quinta-feira, 19 de setembro de 2013

Elysium

Elysium
(Elysium, 2013)
Ficção Científica - 109 min.

Direção: Neill Blomkamp
Roteiro: Neill Blomkamp

com: Matt Damon, Jodie Foster, Sharlto Copley, Wagner Moura, Alice Braga

Embora vá até parecer perseguição começo o texto relembrando uma entrevista que o diretor Neill Blomkamp deu ao site Collider pouco antes do lançamento de Elysium nos Estados Unidos. Entre outras coisas, Neill disse que não via televisão há oito anos. Esse tipo de afirmação, além de me parecer arrogante (do tipo: o que se faz na TV é "arte de segunda" e não merece meu precioso tempo) demonstra o quão fechado para o que se passa no mundo a sua volta, o diretor parece estar. Em um momento em que as produções televisivas vem se mostrando cada vez mais afiadas técnica e principalmente narrativamente, não me parece uma boa ideia que um sujeito metido no audiovisual diga isso sem um mínimo de vergonha.

E o que isso tem a ver com Elysium? Explico. Ao não perceber e absorver (porque não) aquilo que de melhor vem sendo produzido por aí, faz de seu filme um arremedo de ficção científica, com os mesmíssimos defeitos do superestimado Distrito 9, que conseguiu uma injusta indicação ao Oscar de melhor filme.

Elysium versa sobre um mundo abandonado por guerras e fome em que vivem apenas os mais pobres. Acima de todos numa espécie de satélite que orbita o planeta (o tal Elysium), os ricos e poderosos vivem a boa vida. O protagonismo é de Max (Matt Damon), eu ex-condenado em busca de uma segunda chance. Ao sofrer um acidente na fábrica em que trabalha e ser informado de quem tem poucos dias de vida, decide viajar a qualquer custo ao Elysium, para, uma vez lá, conseguir se curar em uma das máquinas de "cura mágica e instantânea" capazes de salvar qualquer um de qualquer enfermidade, desde que, seja um cidadão do Elysium.


Assim como em Distrito, Neill prova sua capacidade para conceber - teoricamente - um mundo que ao mesmo tempo em que é critico com a realidade em que vivemos todos os dias, aponta potenciais problemas futuros a partir de nossas ações de hoje. Se em Distrito eram os "camarões" que simbolizavam os negros sul-africanos (país de origem do diretor e roteirista) suprimidos e vitimas de abusos e preconceito, aqui ele expande seu escopo e fala de todos os que são considerados cidadãos de segunda classe, dividindo de forma arbitrária e irreal (típico de alguém que não tem contato com as diferentes visões de mundo que os mais ricos e pobres tem das coisas) o planeta entre pobres miseráveis e ricos super ricos. Ok, relevando a visão estreita sobre as pessoas que Blomkamp demonstra aqui, a trama até se justificaria se não apelasse para clichês na forma de apresentar seus personagens e seu mundo.

Como disse, Max é um ex-condenado e que vive numa imensa favela - que é o se tornou a cidade de Los Angeles - uma imensa massa de pessoas e casas que falam inglês, espanhol, português e todo tipo de dialeto em uma imensa bagunça imunda. Claro, que não basta o sujeito ser o herói, ele precisa ser "o escolhido", como o filme nos informa assim que os créditos são apresentados. Max foi criado em um orfanato ouvindo de uma freira que ele estava destinado a coisas grandiosas. Ao lado do garoto, a jovem Frea (Alice Braga) vive no mesmo orfanato e se torna o "amor impossível" de nosso protagonista. 

Se não bastassem tantos clichês, a representação dos habitantes desse mundo apodrecido é a mais risível possível. A impressão que se tem é a que todos os personagens saíram de um spin off mal sucedido de Mad Max. Todos são "malvados", "grosseiros", "mal encarados" e "ruins". Pessoas boas entre os pobres praticamente não dão as caras. Essa visão simplista acompanha também a visão que Blomkamp tem dos abastados no satélite do Elysium. Todos vestindo branco (e uma população basicamente caucasiana) bebem champanhe, ouvem concertos sinfônicos e se curam do câncer de pele com a facilidade de quem come uma uva. Simplista, apresenta uma população xenofóbica e limitada onde também não existe espaço para aqueles que pensam de forma diferente desse padrão.


Ué, mas isso é uma produção de ação com elementos de ficção científica, porque tanto "mimimi"? Porque Blomkamp enxerga seu filme como uma peça de relevância. Seu filme não é relevante, aliás, ao contrário, é simplista demais e não percebe a ótima ideia que teve em prol de personagens profundamente estereotipados, ações absolutamente injustificadas e desperdício de uma excelente premissa.

Ao ignorar a via do meio, os insurgentes dos dois lados (ou mesmo a classe média, onde será que eles estão escondidos?) Blomkamp limita seu mundo ao velho -e óbvio - clichê do herói versus o vilão sem desenvolver nada além disso, como havia se proposto a fazer nos primeiros minutos. Notem - quando virem o filme - como a primeira meia-hora do filme (mesmo com o discurso "você está destinado a mudar o mundo") funciona muito bem e nos insere naquela realidade suja e em contraste com o mundo etéreo de Elysium. Uma pena que isso pare ali. 

A trama em si é absolutamente derivativa (Blomkamp não deve ter visto muitos filmes também) e no fim se torna um jogo de gato e rato entre a versão "ninja da favela" de Damon contra o brutamontes barbudo e com cara de viking de Sharlto Copley (que nesse mundo simplista é o que melhor se sai e se diverte fazendo de seu vilão assustador). Toda a propaganda sobre o personagem de Jodie Foster é exagerada. Sua personagem, apresentada como uma mulher forte, cruel e decidida, vai se revelando rasa e facilmente substituível e sem nenhuma grande motivação para seus atos. Se o vilão de Copley abraça o "coringismo", e é daqueles clichês do sujeito que quer ver o circo pegar fogo, a possível percepção de que a personagem de Foster é astuta e inteligente é deixada de lado em detrimento do vilanismo puro e simples.


Os brasileiros (sem nenhum ufanismo) são os que se saem melhor na produção. Alice Braga é a única personagem "real" naquele mundo de excessos. A garotinha amiga de Damon torna-se uma enfermeira que luta contra problemas pessoais e precisa desesperadamente de ajuda. Talvez seja o melhor desempenho da atriz em inglês, que precisa de papéis melhores, porque talento não lhe falta. E Wagner Moura? Seu Spider é um hacker/gangster cheio de cacoetes, problemas de locomoção e com uma atitude enérgica e histérica que confere ao mesmo quase o posto de alívio cômico. Wagner compôs o personagem como um sujeito esguio e ardiloso que trabalha nas sombras para a destruição de um sistema. Sua atitude virulenta diante das ações e sua falta de escrúpulos para conseguir seus objetivos fazem do personagem bastante convincente, embora - como todo o filme - sofra no ato final redentor.

Damon não compromete, mas está longe de seus melhores momentos. A excelente construção técnica do exoesqueleto (presente nos trailers e pôsteres de divulgação) funciona muito bem e agrega um ar cyborg fundamental para que sejamos convencidos de que o personagem está à beira do abismo já que seus implantes são - na melhor das hipóteses - rudimentares. Esse visual, também ajuda a nos convencer de que Max está disposto à atos de extremismo para conseguir seus objetivos.

Lembrando demais a tecnologia de Distrito 9 - o mesmo vale para o cenário do mundo árido que se tornou a Terra - os efeitos visuais são competentes, mas não saltam aos olhos. A construção dos diversos robôs marcados pelos anos de serviço é uma adição óbvia mas bem vinda que garante mais credibilidade aquele universo, servido por máquinas velhas. A fotografia do filme é a mesma nos dois ambientes em que o filme se passa o que é uma escolha - a meu ver - infeliz. Seja no mundo arenoso da Terra ou no idílico paraíso (com o perdão da piada pronta) de Elysium a fotografia aposta no naturalismo. Nem o uso de algum tipo de filtro para criar alguma espécie de contraste visual, Blomkamp utilizou. Tudo está nas costas do design de produção que acaba dando conta do recado construindo cenários críveis e bastante diversos, mesmo em ambientes iguais.


Elysium se transforma em uma grande decepção. Por algum motivo maluco (ou sádico) mesmo vendo a estética dos pôsteres e trailers, imaginei que Blomkamp não cairia de novo na armadilha que seu Distrito 9 caiu. Desenvolve uma ideia boa, cria-se um mundo que pretende ser crítico, mas prefere-se apostar no lugar comum, no filme de ação clichê e que não tem novidades ao que foi feito até aqui. Mais uma dessa e o diretor sul-africano entra pro hall de Tim Burton: sujeito que tem ótimas ideias e conceitos mas que os desenvolve de forma preguiçosa.



Neill Blomkamp ainda quer fazer Halo. Não é difícil entender o por que: a trama presente nos jogos, envolvendo uma gama de civilizações visitadas para estabelecer um cenário político, usa da ação para manter certo descompromisso, o que acaba a afastando de Mass Effect e sua forte filosofia. Quando lançou Distrito 9, Blomkamp queria dar seu parecer sobre a segregação racial e o debate que ela gera, mas termina usando da ação frenética para terminar o seu conto, com a consagrada trama do infilitrado-que-se-encanta-pelo-inimigo. Era uma trama vitoriosa, um setting interessante e um formato documental que trazia alguma novidade, mas com os rumos fracos que o roteiro tomava Distrito 9 acabava se achando muito mais inteligentes do que era de fato.

Agora, em Elysium, Blomkamp é muito mais claro no que quer fazer, sendo apenas um filme de ação grandiloquente, com o mesmo pano de fundo de Distrito 9 (e de Halo). Demonstra tanta falta de habilidade em sua condução ideológica que se sobressai mais como sátira, uma mera desculpa para o sul-africano filmar o que mais gosta: ação.

Desde seu princípio, Elysium já mantém uma lógica interna de linguagem. Inicia com um didático letreiro, que deixa explícito o que as imagens já deixavam óbvio. Perto do fim do primeiro ato, um take nos lembra quem é certo personagem, já que o didatismo aqui impede que o espectador relembre sozinho. Na introdução, porém, Blomkamp usa da competente trilha minimalista do novato Ryan Amon para dar imponência à breve sequência de cenas, precisa ao construir o imaginário do herói que Max será e ambientar o espectador naquele futuro através de planos eficientes, seja com câmera na mão ou em takes aéreos.



Ao construir seu filme como uma jornada de herói na luta contra o sistema, Blomkamp demonstra uma honestidade que não era tão evidente em seu filme anterior, que apelava para essa jornada sem nunca ter preparado o espectador para ela durante os primeiros atos. Já aqui, o herói é construído até à exaustão. Uma freira conta ao pequeno Max que, um dia, ele “fará algo maravilhoso”; já no presente, o seu amigo vivido por Diego Luna pergunta o que aconteceu com Max, já que o homem “costumava ser uma lenda”; durante uma revista policial, o protagonista tira sarro com o robô, que deixa claro que ele tem antecedentes criminais. É um herói consagrado do subgênero de pós-apocalipse, o homem oprimido lutando contra a tirania do governo, um clichê que implodiu filmes como o ambicioso O Preço do Amanhã ao privilegiar arquétipos. No entanto, o roteiro consegue usar o clichê a seu favor: a aceitação na construção de Elysium em volta do personagem de Matt Damon evita que o discurso social do diretor sufoque a narrativa.

Discurso social esse que está, por sua vez, mais afetado do que nunca. É interessante construir alegorias sobre o contraste sócio-econômico que o futuro poderia trazer, como o próprio O Preço do Amanhã; a ficção-científica é, talvez, o melhor gênero para debater assuntos instigantes, maiores que o Homem. Mas para tentar extrair questionamentos e ideias de uma narrativa, tem que confiar muito em sua mão. Aqui, Blomkamp confia até demais, e nos apresenta um reducionismo geral que espanta uma caricatura em forma de mundo. Os principais atores da resistência são latinos; os ricos são arrogantes, poderosos e sentem nojo do ar da Terra (eles são muito maus); e como Blomkamp costuma ser extremo em seus debates, obviamente isso se refletiria na narrativa: como apontou Chico Fireman em sua crítica, aparentemente o diretor se esqueceu da existência de uma classe média. São grandes problemas em um roteiro metido à intelectual, mas em Elysium é difícil se importar; mais legal é tentar ver que estamos diante de uma atmosfera absurdamente satírica. É um filme onde os pobres ouvem dubstep e os ricos ouvem Bach, ora.


O diretor sul-africano faz aquela média para parecer engajado, diz que “isso não é ficção-científica, isso é o mundo de hoje”, mas no fundo isso é tudo uma ilusão, um divertido background para Elysium. Estamos lidando com um filme que utiliza do sócio-político para abusar (positivamente) da cultura Pop numa frenética ficção-científica de ação. O agente Kruger, vivido por Copley, tem uma espada ninja; Matt Damon usa uma AK-47 toda modificada, com uma faca que remete à baioneta de Gears of War; tanto Max quanto Kruger têm modificações em seus corpos, o que gera um combate digno de filmes super-heróicos; Kruger tem um escudo de força (!) em forma de bastão, que impressiona em sua primeira aparição. E como os cartazes já mostravam, há exoesqueletos; eles transformam os humanos em quase mechas. A violência, por sua vez, é estilizada (cabeças explodem mesmo), e usada em prol do espetáculo (a regeneração de certa cabeça).




Tudo isso mantém a narrativa em segundo plano e melhora a impressão que Elysium deixa. Caso se focasse em suas discussões e ideias, resultaria mais problemático do que já é: Blomkamp não só resolve da maneira mais simplória e previsível possível o conflito dos povos como apresenta o já citado didatismo de forma inacreditável. Basta dizer que, em certo ponto, Max explica exatamente tudo o que já havia sido dito por Spider anteriormente (“recapitulando...”).

Nisso, as atuações do filme se encaixam com a proposta de seus personagens. Se Alice Braga e Diego Luna fazem bem personagens com pouco tempo de tela, Matt Damon nunca deixa a desejar como um herói de ação, se apresentando menos vulnerável e mais destruidor que em seus tempos de Jason Bourne. Wagner Moura, em seu primeiro papel em Hollywood, deixa uma boa impressão, já que mantém sob controle a afetação de seu Spider, causando até certa empatia pelo personagem. E com Jodie Foster e William Fichtner debaixo de camadas e camadas de caricatura, Sharlto Copley se sobressai como o trunfo do terceiro ato, com um vilão sádico e altamente pop (ele tem um exoesqueleto ninja). É mais um chefe de fase, metade humano-metade ciborgue, que um personagem tridimensional – e Copley entende isso perfeitamente, se divertindo no papel.


Claro que mesmo assim a narrativa tem problemas imperdoáveis: o desenvolvimento dos coadjuvantes geralmente apresenta didatismo constante (o único que se salva é Spider, que tem uma introdução decente), o golpe político em Elysium serve só como desculpa para manter a canastrona Jodie Foster na tela, os conflitos dramáticos e as metáforas são comuns. Mas o roteiro de Blomkamp pega uma estrutura de objetivos que remete diretamente aos games (como o pen-drive neural que move a narrativa), o que não só mantém o fôlego da narrativa como dá uma ideia de como seria o tal Halo planejado pelo diretor. O ritmo fluido do filme casa perfeitamente com a construção de seu herói e, mais ainda, com sua salada pop, concebendo uma ficção que, mesmo sendo rasa e inocente, diverte e deixa uma boa impressão. Ao mirar mais baixo, Neill Blomkamp consegue satisfazer às médias expectativas, diferente do grande quase-acerto que foi Distrito 9.





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