Cosmopolis
(Cosmopolis, 2012)
Drama - 109 min.
Direção: David Cronenberg
Roteiro: David Cronenberg
Com: Robert Pattinson, Samantha Morton, Juliette Binoche, Jay Baruchel, Sarah Gadon, Mathieu Almaric, Kevin Durand, K'Naan, Paul Giamatti
A filmografia de
David Cronenberg é recheada de produções exóticas, que flertam sem nenhum pudor
com o bizarro e o excêntrico. Durante os anos oitenta e noventa, não era
incomum acompanhar as produções de Cronenberg ligadas ao mais estranho possível.
De homens mosca a sujeitos que enfiavam a cabeça em televisores, passando por
outros que explodiam humanos com o poder da mente, o canadense era pródigo em
realizar esse tipo de excentricidade, sem no entanto, esquecer-se de uma
narrativa interessante, intrigante e às vezes densa o bastante para afastar
muitos espectadores.
Todos esses
elementos (excetuando-se a violência gráfica) estão presentes em Cosmopolis, o
primeiro flerte do diretor com o "diferente" em mais de uma década.
Vindo de três trabalhos mais comuns (a saber: Marcas da Violência, Senhores do
Crime e Um Método Perigoso), Cosmopolis é uma produção excêntrica com o melhor e o pior de Cronenberg reunidos em um mesmo filme.
Dotado de momentos
de pura genialidade, com diálogos afiados e análises comportamentais e contemporâneas
muito bem pensadas, quando se dedica ao racionalismo, Cosmopolis vai bem.
Porém, quando tenta encontrar significados e criar símbolos e
"cabeçear" com um rebuscamento desnecessário, escorrega e parece
profundamente pedante.
A historia é
absurda e digna da realidade fantástica que também é elemento da filmografia do
diretor. Um super milionário (Robert Pattinson) decide atravessar a cidade de
Nova York para cortar o cabelo. Porém, enquanto tenta sem sucesso atravessar a metrópole,
o presidente americano é ameaçado quando em visita a cidade e ocorre um
gigantesco funeral que toma as ruas de Nova York. Ao mesmo tempo, um grupo de
revolucionários modernosos, contrários ao chamado capitalismo eletrônico (onde
o dinheiro físico é substituído pelas transações virtuais) protesta de forma
agressiva nas ruas.
Impedido de chegar
ao destino e voltar ao escritório, Eric Packer (o tal milionário) acaba recebendo seus
contatos, parceiros de negócios, amantes e amigos em sua luxuosa limusine, uma
embarcação que navega lentamente pelo oceano de concreto. Algumas participações
são interessantes, em especial Samantha Morton a "especialista em
teorias" que tem os melhores diálogos do filme, incluindo aqueles em que
questiona a nossa relação absolutamente problemática com o tempo (que nunca nos
sobra e sempre nos falta) e sobre a força do "dinheiro invisível"
diante de uma população que luta desesperadamente para manter-se fincada do
presente, onde as notas de dólar, euro, real, yuang e etc ainda estão entre
nós.
Outras boas participações, pelo bom humor excêntrico, são a presença do médico que faz o check-up em
Pattinson, o revolucionário "das tortas de creme", ou aquele que serve de consolo sobre a morte de um ídolo do milionário. Cronenberg, no
entanto arrasta demais sua ideia de mostrar um homem ir do céu ao inferno em
menos de 24 horas, tornando a aventura hermética, cheia de símbolos
desnecessários e momentos dramaticamente falhos, como todo o arco que envolve
Pattinson e sua esposa, a jovem Elise Shifrin em uma espiral de tentativa e erro para manter um casamento de aparências em funcionamento. Nem
Pattinson convence, muito menos a fleumática Sarah Gadon, que faz de
Elise um fantasma que passeia assombrando a tela, sem encontrar um corpo para
encarnar.
Muito mais contido
visualmente do que se imaginava, Cosmopolis é uma enorme tese sobre a contemporaneidade
e nossos medos diante do futuro. Uma das teses possíveis é a de que a moral é tão
inexistente que para sentir alguma coisa real (e que fuja da artificialidade em
que se vê inserido) o jovem milionário precisa ir aos extremos, para
simplesmente sentir-se vivo. Outra possível mensagem de Cosmopolis é de que
caminhamos com muito medo diante do desconhecido e que essa realidade futurista
de cartões de crédito e dinheiro cibernético assusta por demais a maioria dos
pobres mortais que não tem condições para manterem-se alheios aos ratos que
perambulam pelas ruas.
Mas, a
maior mensagem - e talvez a mais clara - é a de que o homem conseguiu mudar
a velocidade do tempo. O que era medido em luas nas cavernas, passou a ser
medido em semanas, dias, horas, minutos e segundos até chegarmos à infinita
decimalidade do 0,000001 segundo. O que nos tirava o sono, hoje é resolvido com
o clicar de um botão. Cronenberg é feliz em sua teoria, mas profundamente
irregular em sua narrativa.
Quando chegamos ao
ápice da jornada "épica" pelo mundo chamado Nova York, parecemos
perdidos e sem muito motivo para termos andado tanto. O que de fato querem Cronenberg e seu alter-ego Pattinson? Essa é a pergunta que não fica clara em
momento algum. E o que de fato fará Pattinson agora que finalmente atinge seu
objetivo? Ou melhor, terá mesmo atingido seu objetivo? Terá conseguido
"sentir" alguma coisa? Teria encontrado alguma coisa real, diante do
deserto de insensibilidade que recorta sua vida?
Pattinson se
esforça para responder. Está mais contido e - como havia dito em Bel Ami - é um rapaz jovem
e bastante esforçado e tem tentado ao máximo "matar" sua imagem de
galã vampírico. Talvez aqui tenha encontrado um grande diretor em um momento
infeliz. Lembremos que antes da sua trilogia da "normalidade",
Cronenberg vinha do irregular Spider e do inteligente e até visionário, mas
narrativamente infeliz eXistenz. Talvez tenha chegado à vez de David mudar sua
abordagem, ou voltar de vez as insanidades quase grosseiras do período em que
tentava descobrir a verdade por trás do corpo humano como simulacro da máquina.
De qualquer forma, Cosmopolis é o reflexo do que a intelectualidade de
Cronenberg é capaz de produzir. Teorias ácidas, momentos de amargura, humor non
sense, sexualidade a flor da pele. Mas, envolvido de uma preguiça em solucionar
o que propõe e um pedantismo que deve gerar até certo culto, daqueles que
adoram apontar os dedos e dizer: "você não gostou, por que não
entendeu".
Por favor, o que
há para entender, além de que o diretor cria seu "Coração das Trevas"
embebido em nanotecnologia, e fracassa ao não conseguir ligar o monitor?
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