Em Transe
(Trance, 2013)
Drama/Thriller - 101 min.
Direção: Danny Boyle
Roteiro: Joe Ahearne, John Hodge
com: James McAvoy, Rosario Dawson, Vincent Cassel
Entre aqueles
colegas e amigos, devo ser um dos poucos que realmente gostou de 127 Horas. Em
geral gosto de Danny Boyle, acho-o criativo no uso dos excessos, seja ele do
som - em geral altíssimo, da montagem - em geral acelerada, dos temas - em
geral multifacetados e das interpretações - em geral beirando over acting. Essa
é a sua forma de fazer cinema e diante de Trainspotting, Cova Rasa, Extermínio
e até mesmo Caiu do Céu, trabalhos muito interessantes - e diferentes um do outro
- sua competência está provada. Que pese ainda o seu Oscar por Quem quer ser um
Milionário (que eu particularmente não gosto) e o já citado 127
Horas, dois filmes que dividiram bastante o público e crítica, o diretor é bem
sucedido e goza do respeito dos colegas e críticos.
Toda essa
introdução de livro biográfico serve apenas para tentar entender em que poço
Boyle se enfiou para conceber Em Transe, seu mais recente trabalho. Estruturado
como filme de assalto, e posteriormente como uma produção quase onírica e por
fim como "elegia da vingança", Em Transe é um
"semi-abacaxi" que pela maior parte do tempo parece uma bobagem
pretensiosa, caminhando desgovernadamente sem um rumo específico.
Essa sensação de
desconforto que senti é explicada pela trama. Simon (James McAvoy) é um sujeito que trabalha em
leilões de arte e que durante um assalto acaba sendo atingido na cabeça e perde
a memória recente. Ficamos sabendo na sequência seguinte que ele é um dos
comparsas do assalto e que o quadro roubado no leilão ficou com ele. Mas ele
não sabe aonde. Não se recorda com a pancada na cabeça.
O bando liderado
por Franck (Vincent Cassel), tenta de tudo e no desespero para colocar as mãos no quadro, recorre ao
hipnotismo. Aleatoriamente a escolhida é a bela Elizabeth (Rosario Dawson), que tem a missão de
encontrar as memórias de Simon, em meio ao caos que sua perda de memória deixou
sua cabeça. A partir daí, a trama se desenrola entre os mundos da memória
criados pelo rapaz e pelas descobertas na vida real.
A confusão e desorientamento da trama - não dando a impressão que vai
chegar a algum lugar - é ampliada pela forma como a narrativa é apresentada. A princípio simplista (caras querem um quadro caro vs. sujeito não sabe onde está e precisa achá-lo), ganha ares épicos e grandiloquentes quando vai se destrinchando, culminando em um daqueles finais saídos do pior do cinema pop, onde tudo
"tem que fazer sentido e a trama precisa ser certinha", o que parece
fazer o gosto de uma parcela generosa do público.
Esse cinema
robótico não dá espaço para o próprio desenvolvimento da historia. Boyle está tão
preocupado em acertar sua resolução - para que tudo "faça sentido" -
que ignora que seu ato final apesar de funcionar num sentido matemático (ou
seja, a trama se encaixa) em termos cinematográficos e narrativos é patética.
Você caminha por 90% do tempo em uma direção para mudar tudo em um daqueles
plot twists exagerados e que dão um ar de realidade fantástica a uma historia
que - quando não se passa na cabeça do protagonista - é calcada no realismo em
termos narrativos.
Essa ideia beira o
pedantismo, e quer dar um estofo épico a uma trama simples demais. Que pese o
fato de Boyle ser um bom diretor e saber conduzir-nos por seu labirinto de
referências, cores, sombras e iluminação precisa, fazendo da experiência ainda
mais frustrante. Se o primeiro ato é intrigante (afinal por quê Simon quis se
envolver com o crime?) e as respostas para nossos questionamentos no segundo
são aceitáveis (óbvias, mas fazem sentido de forma prática) o ato final
descamba para uma virtuose e exercício de estilo que - se é tradicional na
filmografia de Boyle - prejudica sua história. E tudo começa na imagem mais
impactante de toda a trama, um trabalho magnífico da equipe dos efeitos visuais
do filme. A partir daí, com a quebra violenta entre real e imaginário, a trama
corre - literalmente - até o fim de forma lisérgica com revelações sendo
atiradas na cara do espectador, sem que exista muito espaço para que possamos
engolir muito bem tudo aquilo dito. É uma estratégia claro, usada em milhões de
filmes. Você derrama um caldeirão de informações em um espaço curto, não dando
tempo para o espectador pensar nos furos e absurdos do que está vendo, porque
estamos tão curioso para saber até onde a trama caminhará que aceitamos aquilo
passivamente.
Se James McAvoy
está correto, Vincent Cassel ve seu personagem ir perdendo força de forma
agressiva e depois de um início forte, vai tornando-se um coadjuvante de luxo,
enquanto Dawson da frieza inicial vai se tornando a peça fundamental da trama
(pequeno spoiler aqui). Rosario é uma mulher belíssima e Boyle soube usar seus
"atributos" para ilustrar sua pedante trama. Mesmo que seja ótimo ver
a atriz completamente nua (pelo menos para os heterossexuais e as lésbicas)
estas sequências são das mais gratuitas da história recente do cinema. E por
que razão? Boyle precisa responder a uma pequena e insignificante referencia
que faz no início do filme sobre um livro de arte. Muitos podem dizer
que, na verdade, é uma exercício sobre o domínio que a personagem é submetida,
mas por favor, ninguém me tira da cabeça que no fundo Boyle quis apenas
mostrá-la pelada (nada contra, ela é linda) e que se as cenas não aparecessem
na tela, de fato nada mudaria.
Em Transe flerta
com o completo desastre com uma intimidade assustadora, mas Boyle sabe deixar o
espectador, se não envolvido (já que os personagens são frios e a trama sórdida
não ajuda), ao menos curiosos para saber onde aquele assalto mal sucedido vai
nos levar. Uma pena que a resolução encontrada seja mais do mesmo, e caia no
quase absurdo, transformando personagens em pessoas com habilidades super
humanas.
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