sexta-feira, 8 de março de 2013

A Parte dos Anjos


A Parte dos Anjos
(The Angel's Share, 2012)
Comédia/Drama - 101 min.

Direção: Ken Loach
Roteiro: Paul Laverty

com: Paul Brannigan, John Henshaw, Gary Maitland, Jasmin Riggins, William Ruane, Roger Allam, Siobhan Reilly

Ken Loach é prolífico. E anda variando os humores de suas produções. Seus três últimos projetos foram uma historia lúdica sobre um carteiro e a materialização de um guia espiritual com o rosto do jogador de futebol Eric Cantona, uma dolorosa historia sobre a misteriosa morte de um mercenário inglês no Iraque e esse "A Parte dos Anjos", um misto de analise do subúrbio inglês (rotineiro na carreira de Loach), misturado à comédia de erros quase fabulesca, daquele tipo em que a conjunção astral ajuda os personagens a vencerem na vida e conseguirem seus objetivos.

Se isso pode incomodar - pelo excesso de coincidências e pela mudança de clima do filme - a forma como Loach transforma uma historia batida sobre um garoto sem oportunidade e que vive de pequenos furtos e pulando de confusão em confusão em uma historia sobre um golpe maravilhosamente aplicado é muito eficiente.

O filme começa apresentando uma serie de julgamentos de jovens infratores, todos alijados sociais, alguns até mesmo com alguma espécie de problema mental. Dentre os diversos casos, estão o de um rapaz tão bêbado que diz ter ouvido a voz de Deus e que esse o salvará de um atropelamento por um trem e Robbie, que está sendo julgado por uma violenta agressão sob efeito de drogas a um outro rapaz. Robbie está tentando melhorar quando o filme começa, junto há alguns meses com sua namorada Leonie, espera o nascimento de seu primeiro filho e talvez por isso (somando-se ao fato do rapaz ser mais um exemplo de tragédia social) sua pena acaba sendo convertida em serviços sociais.


Ele então conhece Harry, o supervisor do serviço comunitário, que logo no primeiro dia de trabalho tem de levar o garoto até o hospital onde sua namorada está dando a luz. Rapidamente Harry entende que aquele garoto vive uma vida miserável, seja apanhando dos parentes da namorada (que o detestam) ou sendo ameaçado por membros de gangues rivais. Decide dar abrigo ao garoto e tocado por sua historia de vida começa a apresentá-lo a um mundo mais leve, onde sua paixão pelo uísque o leva a pensar em talvez seguir carreira no ramo.

A tal "parte dos anjos" do título refere-se justamente a uma peculiaridade do uísque que - como não bebo o destilado - não fazia a menor ideia que existia. Diz-se em um momento do filme que miraculosamente uma quantidade do uísque simplesmente evapora mesmo quando armazenada de forma perfeita em barris de carvalho e com todas as regras da etiqueta etílica. 

É nesse momento que o filme quebra-se em dois. Aquela primeira parte dolorosa e sofrida vai sendo transformada em uma aventura - quase non-sense - sobre uma tentativa de roubo amalucada que envolve kilts, garrafas de vinho barato, mangueiras e a falta de cueca de um dos personagens que o leva a uma dor descomunal (senti dor pelo sujeito).


Loach ignora alguns temas que havia levantado em prol de sua fábula de redenção torta e que acaba servindo de crítica ao valor dado por um monte de álcool fermentado (e assim acabo de comprar briga com a associação dos bebedores de todas as bebidas alcoólicas do país). Essa quebra de eixo - vamos colocar assim - apesar de parecer incomoda, para mim melhora o filme, já que se mantivesse aquele ritmo "tragédia urbana", seria mais um no vasto mar de produções do gênero.

Ao abordar quase a fantasia A Parte dos Anjos transfigura-se em uma produção simpática, ajudada pelo ótimo timing do elenco e pela química de Robbie (o novato Paul Brannigan) com seus parceiros no crime Albert/Gary Maitland, Mo/Jamine Riggins e Rhino/William Ruane. O final lacrimoso retoma o tema de apostar no "underdog" e lhe dar uma chance quando ninguém mais dá - uma ideia nada original - mas que quando bem contada rende história doces como a do filme.

Se a bipolaridade do diretor permanecer seu próximo filme de ficção deve ser duro e sangrento. Ou não, talvez o equilíbrio entre a vida dura e a fantasia de A Parte dos Anjos seja aquilo que ele talvez tivesse tentando encontrar.

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