A Era do Gelo 4
(Ice Age: Continental Drift, 2012)
Comédia/Ação - 94 min.
Direção: Steve Martino, Mike Thurmeier
Roteiro: Michael Berg, Jason Fuchs
Com as vozes de: Ray Romano, Denis Leary, John Leguizamo, Peter Dinklage, Nick Frost, Queen Latifah, Jennifer Lopez, Nicki Minaj, Simon Pegg, Sean William Scott, Wanda Sykes
Ufanismo é um
sentimento irritante. A exaltação sem sentido de alguém - pelo simples fato de ter nascido aqui - é um caso de estudo antropológico.
Seriamos uma sociedade tão mal amada que qualquer um que faça alguma espécie de
sucesso internacional é digno de ser canonizado e alçado a condição de gênio? Esse é o caso de Carlos
Saldanha, diretor de Era do Gelo 2 e 3 e de Rio, e que há mais de duas décadas
vive nos Estados Unidos criando animação - o que faz com competência, diga-se - afinal sua
criação mais importante, o esquilo Scrat, sempre roubou a cena em todos os
momentos em que surgiu na tela.
Porém, Saldanha
não é gênio, nem realizou nenhum trabalho digno de elogios exaltados. As sequências
de Era do Gelo são infinitamente inferiores ao produto original, enquanto Rio é um
exercício fabulesco com contornos realistas que simplesmente não funciona.
E onde entra Era
do Gelo 4, que Saldanha não dirige, nesse contexto? No Brasil, devido ao envolvimento do brasileiro com o
filme, a serie da Blue Sky sempre foi elevada a um patamar midiático próximo aos
lançamentos Disney, sendo ansiado como um trabalho especial e tudo mais. O
marketing trabalhar com essa ideia é perfeitamente compreensível, a imprensa
noticiar a presença tupiniquim nas produções é normal, mas o público não conseguir
perceber que apenas o primeiro filme (curiosamente o que Saldanha é creditado
como co-diretor) é interessante, é sim um caso assustador.
Não é de hoje - mas
vem se tornando cada vez mais comum - que o público de cinema está cada vez menos interessado em fugir do óbvio. Para que ir atrás de algo
além do que a meia dúzia de salas de cinema me mostra? É confortável comer
minha pipoca, esquecer meus problemas e me divertir. É errado? Claro que não,
cinema pipoca é ótimo quando bem realizado, mas uma dieta cinematográfica
apenas de cinema pipoca não é positiva. E por quê? Simples. Como as grandes
produções procuram atingir o maior número de pessoas possível, nada que seja
minimamente polêmico, questionador ou simplesmente diferente chega às telas de
cinema. O cinema, assim como todas as outras formas de arte, tem um
poder não só de entretenimento, mas também de transformação e questionamento muito grande. No entanto, como a maioria das produções que chegam aos cinemas - especialmente por aqui, um país aculturado e que
enxerga o cinema como acompanhamento para um balde de pipoca - são cada vez mais
pasteurizadas e comuns, essa intenção da arte é deixada de lado. E quando falo
em arte, não aponto filmes "cabeça" moldados sobre discussões
filosóficas e afins - que assim como os blockbusters, correm o risco de irritar
exatamente pelo pedantismo - mas historias com personagens reais, relacionamentos que
possam existir, ações que o público consiga crer e que mesmo diante de mundos
fantásticos possam parecer honestas e verdadeiras, e não
baseadas em uma bula de remédio.
Era do Gelo 4 é
exatamente isso. Uma bula de remédio. Depois de um primeiro filme interessante, que abordava a relação humana com a natureza e tinha personagens
cativantes e engraçados e até momentos de real emoção, a franquia foi cada vez mais
se rendendo a um humor que - para mim - é destinado às crianças pequenas. Por
que não consigo crer que um ser com idade mental adulta consiga realmente rir
de piadas sobre gases, nádegas e afins por muito tempo. Como o público parece engolir sem reclamar, as sequencias seguem-se à exaustão.
Além disso, nessa
quarta sequência ainda estão embutidos discursos edificantes - aqui muito artificiais - sobre "não
esquecer os amigos", "respeitar a família" e o maior de todos os
clichês americanos "ser quem você é", o que é engraçado já que uma
das maiores "realizações" do cinema americano é a de influenciar
gerações a serem exatamente iguais aos seus artistas favoritos, mas enfim,
invariavelmente esse discurso hipócrita (vindo de quem assina) é destinado ao
público que parece não perceber a dicotomia do falatório.
Estão de volta o
trio de personagens principais, Manny (o mamute), Diego (o tigre) e Sid (a preguiça),
que vivem tranquilos quando - e o filme dá uma explicação humorística
até interessante para a origem do fato - a terra começa a se dividir entre os
continentes, e, portanto os animais precisam migrar. No entanto o trio acaba
afastado de sua matilha (que inclui a mulher de Manny, Ellie e sua filha agora
adolescente Amora) e precisa encontrar um jeito de voltar ao convívio de seus
pares.
A relação de Manny
e sua filha é clichê. É a velha historia antropomorfizada da adolescente em
disputa com o pai, sempre questionando a opinião paterna, para no fim ambos
cederem e tudo ficar bem. Como em todo filme da franquia (pra não dizer em toda
animação americana) somos apresentados a novo personagens, que em geral só tem
função genérica.
A trama dessa quarta sequência coloca nossos protagonistas em
contato com a tripulação de um navio pirata (na verdade um iceberg usado como
navio) comandada por uma espécie de primata (com direito a dente de ouro e corte do
pelo em formato de chapéu pirata) e que tem na tripulação alguns estereótipos
que funcionam muito melhor com as crianças bem pequenas. A morsa idiotizada que
vive de piadas de banheiro e observações óbvias que até funcionam a princípio, mas que como o personagem se resume a isso, acaba cansando com o tempo. O
coelho que tomou muito café e precisa de uma terapia é outro personagem, porém esse é mais interessante. Grita feito um maluco, e é mais hiperativo que o esquilo de
Sem Floresta (lembram desse?) e tem bons momentos principalmente quando tenta
ser mais importante do que de fato é. A outra personagem importante é a tigresa
Shira, que é a femme fatale na historia e funciona como interesse amoroso de
Diego. Do lado dos "mocinhos", ainda somos apresentados a avó de Sid, uma velha preguiça que todos consideram maluca, pois fala com uma amiga imaginária e que rouba as poucas cenas de destaque do filme, tornando-se o único acréscimo válido da produção.
Tecnicamente, Era
do Gelo 4 continua avançando em termos de qualidade visual.
Diferente da animação "tradicional", a animação computadorizada parece envelhecer
muito mais rápido e pior. Comparem a qualidade da criação dos animais no
primeiro filme (de dez anos atrás), com essa quarta parte e sintam o
abismo técnico que separa as duas produções. Em especial na criação dos
cenários - que pareciam claramente virtuais no primeiro filme e que aqui estão
muito próximos do real - e da pelugem dos animais, que se movimenta com o vento
e tem textura própria.
Infelizmente, o
apuro visual é muito pouco para salvar essa quarta parte da franquia. Recheado
de piadas "bobinhas", personagens novos sem carisma (e que até cantam)
e um esquilo neurótico que continua sem sucesso correndo atrás (ainda) da noz perdida.
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