Rush: No Limite da Emoção
(Rush, 2013)
Ação/Drama - 123 min.
Direção: Ron Howard
Roteiro: Peter Morgan
com: Daniel Bruhl, Chris Hemsworth, Olivia Wilde, Alexandra Maria Lara
Começo o texto com uma daquelas confissões
que estão se tornando bastante comuns por aqui: sou apaixonado por Fórmula 1.
Mais do que por cinema. Aos dois anos de idade minha festa de aniversário teve
o tema Fórmula 1, e estava lá eu vestido com um macacão da Lotus preta (a
famosa John Player Special) que na época era dirigida pelo Ayrton Senna. Tenho
álbuns de figurinhas, guias de corridas no Brasil, documentários, revistas, até
sabia decorado todos os nomes dos pilotos que participaram da temporada de 1991 e
até escrevi um livro (não publicado, infelizmente) sobre a década de oitenta do
"circo da Fórmula Um" entre mais um monte de outras coisas.
Esse parágrafo todo foi escrito apenas
para justificar minha ansiedade para ver Rush: No Limite da Emoção, um dos dois
filmes que realmente aguardava com ansiedade para ver nesse ano de 2013 (o
outro era Círculo de Fogo). Sei que não se deve ansiar por um filme, porque a
chance de uma decepção com o mesmo é enorme, mas existem filmes que nos remetem
a paixões muito grandes ou lembranças da infância e que desafiam a nossa
racionalidade e lógica adulta.
Dito isso tudo, o que de fato faz de Rush
um dos meus filmes (até agora) favoritos do ano? O carinho. Carinho e atenção com que
Ron Howard tem por sua história. Que pese não ser um retrato fidelíssimo à realidade dos fatos, o é diante da ideia de contar a história de dois sujeitos apaixonados por uma mesma coisa
e que rompiam os limites (sejam os da pista ou os pessoais) em busca de um
objetivo: a vitória.
Mesmo que a rivalidade entre Hunt e
Lauda não esteja entre as mais agressivas e raivosas da categoria, o drama vivido durante a temporada de 1976 (esse sim), é dos mais
impressionantes na história do esporte. Se o filme tem uma falha "grave" é a de não avançar
mais além na cronologia, optando por um encerramento que é poético e singelo,
sem dúvida, mas que cria uma aura de que aquela disputa foi mais além do que de
fato foi na realidade.
Se existe um protagonista em Rush, esse é
Niki Lauda/Daniel Bruhl. Mesmo com muitos dos problemas de Hunt ocuparem até
mais da projeção, é no drama vivido pelo piloto austríaco que o filme se
debruça com mais atenção e cuidado. Lauda é retratado como um quase estereótipo
do sujeito alemão (embora seja austríaco). Rígido, severo, sem tempo para
perder com diversão ou distrações, chega a resvalar do inverossímil, mas a desempenho
excelente de Daniel ameniza os problemas do estereótipo, principalmente quando
notamos que apesar de sua visível "ranhetice", Niki é apenas um
apaixonado pelo esporte e que presa pelos valores do mesmo.
A surpresa vem na interpretação segura de
Chris Hemsworth, confortável como o playboy James Hunt. Hemsworth ainda precisa
provar que é um ator de primeiro time, mas aqui está em um habitat bastante seguro,
onde Chris parece bastante à vontade. Hunt é visto aqui da mesma forma que Lauda, quase resvalando no estereótipo do playboy boa vida, mas Hemsworth consegue
dar mais camadas ao personagem, fazendo-o o esportista obcecado pela perfeição,
muito talentoso e com dificuldades com seus relacionamentos. Embora tenha todas
as mulheres (que na produção são meras figuras decorativas) a sua disposição,
no fim do dia o piloto volta pra casa sozinho (metaforicamente falando).
Ron Howard acerta na reconstrução de época,
conseguindo recriar um período muito rico para a categoria. Durante todo o
filme o mantra de que todo o ano um piloto morria é repetido, e a produção
parece - com razão - encantada pelo destemor desses sujeitos que arriscavam a
vida pelo prazer da vitória. Em uma época em que a Formula 1 é acusada de ser
cada vez mais mecanizada, é interessante esse retorno ao romantismo, quando os
pilotos bebiam antes de pilotar, divertiam-se fartamente na véspera das
corridas ou quando acidentes impressionantes marcavam para sempre aqueles que
sobreviviam.
O interesse maior de Rush está ai: a
partir da disputa de Lauda e Hunt contar um pouco sobre a historia do esporte
nesse período, marcado pelos muitos acidentes e por um ar amador e ingênuo,
onde o sujeito mais rápido venceria a corrida e o campeonato.
Visualmente o filme impressiona. A
fotografia evoca o período retratado com grande competência e a forma com que
as corridas (não tantas como os trailers pareciam dizer) são mostradas detalha
alguns elementos importantíssimos na pilotagem como as trocas de marcha em alta
velocidade, à dificuldade monstruosa de se guiar em uma pista molhada, os pit
stops e até mesmo (e graças ao uso de efeitos visuais, imagino) o funcionamento
do motor de um carro de corrida.
O que nos leva a bater palmas para a
montagem de Daniel P. Henley e Mike Hill. Um trabalho difícil já que ao mesmo tempo em que monta um
filme de ação com as corridas ganhando destaque, principalmente durante o ato
final, também estamos acompanhando um drama sobre os limites daqueles homens na
tela. Optando por não cair na vala comum do videoclipe, a montagem das corridas
apesar de enérgicas são facilmente compreendidas e realmente emocionantes mesmo
para quem já conhece o desfecho da maioria delas. De fato, apenas a corrida
final - que definiu o campeonato de 76 - ganha maior destaque, embora tenhamos
imagens que reproduzem diversas corridas da temporada.
Ao final de Rush fica a dúvida: teríamos
visto o mais impressionante filme sobre automobilismo já produzido? Se formos
tentar responder essa pergunta à comparação óbvia (e mais justa) é com o
clássico Grand Prix de John Frankenheimer. Se Grand Prix era mais um filme de
corrida puro, com muito mais cenas dentro da pista e usando praticamente os mesmos carros das equipes
participantes do campeonato retratado no filme (1966), Rush é mais completo,
pois além de apresentar as corridas (em menor numero que Grand Prix, é
verdade) com grande competência e usando carros reais encontrados com diversos colecionadores pelo mundo, tem um elemento dramático mais empolgante e uma reverência mais
ingênua, o que condiz com o período retratado.
Talvez por ter sido realizado
muito próximo a temporada retratada (Grand Prix é de 1966 e retrata justamente uma fictícia temporada do mesmo ano), existe uma dose de
cinismo naqueles personagens. Com o saudável distanciamento dos fatos, a trama
de Rush é mais redonda, tem mais carinho por seus personagens e não "vilaniza"
ninguém. Vilão, que se existe em Rush é o tempo, que esses dois homens lutaram
durante toda a vida para vencer.
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