Anna Karenina
(Anna Karenina, 2012)
Drama - 129 min.
Direção: Joe Wright
Roteiro: Tom Stoppard
com: Keira Knightley, Jude Law, Aaron Johnson, Matthew MacFayden, Domhnall Gleeson, Alicia Vikander
A primeira meia
hora de Anna Karenina é espetacular. Original, misturando cenários teatrais e cinematográficos, por onde personagens entram e saem de portas colocadas por
figurantes, desfilam pelas coxias como se andassem em ruas de
verdade, numa mistura muito bem pensada (e executada) das duas artes,
que não parece teatro filmado e é diferente para os padrões cinematográficos.
Esse visual
absolutamente impecável e extremamente criativo faz com que a versão de Anna
Karenina de Joe Wright (mesmo diretor de Desejo e Reparação e Orgulho e
Preconceito) seja diferente de todas as outras que já chegaram aos cinemas.
Esse é um trunfo
do diretor, profundo conhecer da construção cênica, rígido em seus planos,
usando e abusando dos ambientes que tem em mãos e sendo responsável por sequências
de alta complexidade como a que envolve uma corrida de cavalos encenada dentro
do teatro que serve de base para a grande maioria das cenas do filme. O mesmo
cenário com seu palco iluminado transforma-se de salão de baile, escritório
comercial, fábrica e a já citada pista de corrida. Nesse último segmento, o chão
forrado de serragem (ou palha, algo do tipo) é todo realizado com contraluz, fazendo
a corrida parecer verdadeiramente assustadora. O fato do palco dar visão a
apenas uma área do circuito fictício faz com que o espectador que presencia
aqueles homens e mulheres observando o ir e vir dos cavalos sinta a
aflição daquela situação. E quando um violento acidente acontece, o impacto é
visualmente doloroso e sentimentalmente forte.
Ainda sobre a
qualidade técnica do filme, vale mais uma consideração sobre Joe Wright e a
segurança com que ele controla grandes sequências, com muitos extras, sejam nos
salões de baile (com figurantes congelando suas posições), sejam nas grandes
fábricas onde a trilha sonora é o bater dos carimbos, ou na ferrovia onde a
fumaça e a neve permeiam a visão. Mas, a qualidade das suas tomadas e da
fotografia atinge o ápice nas sequências do campo em que o personagem de Domhnall Gleeson (Levin),
lida com sua rotina de trabalho nos campos dourados de trigo. A coordenação
técnica da fotografia auxiliada pela coreografia dos movimentos das foices
devassando o campo são imagens maravilhosas e das mais perfeitas que o cinema
recente registrou.
A qualidade de
produção ainda resvala nos figurinos de Jacqueline Durran, que acerta em todos os modelos.
Desde os belos vestidos de baile que fazem de Anna/Keira Knightley uma mulher
segura, mas respeitosa a principio, passando pelo garbo e seriedade emanada pelas
vestes de seu marido, Karenin/Jude Law , na simplicidade do campo de Levin ou na audácia do Conde Vronsky, vivido por Aaron Johnson em uma
impecável roupa militar azul clara.
Uma pena que Anna
Karenina, um dos mais belos filmes plasticamente produzidos na última década,
careça do mesmo esmero em sua história que esmaga o texto original,
transformando-o em uma coleção de momentos sem coesão. Os momentos da história
vão entrando e saindo de cena sem impacto, sem que exista uma ligação
emocional com aquela beleza vista em tela. Chega a resvalar na esterilidade. Para quem
não conhece o livro, em
resumo Anna Karenina versa sobre o tórrido caso de amor entre
uma mulher casada e da alta classe da Rússia e um vigoroso capitão do exército.
Que se faça o
registro que essas observações nada têm a ver com a similaridade do texto de
Tom Stoppard com o clássico de Tolstoi, mas com questões mais simples como o
desenvolvimento da trama, seus personagens e motivações. A começar pela própria Anna Karenina, em
uma interpretação engessada de Keira Knightley, que parece ser a única atriz
jovem no planeta que faz filmes de época. Nunca conseguindo transmitir a emoção
necessária a uma mulher em sua posição, Knightley não comove.
Em compensação,
Jude Law é comedido em sua interpretação do passivo Karenin, que tolhido em um
trabalho complexo e difícil se afasta da mulher a quem ama de tal maneira que
auxilia o trabalho do Conde Vronsky em cortejá-la. Em resumo, Anna é uma mulher que precisa
de amor, coisa que Karenin está longe de conseguir dar.
O ponto mais baixo
de Anna Karenina reside na infeliz escolha do mediano Aaron Johnson como o
mítico Conde que tem de ser visto como a encarnação da luxuria e da sedução. O
conde de Johnson é só um garoto mimado de bigodinho ridículo e nem de longe
(muito longe) consegue inspirar alguma espécie de sentimento. É insípido, sem
nenhuma inspiração.
Curiosamente, a
história que corre paralelamente a trama principal e que envolve o já citado
Levin e seus dramas pessoais sobre sua condição financeira diante de uma civilização
de fazendeiros humildes e seu posterior casamento é muito mais interessante.
Tanto Gleeson quanto a jovem Alicia Vikander acertam na composição de seus personagens. Levin é
um jovem inteligente, mas muito sensível e que é profundamente
apaixonado por Kitty, uma jovem de posses que é mais uma encantada (de forma
inexplicável) por Vronsky, o que magoa o jovem rapaz. A cena onde os jovens se
reencontram e se declaram é simples, silenciosa, tímida como ambos os
personagens, mais muito mais forte e verdadeira do que todas as que envolvem
o casal protagonista.
Outra inconsistência
na trama é que apesar de começar de forma intensa, inventando formas de
apresentar sua história, a partir do meio do filme, passamos a acompanhar uma estrutura
mais linear e - porque não - comum na forma de contar um drama histórico. Saem
os cenários teatrais, e voltamos aos tradicionais casarões,
quartos e a estética cai na vala comum. Tudo feito com habitual esmero, mas,
sem a mesma originalidade do início.
Joe Wright mostra
- mais uma vez - porque é um dos diretores mais competentes do mercado. Seu
apreço visual e firmeza na direção são notáveis, pena que suas escolhas de
elenco se mostrem equivocadas. Talvez a ideia seja a de aproximar a historia de
um publico mais jovem - com a inclusão de estrelas jovens - mas, por favor,
que o faça com atores qualificados. Ao não conseguirmos crer que Vronsky
representa toda aquela atração irresistível que o filme tenta vender fica
difícil aceitar a força do personagem e por consequência sua relação com a personagem
de Knightley, que é fundamental para toda a trama funcionar.
Anna Karenina é
essa mistura de visual impecável com um casting bastante questionável, o que
faz com que a avaliação do filme seja prejudicada apesar de todo o esforço - visível
- de Joe Wright para fazer de sua versão da obra de Tolstoi única diante do
vasto oceano de adaptações feitas pelo cinema.
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