Valente
(Brave, 2012)
Aventura - 100 min.
Direção: Mark Andrews, Brenda Chapman
Roteiro: Mark Andrews, Brenda Chapman, Steve Purcell e Irene Mecchi
Com as vozes de: Kelly MacDonald, Emma Thompson, Billy Connolly, Julie Walters, Robbie Coltrane, Kevin McKidd, Craig Ferguson
Ufa foi apenas um
escorregão. Essa é a sensação que tive ao final de Valente, a mais recente
produção dos estúdios Pixar, graças - é claro - aos muitos problemas vistos em
Carros 2, sem sombra de dúvida o mais fraco dos filmes do estúdio. Valente, por outro lado, se não é o mais fantástico
das animações do estúdio (coloco Wall-E, Toy Story 3 e Ratatouille na frente) é
uma bem vinda volta aos eixos.
A
historia é simples, e trata sobre alguns conceitos já bastante esmiuçados pelos
filmes de animação: amadurecimento e "ser quem você é". Apesar de a
ideia parecer batida e até hipócrita (já que um dos efeitos colaterais mais
claros do cinema é sua influência sobre o comportamento humano) a Pixar, como
de praxe, consegue transformar conceitos com cara de sermão em entretenimento
de qualidade, e aqui com uma dose extra de emoção e um viés feminino muito mais
claro do que qualquer outro de seus filmes até então.
Co-roteirizado
e co-dirigido por uma mulher de forma inédita no estúdio, fica clara a influência
feminina tanto na construção da historia quanto na forma com que a mesma é desenvolvida.
Valente é mais sutil e muito mais preocupado com o desenvolvimento de suas personagens
femininas, como nenhum outro filme do estúdio havia conseguido. Já a historia é
dominada por personagens femininas fortes e inteligentes, enquanto os homens
são os alívios cômicos da produção.
Outra
boa ideia, foi a de que mesmo em um ambiente medieval e afins, não existe a
figura do príncipe encantado que salva a donzela indefesa, o que faz do filme
uma produção contemporânea, já que coloca a mulher como centro dos eventos, que
consegue desenvolver-se e resolver seus problemas sem a ajuda do "macho da
vez".
Valente
apresenta a princesa Merida, uma jovem inquieta com brilhantes olhos verdes e o
cabelo ruivo mais intenso e cacheado que o cinema (na vida real ou em animação)
já retratou. Seu visual exótico é mais uma arma para que a produção identifique
aquela personagem como "um peixe fora d'água", uma pequena
revolucionária diante de costumes antigos e tradicionais. Quando a historia
começa, a pequena garota já demonstra uma vontade grande de viver intensamente,
de forma - em teoria - masculinizada, em meio à natureza enquanto empunha um
arco e flechas, até enxergar uma misteriosa luz que a faz ser notada por um
gigantesco urso que ao tentar atacar a garota, sua mãe e seu pai, acaba sendo enfrentado
por esse último, o que o faz perder uma perna. O filme então avança no tempo, e
encontramos Merida, num estágio adolescente, em meio às mesmas aventuras envolvendo
escaladas e os mais diferentes tipos de "esportes de ação", enquanto
precisa lidar com sua mãe, a rainha Elinor, que desgostosa com as desventuras
da filha, tenta a todo custo transformá-la em uma princesa tradicional, cheia
de regras de conduta.
O
filme versa sobre a relação entra as duas personagens, e os óbvios conflitos
entre as personalidades tão dissonantes quanto a da rainha certinha e cheia de
regras e a da princesa - um chamado "espírito livre" - que
preza por sua liberdade e quer conseguir seus objetivos com seu próprio esforço
e de seu jeito.
A
trama ganha corpo quando, decidida a lhe dar um marido, os pais de Merida
decidem convidar os demais clãs que formam seu reino - uma espécie de reunião
de clãs encravada na Escócia - o que causa uma enorme revolta na garota. Depois
que os pretendentes são apresentados e a princesa causa uma confusão, ela se
revolta com a mãe e parte para a floresta, onde se envolve com
uma misteriosa personagem acaba alterando sua vida para sempre.
No
fundo, Valente é sobre a relação conflituosa entre pais e filhos, e o amor,
mesmo quando existem falhas de comunicação gritantes entre os dois lados da
conversa. A diferença é que, se a Pixar já havia feito isso com Procurando Nemo
pelo viés masculino, agora deixa as mulheres tomaram as rédeas da conversa.
Como
disse no início do texto, os homens em Valente são personagens coadjuvantes e
que estão sempre sendo retratados de forma bufa. O maior exemplo é o rei Fergus,
que apesar de ser o supremo senhor daquele canto do mundo, é claramente
subserviente a sua esposa, numa alusão sobre aquela velha máxima
masculina: "quem tem a última palavra na relação sou eu, e ela sempre é:
tá bom, querida". Retratado como um homem brincalhão, divertido, amoroso,
mas um pouco apalermado, é uma curiosa visão sobre a seriedade dos cargos de
liderança, e principalmente sobre a ideia de satirizar a importância de toda
aquela pompa.
Os
pretendentes por sua vez são igualmente satirizados: o gordinho que fala em uma
língua incompreensiva, o galã de fundo de quintal e o completo apalermado,
enquanto os pais desses garotos também tentam manter a pose de homens fortes e
valorosos. A Pixar assume o feminismo com classe, e coloca os brigões e
bárbaros (em uma era em que
Game of Thrones faz tanto sucesso), numa posição de
divertimento familiar, deixando suas mulheres brilharem. Ainda no campo
masculino, é preciso dizer que a representação dos três irmãos de Merida são
sensacionais. Os trigêmeos, ruivos como a irmã, mas com os cabelos que parecem
chumaços de algodão são pequenos gênios do mal, sempre prontos a aprontar
alguma travessura que os faça comer mais doces.
Sucinta em sua
amarração de eventos, a historia começa a pecar quando acelera demais o processo de
redenção dos personagens, tornando a mensagem de aceitar as diferenças e
compreender o outro, um pouco mastigada demais, principalmente para os padrões
Pixar de entretenimento.
Tecnicamente, o
que mais podemos dizer sobre a Pixar? Ao lado dos japoneses dos estúdios
Ghibli, ninguém no planeta faz animações com a mesma qualidade visual que esse
pessoal. Tudo, dos detalhes do pano usado em uma determinada bandeira (em que
conseguimos ver os detalhes da costura do tecido), passando pelas pedras dos
corredores dos ambientes do filme, passando pelo desbunde dos muitos rios,
cachoeiras, montanhas, bosques e florestas, é de uma competência alarmante. Se
muita gente reclamou do visual "cartoon" dos personagens (incluindo
ai os animais), os cenários beiram o foto-realismo, o que dá a produção ainda
mais destaque.
Valente é uma bem
vinda mudança de ares na Pixar, um olhar mais feminino que ainda não tínhamos
visto no estúdio e que espero rever no futuro. Não vejo como Valente poderia
gerar uma sequência, embora alguns personagens (como a hilária bruxa)
merecessem maior atenção no futuro e conta com um dos finais mais doces entre
todos os trabalhos que o estúdio já apresentou.
Não compartilho da mesma empolgação, mas é uma boa animação.
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