Tudo Pelo Poder
(The Ides of March, 2011)
Drama - 101 min.
Direção: George Clooney
Roteiro: George Clooney, Grant Heslov e Beau Willimon
Com: Ryan Gosling, George Clooney, Phillip Seymour Hoffman, Paul Giamatti e Evan Rachel Wood
Quando todos estão sujos, como sobreviver na lama? Essa é pergunta que o personagem de Ryan Gosling deve ter feito a si mesmo durante Tudo pelo Poder, nova incursão de George Clooney por detrás das câmeras. Nele, Gosling vive um assessor político profundamente engajado na campanha de Ethan Morris (vivido pelo próprio Clooney) que durante as primárias do partido democrata (uma característica da política americana, que dá poder aos eleitores de realizarem uma "pré-eleição", onde são selecionados os dois candidatos - tanto do partido republicano, quando do democrata para os cargos eletivos) descobre uma situação que pode comprometer a campanha de seu candidato, e passa a perceber que aquele mundo político é um lugar mais duro e complexo do que ele imaginava, onde os valores das pessoas são testados e palavras como lealdade, coragem e amizade são variáveis sombrias e que são sucessivamente forçadas ao limite do ético.
O grande destaque do filme é para seu elenco (todo ele) fenomenal. Desde a construção segura e sóbria de Morris (Clooney), que é caracterizado como o über liberal, sem medo de meter o dedo na ferida aberta e sem muita paciência para conchavos políticos.
Interessante notar que o roteiro de Clooney, Heslov e Willimon é inteligente ao apostar em uma série de pequenos discursos durante a campanha pela conquista dos votos no estado da Pensilvânia (um dos maiores colégios eleitorais americanos) tanto em eventos públicos, quanto em debates na tv, o que pode referenciar as preferências políticas dos autores do texto e ajuda ao espectador a apreciar aquele homem e que faz com que quando conheçamos o problema que poderá causa uma eventual derrota em sua campanha, fiquemos surpresos (mas nem tanto) e passemos a nos questionar sobre como questões morais e estritamente pessoais podem influenciar de maneira tão decisiva o futuro de um país.
Obviamente tendo como base, um caso mais que famoso da política americana, Clooney vai além, e não se furta a apontar o "problema", mas sim em como aquela informação muda completamente a forma com que o jovem e impressionável Stephen Meyers (Gosling) passa a ver seu messias. Ao mesmo tempo, os meandros da politicagem são mostrados - embora não apresente nenhuma informação nova - com toda dose de cinismo e realismo que o público conhece, tais como o vazamento de informações pessoais ou sigilosas com o intuito de atrapalhar o caminho de um eventual adversário, ou a forma de preparar as estratégias políticas (as chamadas agendas) tentando favorecer o maior número de possíveis aliados, ou mesmo a noção - talvez a única novidade em termos cinematográficos - de vermos tudo isso acontecendo dentro de um mesmo partido, que na teoria deveria seguir um mesmo código de conduta e ser pautado pela mesma ideia de certo e errado.
Outros destaques do elenco vão para os personagens periféricos que servem como pedras fundamentais dos dois lados da balança política democrata. Do lado de Morris, Paul Zara (o ótimo Philip Seymour Hoffman) que dentre o mar de lama e profunda dificuldade de compreender o certo e o errado, talvez seja o que melhor consegue transitar por esse caminho, sem no entanto, deixar-se corromper de forma completa. Em determinado momento do filme, Hoffman discursa para o personagem de Gosling sobre a importância da lealdade na política, já que mesmo diante de acordos, favores financeiros ou políticos, a única coisa que realmente é verdadeira nesse meio, é o valor da palavra de um homem. Ao mesmo tempo, Zara é um homem que se vendo em uma situação sem soluções fáceis, torna-se desesperado e se vê ameaçado por todos os lados, num estado de paranóia monumental.
Contrabalanceando a situação, o seguro e escorregadio Tom Duffy (o igualmente ótimo Paul Giamatti) funciona como a semente da discórdia, já que como assessor do candidato adversário é responsável por estimular a paranóia coletiva da equipe liderada por Hoffman e que tem no jovem personagem de Gosling seu pupilo. Cínico e inteligente a ponto, de como um mestre enxadrista, adiantar-se cinco movimentos a seus adversários é o grande artífice da produção e responsável por fazer a história andar, já que a todo o momento - mesmo quando não o vemos em tela - sua presença é sentida, principalmente a partir do momento em que o personagem faz seu primeiro movimento no tabuleiro político.
Fechando o time de coadjuvantes, as belas Marisa Tomei e Evan Rachel Wood tem o trabalho mais difícil. Tomei, mesmo com pouco tempo, consegue nos fazer crer que a jornalista Ida Horowicz fará de tudo para conseguir um furo, mesmo que isso signifique abrir mão de amizades e da tão falada lealdade. Já Wood, tem o papel mais ingrato, já que é sobre ela que todo o apocalipse acontece. Uma jovem e determinada mulher, sem muitas papas na língua e que é "usada" na produção como estopim de uma crise que não afeta apenas a política, mas a vida do personagem de Gosling, que se vê motivado a corromper-se de forma vingativa.
É nele que se concentram todas as viradas da trama e todo o peso dramático, já que acompanhamos cada sequencia por sua visão (acho que o personagem está presente em cada cena do filme) e portanto quando o castelo de cartas que é sua vida começa a ser demolido, nos solidarizamos, ao mesmo tempo em que não conseguimos esquecer de suas falhas de caráter.
Gosling faz de Stephen, um homem impressionado por um herói que o decepciona e que se ve afundado até o pescoço em um viscoso pântano causado por sua ingenuidade e pela forma apaixonada de ver sua profissão. Nesse ponto é preciso esquecer de seus escrúpulos, rasgar-se de pudores e tentar sobreviver na selva, e é isso que ele faz, transformando-se de galã engajado em um cínico e virulento homem de negócios. Uma ótima interpretação.
A fotografia de Phedon Papamichael (Sideways, Encontro Explosivo, À Procura da Felicidade, Johnny & June entre outros) é segura, apostando na claustrofobia das salas de reunião e na reação dos personagens as luzes cegantes dos holofotes sempre apontados para os candidatos. A trilha a cargo de Alexandre Desplat consegue a proeza de criar um tema para o thriller político, daqueles que são facilmente assoviáveis no fim da sessão.
Mas é para Clooney que os maiores aplausos devem ser dirigidos. É notável sua evolução como realizador desde o ótimo Segredos de uma Mente Perigosa, passando pela homenagem a liberdade de imprensa em Boa Noite e Boa Sorte, culminando nesse soberbo Tudo Pelo Poder, um dos poucos (genuínos) grandes filmes da safra de 2011.
Nenhum comentário:
Postar um comentário