Somos Tão Jovens
(Somos tão Jovens, 2013)
Drama - 104 min.
Direção: Antonio Carlos da Fontoura
Roteiro: Marcos Bernstein
com: Thiago Mendonça, Laila Zaid, Sandra Corveloni, Marcos Brêda, Bianca Comparato
Vamos começar logo
deixando uma coisa bastante clara, já que infelizmente a interpretação de texto
é um problema crônico: essa análise é do filme Somos tão Jovens e não da banda
Legião Urbana, Aborto Elétrico, Renato Russo, Dado Villa-Lobos, Marcelo Bonfá
entre outros. As eventuais críticas são destinadas à representação que o filme
faz desses personagens e eventos, por isso, não venham com "você não gosta
da banda", "você não entende nada de Legião" entre outras
coisas.
Dito isso, vamos
ao filme. Somos tão Jovens não pretende ser uma biografia de seu protagonista
(por mais absurdo que isso pareça), mas um filme "jovem" e divertido
sobre esse personagem tão idolatrado e com uma legião (trocadilho inevitável)
de fãs de todas as idades, credos e classes sociais. Impossível não pensar no
quanto essa ideia pode ser bem sucedida.
Por isso, não
existe aqui um aprofundamento psicológico, ou mesmo uma vontade de se ater rigorosamente aos
fatos. Como exemplo disso a relação - que movimenta a trama - entre o jovem
Renato e sua amiga Ana Cláudia, personagem que de fato nunca existiu na realidade. Ora, se você faz uma cinebiografia, o mínimo que se espera é que ela seja honesta com o biografado. A
garota - e isso não é invenção minha, mas declarações dos próprios envolvidos - ,
é uma mistura de uma serie de amigas do cantor. Seria a vida adolescente de
Renato tão chata assim a ponto de se precisar misturar uma serie de pessoas em
uma única criatura para que ela funcionasse na tela? E mais, a personagem é
fundamental a trama, que literalmente faz a mesma funcionar. Por isso, vale de
novo o registro: apesar de essa ser a história de Renato Russo, ela não é de
fato uma história 100% verídica.
Por mais que os
personagens estejam ali, e a formação do Aborto Elétrico e Legião Urbana,
relação com outras bandas e artistas que vieram a se formar no rock nacional
(casos de Dinho Ouro Preto e Herbert Vianna que surgem aqui num misto de
imitação e caricatura bastante perigosa) seja retratada, falta uma profundidade
naquelas relações. Por outro lado, é saudável que diante da expectativa de um eventual endeusamento de Renato e demais membros das bandas brasilienses, o
mesmo não tem medo de apontá-los como garotos em busca de diversão e seus lugares ao sol.
Vivendo em sua
cidade sem opções resta a essa galera beber, fumar e farrear. E no meio dessa
farra, as amizades e bandas são formadas. Renato é um sujeito estranho naquele
meio, inocente em sua revolta adolescente contra o sistema, que faz o filho de
bancário que em sua primeira banda tinha como componente o filho de um adido
político sul-africano e um baterista que "esperava sua bateria chegar da
Inglaterra", montar uma banda punk. Nada mais contraditório, nesse retrato do
adolescente médio, esse poço sem fim de entusiasmo e contradição.
Antonio Carlos Fontoura
tem um mérito inegável aqui: não cria o mito Renato Russo, mas o garoto
ingênuo, cheio de tiques de "rainha do drama" e contraditório. Isso é
ampliado pelo bom desempenho de Thiago Mendonça que faz de Renato esse garoto
levemente arrogante, com uma noção inata de sua capacidade e que tem uma seria
dificuldade em se relacionar com as pessoas e o mundo a sua volta. Seus poucos
amigos, no entanto, são fiéis e formam um clã unido entre os abastados de
Brasília.
Estou tentando
aqui fugir do lugar comum e não acusar os personagens de "burgueses sem
religião" (outro trocadilho inevitável), mas essa visão de garotos ricos,
revoltados com a falta do que fazer é uma visão que permeia toda a produção. O
bom é que desse tédio surgiram bandas importantes, trabalhos interessantes e
que serviram como norte para uma geração. A ironia de se ver esses garotos que
tem condições de serem o que quiserem se revoltando "contra o
sistema" é sempre interessante. E a forma paternal com que a produção
segue essa rebelião juvenil é inteligente, já que parece o olhar de um irmão
mais velho, ou de um pai que ve aquela molecada e diz: "é muito barulho
por nada". Não existe essa ideia de mitificar - ainda mais - a figura de
Renato Russo e esse é o grande destaque do filme.
Além de Mendonça,
Laila Zaid interpretando o amalgama das amizades de Renato também acerta. Simples,
evitando ao máximo um confronto de overacting com Mendonça - já que seu
personagem pede o exagero constante - é o apoio emocional e por onde toda a
trama orbita. Por mais brilhante que seja Renato, a historia aqui é sobre esse
garoto em busca de sua identidade e a falta de estofo dessa essa historia é equilibrada por sua
confidente/amiga que é a ligação mais próxima que o público tem com a essência
do protagonista.
O filme sofre de
um mal comum a cine biografias e que aqui continua não sendo evitado, o excesso
de "momentos chaves" mal apresentados, como a cena que precede a escolha
do nome de Aborto Elétrico para a primeira banda de Renato. Ou a sequência (fictícia)
em que Renato
conhece um jovem de Taguatinga e este o leva a conhecer sua cidade. É verdade que ajuda a trama a ficar mais enxuta, mas incute no espectador tantas
referências as canções de Renato ao limite do exagero. Povoam o roteiro frases
soltas de musicas importantes, como "festa estranha com gente esquisita"
quando Renato e amigos chegam a uma festa que não se enquadram, ou "que
país é esse", numa das discussões ingênuas e revoltadas sobre o Brasil que
o grupo tem.
Somos tão Jovens é
um título ideal para a produção. Lembra-me imediatamente aquela sensação que todos
temos (ou terão) ao folhear um velho álbum de fotografias e nos encontrarmos
ali, mais novos, mais ingênuos e mais confiantes num futuro de sonho. "Éramos
tão jovens" é uma frase que mesmo que mentalmente vem a cabeça, entre
comentários óbvios e banais sobre cabelos, roupas e atitudes. Acertando ao
despir do mito o homem para apresentá-lo como apenas um garoto, o filme erra no
entanto ao ficar apenas na banalidade, no lugar comum. Após apresentá-lo,
esquece de ir além e retrata suas mudanças de forma simplista sem saber crescer
e perceber que o garoto ingênuo do começo da produção não é o mesmo quando a
mesma termina.
Uma das críticas mais bem sucedidas que já li. Parabéns!
ResponderExcluirParabéns Alexandre! Uma das melhores e sinceras críticas que li sobre o filme. Sem os rancores do que já vi por ai.
ResponderExcluirConquistou mais uma leitora do seu blog.