Além da Liberdade
(The Lady, 2011)
Drama/Romance - 132 min.
Direção: Luc Besson
Roteiro: Rebecca Frayn
Com: Michelle Yeoh, David Thewlis
Em minha infinita ignorância,
tomei conhecimento da historia de Aung San Suu Kyi apenas há dois anos, quando
assisti ao excelente documentário Burma VJ (leia a crítica aqui) que em
determinado momento apresentava e contava um pouco sobre a historia da personagem
desse novo filme do diretor francês Luc Besson.
Suu Kyi (Michelle
Yeoh) é uma ativista política, filha de Aung San considerado um dos principais
nomes da política de seu país, Birmânia. A primeira cena do filme mostra a
pequena Suu ouvindo uma historia folclórica de seu pai, e ele, por sua vez, é
assassinado por seus rivais na cena seguinte. Besson usa essa cena para apresentar a dificuldade
que a política do país enfrenta e para dizer que Aung San era um sonhador, um líder que lutava pela democracia e a liberdade no país. Esses eventos acontecem em 1947 e o filme pula
diretamente para 1997, quando Michael Aris descobre que tem um câncer em estado
grave e que tem pouco tempo de vida, o que o faz se recordar de eventos de sua
vida com sua esposa, a não tão pequena Suu.
O que o filme não
mostra são os eventos históricos que acontecem entre 1947 e 1988, data do
primeiro dos flashbacks de Aris. Durante esse período, Suu e sua mãe Khin Kyi,
que depois da morte do marido tornou-se uma figura influente na política do
país, partiram da Birmânia. A mãe de Suu foi embaixatriz na Índia e Nepal em 1960, onde ela foi
educada. Suu tem dois irmãos, um deles ainda na Birmânia, morreu ao se
afogar em um lago, e o outro - mais velho - emigrou para os Estados Unidos
antes da família se mudar para a Índia. Depois de morar com a família de uma
cantora pop birmanesa em
Nova Iorque e de ter mantido um relacionamento com um
estudante do Paquistão, Suu trabalhou nas Nações Unidas, onde conheceu seu
marido, Michael Aris, que já era um historiador reconhecido da historia do
Tibet. Eles se casaram, tiveram dois filhos e ela continuou sua carreira,
conseguindo títulos nas universidades de Londres (PHD na escola de estudos
asiáticos e africanos).
Quando a historia
- no filme - começa ela é a dedicada esposa do professor Michael Aris (David
Thewlis) e recebe a notícia de que sua mãe está morrendo em seu país natal. Decide
visitá-la e permanecer a seu lado em seus últimos dias de vida. Durante sua
estadia testemunha a violência dos militares que tomam conta do país e vista
como símbolo de um passado mais justo (graças ao seu pai evidentemente), é aos
poucos cooptada para a causa. Besson não está interessado especificamente na
causa e na luta, por isso - de maneira infeliz na minha visão - ignora os
meandros políticos da situação.
Essa visão maniqueísta
fica clara quando o foco está nos militares, vistos aqui como a personificação
do mal. Longe de mim tentar "aliviar a barra" dos medíocres
governantes do país, mas Besson pesa a mão na representação, tornando enfadonho
o acúmulo de pequenas maldades que - em teoria - deveriam justificar os motivos
do general (e de sua equipe) ser tão odiado. Além de sempre mostrados em um
ambiente mais escuro e com a câmera sempre mais próxima do que de qualquer outro
personagem, o que amplia a sensação de claustrofobia e de desconforto presente
no ambiente, Besson inclui algumas sequências quase gratuitas de maldades
somente para nos esfregar na cara a ideia de que eles são muito, muito maus.
Por outro lado, o
diretor acerta na condução da historia que efetivamente ele quer contar: o
romance complexo e difícil entre Suu e Aris. Sem apelar para o melodrama,
Besson parece intrigado na vida daqueles dois que desde o final dos anos 80,
até a morte de Aris em 99, se viram apenas cinco vezes, e mesmo assim continuaram
apaixonados um pelo outro. Talvez falte um pouco de conflito, em especial vindo
do personagem de David Thewlis, que aceita muito fácil a ideia da separação
forçada de sua mulher.
Ancorado na sensação
épica - sem fim - Besson recheia seu filme de planos abertos para ilustrar a
atmosfera exótica da Birmânia enquanto preenche os espaços com uma trilha
sonora genérica "asiática", sem nenhuma personalidade, apesar de bem
realizada.
Michelle Yeoh tem
uma boa atuação como a revolucionária e apaixonada Suu. Vista como uma seguidora
dos métodos de Gandhi (é vista inclusive lendo a respeito) é o alter-ego da sabedoria
oriental, que já era perceptível em seu pai. Se os primeiros quarenta minutos
do filme são arrastados e pouco interessantes, quando o impacto emocional de
sua revolta no país começam a ser percebidos pelas autoridades, o filme ganha
em dramaticidade e força. Contida em sua alegria e em sua dor, Yeoh tem um
trabalho inteligente e que se apóia na retidão de sua personagem, que parece
nunca esmorecer, com a exceção de uma cena, que Besson é respeitoso em não
mostrar com detalhes, como se desse espaço para aquela mulher sofrer em paz.
Thewlis tem uma tripla
jornada. Vive o empolgado e feliz Michael do passado do filme, um homem
apaixonado, honesto e seguro. Um verdadeiro companheiro, que sabe deixar sua mulher
em foco sem se importar em manter-se nas sombras. Talvez a falta de conflito já
especificada nessa crítica dê essa impressão de que Michael seja um sujeito tão
compreensivo. Thewlis também vive o resignado e doente Michael "do
presente", que está convencido de que dificilmente conseguirá rever sua
esposa antes de morrer. Thewlis ainda tem outro pequeno papel, o de seu irmão
gêmeo, que tem a personalidade, vestuário e modo de agir diferente do irmão.
Apesar de contido
no melodrama, o diretor dá algumas escorregadas pontuais. Em determinado
momento, por exemplo, ele mostra diversos personagens oferecendo comida a Suu,
que se recusa a se alimentar. O diretor repete a "piada", a cada personagem
que tenta em vão fazê-la comer. Besson ignora um pouco a questão política
posterior ao falecimento de Michael (e, por favor, não me venham com essa de
"isso é um spoiler" porque essa é uma biografia e os fatos estão aí
para quem quiser pesquisá-los) que é tão - ou mais - interessante do que a vida
da personagem até então.
Mas como disse,
não é o foco. Besson fez aqui uma homenagem a Suu, por um viés
"humano", apostando na sua historia de amor. Não é um erro, e o filme
é emocionante em alguns momentos, mas diante da historia real, seria bom termos
visto mais da real importância da personagem para seu país e o mundo.
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