Lovelace
(Lovelace, 2013)
Drama - 93 min.
Direção: Rob Epstein e Jeffrey Friedman
Roteiro: Andy Bellin
com: Amanda Seyfried, Peter Sarsgaard, Sharon Stone
Linda Lovelace entrou para a história do
cinema por ter participado de um único filme. Parece absurdo, pensarmos que na década de 70 um filme
pornográfico faria tanto sucesso e receberia tanta atenção da mídia. Se hoje,
estamos a um clique de todo tipo de material (inclusive pornográfico), na
década de 70 a
situação era muito diferente e "Garganta Profunda", o filme estrelado
por Lovelace, era de fato completamente novo para o público da época.
Lovelace tinha talento para a pornografia e
habilidade para fazer uma coisa que na tela poucas vezes tinha sido vista (se é
que tinha sido). Isso catapultou o filme a um sucesso estratosférico. Dizem que
faturou impensáveis 600 milhões de dólares, o que me parece um completo
absurdo. Mas sim, faturou um dinheiro alto e entrou para a história.
Porém, à margem de tanto glamour, dinheiro
e sexo estava a jovem e ingênua Lovelace, uma garota criada em uma família
religiosa e tradicional e que se sentindo castrada por sua mãe sai de casa, e
encantada com um jovem sedutor embarca em uma vida complicada e sofrida, que
geraria traumas e que no futuro faria dela ativista contra a violência contra a
mulher e a pornografia.
Lovelace é um filme esperto em sua montagem (a
grande qualidade do filme), pois brinca com as expectativas do espectador sobre
a produção. Dividido quase que formalmente em duas partes, o filme nos
apresenta primeiramente uma história cheia de glamour sobre aquela garota
inocente, com cara de menina que consegue atingir o sucesso, conhecer
celebridades e entrar para o hall das pessoas interessantes naquele período.
Depois, quase que sadicamente, o filme retira o véu de beleza e aprofunda os
traumas enfrentados pela garota e tudo aquilo "que as câmeras não
mostraram", reproduzindo as mesmas cenas e acrescentando elementos que dão
força a tragédia de Linda.
Amanda Seyfried faz um trabalho
competente, embora o roteiro de Andy Bellin, não lhe de tempo para desenvolver sua
personagem. Apesar de vermos seu sofrimento, a personagem permanece ingênua e frágil mesmo diante de tantos abusos e
quem acaba roubando a cena são os coadjuvantes. Sarsgaard, que vive seu marido abusivo, é ao mesmo tempo
obcecado por Linda, como violento e dependente. Existe uma gama maior de
características nesse homem detestável que como todo sedutor enlaça sua vitima
ao ponto dela ver-se prisioneira daquela situação. Outro destaque é Sharon
Stone, que vive a mãe da protagonista. Ironicamente (duvido que isso não tenha sido
pensado) Stone, que se consagrou com filmes absurdamente eróticos, aqui é a mãe
recatada e que tem uma visão de mundo bastante patriarcal, mesmo diante dos claros problemas da filha. Auxiliada por uma maquiagem pesada que a deixa ainda
mais severa, reforçando linhas de expressão, Stone é a personagem mais
interessante da trama.
Se o roteiro não ajuda Seyfried a ir muito
além do retrato raso da protagonista, faz o mesmo com Stone e os coadjuvantes
ao escolher um retrato que não responde muito bem as perguntas levantadas pela
trama: o que acontece com seu marido, Chuck? Como Linda conheceu seu novo marido? Quando teve
a vontade de escrever um livro? Como se transformou em ativista? Como a
indústria pornográfica enxergou esse movimento? E a máfia - parte integrante da
trama - onde estava? E os diretores/produtores, que são retratados de forma
simpática, como reagiram a "nova Linda"?
Esse tipo de cine biografia tende a ser
criticada exatamente por esse tipo de escolha. Optar por um recorte da vida do
biografado tende a não responder perguntas importantes sobre o mesmo. No caso
do filme, falta-lhe ainda um fator importante em toda a narrativa:
sensualidade. Estamos falando sobre um filme que retrata a maior sensação do
cinema pornográfico na história, e mesmo assim muito pouco é mostrado a
respeito. Parece que a intenção era seguir o ideal de Linda de que isso "é
feio", mas se você está contando essa história como abdicar disso? Mesmo
tentando emular Boogie Nights (a comparação mais óbvia pelo período retratado),
o filme não consegue de fato nos convencer que esse mundinho pornô é de fato um
ambiente tão cruel como Linda pregava. O que é cruel, sem dúvida, é o
tratamento dado a ela por seu marido. Isso é sem dúvida, uma afronta, e mesmo
assim, com todos esses problemas, não existe sequer um desfecho competente para
essa situação.
Lovelace é uma biografia que poderia ir
muito além. A partir da personagem poderia ter entrado de cabeça no mundo que a
biografada tanto criticou. Prefere no entanto, ir para o lado mais fácil e
chocante: mais uma história triste - e que o cinema já contou melhor, com mais
emoção e impacto - sobre uma garota ingênua que sofreu abusos de um sujeito que
merecia passar o resto da vida preso.
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