aparências e transformações possível) e vestido de sátira surtada ao buddy-cop (com seus agentes rivais e muito mais competentes, o delegado aborrecido e os escritórios chatos).
O que torna a adaptação interessante não é, então, apenas o senso de humor bem apurado de Hill e o surpreendente timing cômico perfeito de Tatum, mas o ótimo desenvolvimento de personagens. Bacall conta a historia com uma falta de noção (necessária para o projeto funcionar) hilária, mas não se esquece de amadurecer os heróis.
E mesmo ao dar lugar a sátira, no clímax diretamente vindo de qualquer filme policial, o filme mantém sua personalidade. Ali, os diretores Phil Lord e Chris Miller merecem nota por construírem uma gag visual, envolvendo explosões em seqüência, que faz rir sem esforço (e ainda escrachando os filmes do gênero). E espere até ver uma das mais divertidas participações especiais do cinema recente.
É excelente quando se usa algo reciclado para construir um entretenimento original e eficaz como Anjos da Lei.
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