A Rebelião
(L'Ordre et la Morale, 2011)
Drama - 136 min.
Direção: Matthieu Kassovitz
Roteiro: Matthieu Kassovitz, Benoit Jaubert e Pierre Geller
com: Matthieu Kassovitz, Iabe Lapacas
Matthieu
Kassovitz, mais conhecido por seus papeis como ator em filmes como Fabuloso
Destino de Amélie Poulain, Munique, A Isca Perfeita é sim um diretor talentoso.
Seu segundo filme, O Ódio é um cult por excelência, e seu primeiro trabalho de
"gênero" rendeu o ótimo policial Rios Vermelhos, estrelado por Jean
Reno e Vincent Cassel. Em compensação, Kassovitz vinha de dois trabalhos bem
fracos, o medonho Na Companhia do Medo (estrelado por Halle Berry) e a ficção
científica meia boca Missão Babilônia (essa estrelada por Vin Diesel).
Kassovitz levou
três anos desde seu último filme, o citado Missão Babilônia, para voltar à
cadeira de diretor, mas o fez com grande competência nesse drama de guerra,
aqui chamado A Rebelião.
Contando a
"historia real" da intervenção policial e militar no arquipélago da
Nova Caledônia, uma das muitas colônias francesas no final dos anos 80,
Kassovitz mostra como a defesa "da ordem e da moral" nem sempre são caminhos
corretos e tem como real motivação a resolução dos problemas enfrentados.
Em 1988, insurgentes
do povo kanak invadiram um posto policial como protesto contra uma lei que
poderia destruir a cultura local e na tentativa de conseguir sua independência.
No meio da confusão, a invasão pacifica acabou tomando ares trágicos e quatro
policiais foram mortos e diversos outros acabaram sendo sequestrados. Muito próximo
da eleição francesa, a GIGN (espécie de SWAT francesa) é enviada até o
arquipélago para solucionar a situação dos reféns, já que a Nova Caledônia,
apesar de encravada no Pacífico (fica próximo às ilhas de Fiji) é parte do
território francês e, portanto responsabilidade da policia do país.
Acompanhamos a
historia pelos olhos do capitão Philippe Legorjus (Kassovitz) especialista em
negociação que é enviado para liderar as forças especiais e resgatar os reféns
dos insurgentes. Porém, ao desembarcar no país acaba sendo informado que sua
atuação no país seria limitada diante do comando militar que assumiria a
situação.
A Rebelião aponta
claramente culpados, e não tem medo de dizer que os responsáveis pela enorme
bagunça que se seguiu à chegada da GIGN (se tiverem curiosidade procurem
Internet a fora o resultado da intervenção) é dos governantes, o alto escalão
da política francesa, interessados em resolver a coisa de forma rápida sem
medir consequências e temendo a influencia eleitoreira que um problema na colônia
resultaria.
Os rebeldes são
retratados como homens simples, mas orgulhosos de sua cultura e que se veem
metidos em uma situação nunca antes planejada por eles. Já Legorjus é um homem
que a principio tenta se manter neutro, cumprindo ordens e tentando resolver a
situação da forma mais rápida possível. Porém, quando a
calamidade toma conta do país, ele precisa se posicionar e é aí que A Rebelião
se transforma em um excelente drama não só de guerra, mas político e humano.
Desde a primeira cena, em que vemos os resultados de uma ação em campo,
Kassovitz nos mostra sem pudores as dificuldades de se encontrar uma solução
racional e razoável diante daquela crise.
Em flashbacks
acompanhamos os dez dias que antecederam os eventos mostrados na primeira cena
do filme, sempre de forma fluída, sem interrupções e com um trabalho técnico
exemplar. Encerrando esta primeira cena com um close forte e vigoroso de
Legorjus, o diretor (e protagonista) logo corta para o dia em que tudo passa a
ser responsabilidade daquele homem, que acordado no meio da noite precisa
resolver uma solução muito mais complexa do que ele poderia imaginar.
A fotografia nos
coloca rapidamente no clima do país, uma linda coleção de ilhas verdejantes
cortada pelo mar azul, praias serenas e uma vastidão de florestas densas e
úmidas. É um contraste e tanto entre a beleza visual e cultural dos habitantes
com a desolação e a sensação de tensão quase alienígena que Legorjus tem ao
desembarcar. É como se um astronauta estivesse pisando pela primeira vez em um
planeta desconhecido e reconhecesse uma nova civilização com sua cultura
própria e tão complexa quanto à situação em que está metido.
A montagem é outro
destaque. Existe uma sequência fluída em que o diretor esconde (ou talvez nem
tenha os feito, mas enfim) os cortes enquanto a partir do relato de um homem
nos mostra a ação perpetrada pelos rebeldes. Influenciado por Scorsese e por
Cidade de Deus, a sequência é tecnicamente irretocável, com a câmera passeando
interna e externamente dando escopo a toda a ação, interrompendo-a
(literalmente parando a imagem) para que a testemunha diga textualmente como
cada soldado foi morto. Ao mesmo tempo em que o passado é mostrado, Legorjus e a
testemunha estão no mesmíssimo ambiente e quase contracenam com o passado do
lugar. Cheia de estilo e muito eficiente em conseguir de forma agilíssima
apresentar os fatos ao espectador sem cansá-lo.
Outro destaque
técnico é a trilha sonora, que praticamente não existe de forma melódica. São
sons dissonantes e que formam uma sinfonia exótica e rítmica de tambores
metálicos que marcam o compasso de uma tragédia.
Apesar do inicio
tecnicamente irretocável, Kassovitz rende-se ao lugar comum durante boa parte
da narrativa, não ousando na forma de apresentar sua historia, o que de forma
alguma deve ser encarado como um demérito, já que, diante de uma historia tensa
e complexa, com muitas mudanças de andamento e de personagens entrando e saindo
da trama, quanto mais simples for a abordagem mais facilmente a mensagem poderá
ser percebida pelo publico e compreendida.
No entanto, o
diretor apresenta ainda dois outros momentos de virtuosismo durante seu filme.
O primeiro, um virtuosismo de mensagem, ao apresentar um debate eleitoral real,
mas montado de forma a transformar os políticos na tela em falastrões (de fato
o são, sejamos honestos) que muito falam mais muito pouco dizem de verdade. Os
cortes nos olhares dos homens e nas bocas que se mexem, mas que tem suas vozes
misturadas, são um triunfo.
O segundo
virtuosismo está na parte final do filme, e envolve uma longa e claustrofóbica
sequência de ação no meio da mata fechada com uma câmera documental sem nenhum
"respeito" pela ação, que parece presa aos poros daqueles
personagens. A visibilidade é limitada, a tensão e o medo da morte constante e o
resultado é tenso e muito funcional.
Embora
tecnicamente excelente, A Rebelião também conta com bons atores, especialmente Kassovitz
que tem sua "jornada do anti-herói" moldada diante de nossos olhos. Leborjus vai se transformando de soldado exemplar e cumpridor de ordens sem interesse em
especial pela historia e cultura dos kanaks, em um homem melhor, mais honesto
consigo mesmo e que mesmo diante das falhas assumidas pelo personagem,
mantém-se integro diante de suas escolhas.
A Rebelião é um
libelo político e dramático contra a insensibilidade das autoridades diante de
um fato muito maior do que uma reles eleição. A historia de um povo oprimido,
de um homem encontrando uma forma de defender sua cultura e de outro que
precisa encontrar uma forma de solucionar uma crise muito maior e mais
asquerosa do que ele poderia imaginar. É um retrato duro da imbecilidade
política a serviço do poder em detrimento da paz e da justiça
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