quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

Cópia Fiel
(Copie Conforme, 2010)
Drama - 106 min.

Direção: Abbas Kiarostami
Roteiro: Abbas Kiarostami

Com: Juliette Binoche e William Shimell

Confesso a vocês que o hype em cima de Cópia Fiel me fez esperar o pior. O burburinho em torno do filme, me fez esperar a complexidade chatíssima que vem acompanhada de muitos "queridinhos" da critica. Não consegui assistir ao filme quando esse estreou, e tive de esperar o home video para conseguir acompanhar esse que é o mais impecável estudo sobre relacionamentos humanos lançado no país em 2011.

Às vezes fico profundamente feliz de ter meus prognósticos e expectativas (embora não devamos os ter em relação aos lançamentos cinematográficos) destroçados por um filme que subverte minhas esperanças e até mesmo minha má vontade inicial em assisti-lo. Rendo-me ao talento dessa atriz mais que fabulosa chamada Juliette Binoche, a esse muitíssimo talentoso William Shimell e a esse tremendo diretor e roteirista vindo detrás do muros impenetráveis do Irã, chamado Abbas Kiarostami.

Em Cópia Fiel acompanhamos as personagens de Elle (Binoche), a dona de uma loja de antiguidades que depois de acompanhar a palestra do escritor Jason Miller (Shimell) decide conhecê-lo. Miller por sua vez, está na Itália, divulgando seu livro onde defende que a cópia pode ser tão emocionante e verdadeira quanto um objeto real.


O que Kiarostami faz com enorme maestria é aos poucos e sem nenhuma motivação aparente, transportar o casal e o espectador para uma espécie de realidade fantástica, ou uma dimensão paralela, ou quem sabe a verdadeira realidade daqueles dois personagens, que se vêem durante o filme discutindo e citando fatos e eventos como se fossem casados a (no caso) quinze anos.

Como podemos nos emocionar no cinema, mesmo sabendo que tudo o que vemos nada mais é do que a manipulação da "realidade" pelas mãos hábeis de um diretor, produtor, fotografo, montador, ator, músico e afins? Esse é o conceito que o diretor procura desenvolver. Se o espectador consegue se emocionar com uma historia claramente de mentira, será que se emocionaria e acompanharia intrigado uma historia que em suas "viradas dramáticas" mudasse completamente de tom e de realidade? Seria possível que a cópia de um relacionamento de verdade possa emocionar e intrigar o espectador? E por que isso acontece?

A brincadeira do Jogo de Cena (como Eduardo Coutinho muito bem realizou em seu mockumentary de mesmo título) aqui é elevada a um patamar ainda mais virulento e crítico. Se acompanhamos Elle e Jason discutindo sobre a tendência da sociedade em diminuir tudo que não é original, numa busca sem fim pelo "purismo da originalidade", no mesmo filme vemos as reações emocionais de um casal quando confrontado pela rotina em uma simples visita a um restaurante, em que o fato de os brincos de Elle não serem notados transformam-se em um estopim para uma hecatombe nuclear.


É essa mistura de realidade dos personagens e suas supostas mudanças, essa volátil mistura entre real e imaginário é que fazem de Cópia Fiel, um filme extremamente bem sucedido, mesmo contando com ação diminuta e passando-se apenas durante uma tarde em uma pequena vila italiana.

Mesmo assim, Kiarostami consegue com grande inteligência emular os passos de um relacionamento (o grande objeto de pesquisa do filme) encaixando nosso pseudo-casal em três realidades diferentes que apresentam ao público a visão do diretor sobre o casamento, o amor e a convivência entre os seres humanos. 

Acompanhamos um jovem casal recém-casado, cheio de alegrias, sonhos e profunda energia celebrando sua festa de casamento nessa pequena vila. Minutos depois, o diretor nos apresenta um casal de meia idade, que próximos da idade dos personagens principais do filme, são professorais e atenciosos em seus conselhos sobre as dificuldades extremas da convivência que podem ser resolvidas - às vezes - com simples gestos como o caminhar ao lado da companheira/o apoiando-se em seus ombros, numa demonstração clara de que caso seu amor caia, lá estará você pronto para agarrá-lo. Kiarostami também não esquece do silêncio sereno dos casais mais velhos, que atingiram um grau de compreensão quase metafísico, que dispensa as discussões desnecessárias. Tudo é compreendido no olhar e com as atitudes.


Cópia Fiel não é fácil. É um desafio ao espectador comprar a ideia de que pode estar sendo enganado (ou não) o tempo todo, sendo claramente manipulado para que o diretor atinja seu objetivo. Mas ai fica minha pergunta: estamos tão acostumados a sermos quase emocionalmente violentados por uma dezena de comédias e romances pré-fabricados que quando o véu da mentira é tirado de nossos rostos, nos negamos a compreendê-lo?

É possível, ou melhor, muito provável, que o público se negue a ver diante de seus olhos que Cópia Fiel apenas tirou da frente às paredes que impediam o espectador de enxergar o homem que puxava as cordas e que torcia e retorcia cada centímetro de emoção que entregamos em cada sala escura diante do altar da tela luminosa.

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